Recursos musicais de apoio a técnicos e famílias de crianças portadoras de necessidades educativas especiais

Instrumentos acessíveis e fáceis de reciclar

Acessíveis e inclusivos são os instrumentos musicais que, adaptados a crianças com deficiência, são igualmente eficazes com crianças sem necessidades especiais.

Os instrumentos apresentados neste artigo foram utilizados por crianças em Unidade de Apoio Educativo a Crianças com Multideficiência. Podem ser replicados e tocados por todas as crianças, na escola e em casa, com a ajuda de familiares adultos. Por razões económicas, pedagógicas e ambientais, são uma vantagem para educadores de infância e professores de Música nas Atividades de Enriquecimento Curricular e Música Adaptada.

Tambor de tampa:
Tambor de tampa circular

Tambor de tampa circular

A tampa de um balde de azeitonas pode desenvolver a criatividade e o bem-estar da criança. Basta lavá-la e mantê-la limpa. Há tampas com vários tons de verde, vermelho, amarelo, castanho. São ferramentas úteis para desenvolver o conhecimento das cores. Muitas vezes, a própria criança mostra ao adulto o que consegue e gosta de fazer com o objeto. ]

Maraca-lagarta:

A maraca-lagarta é um objeto múltiplo feito com tampas de amaciador da roupa que encaixam umas nas outras. Para fazer uma boa maraca basta colocar arroz lá dentro e encaixar bem, deixando a última sem tampa. Se o seu educando gosta de encaixar objetos, não coloque dentro grãos pequenos mas objetos maiores como castanha, ou castanha da Índia, ou outros (tendo sempre o cuidado de não serem risco para a segurança.)

almofariz:
Almofariz

almofariz

O almofariz de madeira que utiliza na cozinha para pisar condimentos, nozes e alho pode funcionar como instrumento musical de percussão direta, batendo com o pilão na base ou nas paredes.

Clavas de encaixe:
Clavas de enfiar

Clavas de enfiar

Além de servirem para bater da forma convencional – batendo com a menor na maior – duas clavas de cana de bambu furadas, com diâmetros adequados, podem ser um instrumento musical e um brinquedo, quando a criança se diverte a encaixar uma na outra e a bater dessa forma.

Maraca de braço:
Maraca de braço por Sílvia Faria

Maraca de braço por Sílvia Faria

Para crianças com sérias limitações em termos de motricidade, é possível fazer pulseiras sonoras ou maracas de pulso que proporcionam experiências sonoras e bem-estar. Se tiver um familiar que costure, dê asas à imaginação e crie alternativas sonoras para o seu educando.

Saqueta de sons:
Saqueta de sons

Saqueta de sons

Tem meias bonitas que já não servem ao seu educando? Guarde-as e poderá criar com elas objetos sonoros interessantes com que pode fazer jogos de música e motricidade. O som e o cheiro vai variar conforme o que colocar na meia: conchas, pedrinhas, caroços de frutos, ervas aromáticas secas, sementes de melão.

Maraca cilíndrica:
Maraca cilíndrica grande

Maraca cilíndrica grande

Um recipiente cilíndrico de toalhitas ou de ração de tartaruga pode tornar-se um brinquedo ou um instrumento sonoro em que pode colocar, conforme as competências e características do seu educando, arroz, grãos ou objetos maiores.

Pulseira sonora:
Pulseira musical adaptada

Pulseira musical adaptada, feita por Sílvia Faria

Se tiver na família ou entre os amigos alguém quem saiba de costura, obtenha pulseiras sonoras ou maracas de pulso que proporcionam experiências sonoras agradáveis ou surpreendentes.

Guizeira de pulso:
Guizeira de pulso por Sílvia Faria

Guizeira de pulso por Sílvia Faria

Maiores limitações exigem maior engenho. Quando as crianças têm grandes dificuldades em mover o braço, uma das soluções poderá ser criar guizeiras de pulso.

chincalho de parafuso:
Chincalho reutilizado

chincalho reutilizado

A faca partiu e resta um bom cabo? Basta fixar tampas metálicas (de frasco de sumo tipo COMPAL), depois de furadas com prego grosso e martelo. Atravessando-as com um parafuso grande, tem um chincalho seguro, funcional, resistente e duradoiro.

Tambor de frasco:
Tambor de frasco

Tambor de frasco

Com um pauzinho e um frasco de champô lavado e seco, reciclado, pode ter um instrumento que pode ajudar o seu filho a desenvolver diversas competências psicomotoras, contar, dizer frases curtas, acompanhar canções. ]

Vaso metálico reutilizado:
Vaso reutilizado

Vaso reutilizado

Um vaso metálico e uma baqueta que encontra no IKEA a bons preço pode servir para tocar, seja com baqueta de plástico seja com uma colher de pau, ou pauzinho.

maracas geométricas:
Maracas geométricas

maracas geométricas

Diversos frascos e boiões tornar-se maracas com cores e formas diversas (cilíndricas, oval, paralelipipédica e esférica.) Basta colocar lá dentro sementes ou grãos de cereal.

Saqueta:
Saqueta

Saqueta

Saquetas podem ser reutilizadas para fins didáticos e musicais, colocando dentro cascas de noz, búzios ou conchas. Pode fazer jogos cantados como: “Fui ao saco das amêndoas sem a minha mãe saber. Tirei uma, tirei duas… (até 10). Que guloso que tu és!

Redinha de pedras:
Redinha de pedras

Redinha de pedras

Areias dentro de uma saqueta podem suscitar o interesse da criança, em termos de som, de cores e de textura. ]

Hemisférios às avessas:
Hemisférios às avessas

Hemisférios às avessas

Metades coloridas de recipientes esféricos de chocolate ou de surpresas de máquina podem funcionar como castanholas reutilizadas.

Castanholitas:
Castanholas reutilizadas

castanholas reutilizadas

Tampas maleáveis de doseador de detergente para máquina de lavar roupa podem servir de instrumento musical com timbre agradável e intensidade suave. Também pode utilizá-los para fazer jogo simbólico, fazendo de conta que é um copo (que pode passar-se entre adulto e criança ou encaixar.) ]

Tampa circular multiusos:
Volante em jogo simbólico

Volante em jogo simbólico

Há crianças que, apesar de limitadas em termos de motricidade e fala, entendem muitas palavras e gestos dos adultos e gostam de fazer de conta. Uma tampa circular pode tornar-se um volante, uma máscara, um chapéu, um prato, uma pizza, um leque… Invente como fazia quando o seu filho era bebé, ou utilize canções tradicionais conhecidas. ]

chincalho de parafuso:

Castanhola de parafuso

Castanhola de parafuso

Em lojas ditas “dos Chineses” encontra estes objetos de madeira que servem para fixar varões de cortinas. Basta colocar um parafuso grande e tem um instrumento de percussão direta que dá para bater ou friccionar. Há crianças que gostam muito deste tipo de instrumentos.

António José Ferreira

Quem tem um filho com necessidades especiais, tem um desafio permanente a encontrar o que o desenvolve, relaxa e valoriza. Se estiver atento e desenvolver a criatividade, vai encontrar objetos, ferramentas, canções e timbres que tornam a criança mais feliz: ser criativo é uma forma de amar. António José Ferreira

A “Música Especial em Casa” é especialmente dedicada a famílias de crianças com necessidades educativas especiais. Os instrumentos foram ou podem ser utilizados com crianças portadoras de deficiência profunda – mas isso não significa que não possam ser utilizadas com todas as crianças do Ensino Regular em contexto de Atividades de Enriquecimento Curricular ou no Jardim de Infância.

A pandemia foi um desafio enorme que gerou uma aproximação que nunca fora possível entre a Escola e a Família. Esteja atento a pequenos objetos cujo conteúdo se esgotou. Por vezes, basta tirar a etiqueta e lavar para ter um pequeno instrumento que faz feliz o seu filho e o ajuda a desenvolver competências. Se este artigo lhe for útil e inspirar boas práticas, marque-o como favorito.

1. O desenvolvimento começa em casa.

Antes ainda de a criança nascer, o seu desenvolvimento faz-se com os sentidos e através dos sentidos. Antes de a criança saber o que é o amor, percebe que é amada. A música e a ternura são aliados especialmente valiosos nos primeiros anos de vida.

2. A cidadania aprende-se com a prática.

Ainda antes de ter noção do que deve ser enquanto cidadão, a criança absorvem os valores da gentileza e da atenção ao outro. Antes de irem para a escola as crianças já viveu o que é ser bondoso, saudar, pedir desculpa, dizer obrigado.

3. A criança tem atividades favoritas.

A criança não fala e não caminha autonomamente mas gosta de apertar e desapertar, de enroscar e desenroscar? Proporcione-lhe momentos de ação com recipientes reutilizados que são fáceis de lavar e desinfetar. Verificando que os objetos não representar qualquer risco para a criança, verá satisfação quando ela se envolve em colocar ou tirar, por exemplo, um pauzinho.

4. A limitação contorna-se com imaginação.

Pela sua problemática, a criança com deficiência tem por vezes tendência para lançar objetos ao chão. Selecione objetos de som agradável de alturas diferentes e ela criará contigo melodias improvisadas. Podem ser canas de bambu de tamanhos diversos ou tubos metálicos.

5. A música promove boas rotinas.

Na infância, especialmente no caso de crianças com necessidades educativas especiais, as rotinas são importantes para a estabilidade e segurança. Crie rotinas em que a música ajuda a memorizar de algum modo os dias, um tempo de exploração sonora ao sábado.

6. A música desperta (os) sentidos.

Quando a criança tem limitações que não são comuns, tem o desafio de utilizar utilizar a música como aliada para o desenvolvimento dos sentidos.

António José Ferreira

Reciclar objetos sonoros em (d)eficiência

Quem tem um filho com necessidades especiais, tem um desafio permanente a encontrar o que o desenvolve, relaxa e valoriza. Se estiver atento e desenvolver a criatividade, vai encontrar objetos, ferramentas, canções e timbres que tornam a criança mais feliz: ser criativo é uma forma de amar. António José Ferreira

RECICLO EFICIENTE

“Reciclo eficiente” valoriza a reutilização, um novo modo de utilizar objetos que, tendo potencial sonoro e pedagógico, iriam para o contentor do lixo. A reutilização não supõe neste caso trabalhos significativos de transformação no objeto sonoro mas que seja eficaz com pouco trabalho.

O mesmo objeto, nova utilidade

Além disso, há coisas que não são normalmente associadas à Música mas que podem ser utilizadas em Música Adaptada: bola, mesa, cesto de papéis, almofariz. Neste caso, trata-se apenas de utilizar o objeto com uma finalidade diferente da inicial e sem quaisquer custos. Existe à nossa volta uma grande quantidade de materiais que vão normalmente para o ecoponto e que podem ser interessantes fontes sonoras. Há que experimentar e descobrir onde o objeto tem mais potencial sonoro e com que baqueta, ou de que forma deve ser tocado.

Baldes

Há latas e baldes que são ótimos tambores com as baquetas certas: baldes ecoponto, latas de 20 litros de óleos da Shell (Rimula Super). Estes, embora não sejam fáceis de encontrar, contam com mais de 10 cores diferentes, o que permitirá espetáculos de percussão muito interessantes em termos visuais.

Bolas

Certas bolas com diferentes características poderão seduzir as crianças para brincadeiras e produzir novos timbres. Contribuem para melhorar a concentração, incrementar o gosto pela atividade musical, desenvolver a psicomotricidade. Música e atividade física tornam-se aliados no desenvolvimento de crianças com ou sem necessidades educativas especiais.

Copos

Tampas de plástico de certos detergentes para máquina de lavar roupa (Formil activo, por exemplo), servem muito bem para jogos rítmicos com copos. Outros copos gelado conseguem o mesmo efeito. Há crianças com deficiência que gostam de explorar sons de forma espontânea, ou de enfiar objetos uns nos outros.

Frascos

Recipientes de iogurte bastante ergonónicos podem ser utilizados como maracas, depois de devidamente lavados e secos, com a quantidade de arroz adequada. Crianças do ensino regular, com ou sem NEE, podem fazer experiências sonoras e jogos alterando o conteúdo: lentilhas, arroz, sementes de melão, melancia ou abóbora.

Os frascos de champô, creme de banho, ou iogurte, podem tornar-se pequenos tambores, com baquetas adequadas. Agarrando-se a parte que tem a tampa (frasco de Pantene Po-V 200 ml, por exemplo) e batendo de lado com baqueta de borracha produz-se um som interessante. Em muitos casos, as etiquetas de plástico saem facilmente, não sendo preciso demolhar. Na falta de melhor baqueta, certos pauzinhos finos curtos ou mesmo lápis, ou canetas gastas podem ser eficazes.

Recipientes com saliências são ótimos raspadores, como o de Soft Pink Bubble Bath, por exemplo, muito usado por cabeleireiras. Retire as etiquetas de plástico, que saem facilmente. É um raspador muito limpo, simples e eficaz. O frasco de chocolate para leite Toddy, também funciona do mesmo modo.

Reque de plástico

Reque de plástico

Tampas de detergentes de roupa podem juntar-se e formar marcas muito eficazes, seguras e coloridas, gastando apenas nesse trabalho um pouco de arroz ou bocadinhos de fio elétrico e cola superforte para as partes não se separarem.

Recipientes de plástico ColaCao ou Ovomaltine, substituindo a tampa por membrana de balão ou borracha. Ou então pode-se bater com baqueta adequada na beira em que a tampa roda, de frente. Se houver uma baqueta com extremidade de borracha (reciclada de uma câmara de ar, por exemplo), a mão esquerda pode agarrar a boca do recipiente e abri-la mais ou menos e fechá-la completamente percutindo com a mão esquerda. Com sensibilidade e prática pode-se tocar várias notas e fazer melodias.

Recipientes geométricos

Reúna um conjunto de recipientes em forma de sólido geométrico de plástico (esfera, oval, cilindro, paralelipípedo, cone, cubo). Têm excelente potencial para aplicar conhecimentos de Matemática e para fazer maracas bonitas e resistentes. Entre essas formas contam-se as esferas que saem de muitas máquinas que dão brinquedo ou chocolate quando se mete uma moeda. A junção de uma tampa de amaciador com outra de diâmetro ligeiramente menor combina cores e permite fazer facilmente maracas cilíndricas.

Tampas

As tampas de plástico, coloridas (com cerca de centímetros de diâmetro e de altura) podem ser utilizadas para batucar com os dedos (indicador, médio e polegar), tal como as tampas em forma de dedal que encontramos em detergentes da roupa. Estas podem ser utilizadas para bater uma contra outra, ou contra tampas maiores, produzindo-se por vezes sons semelhantes ao de pingos de água, ou de estalidos com a língua. Tampas de amaciador de roupa, tipo copo, podem ser ótimas para jogos rítmicos em cima da mesa ou exploração sonora no chão.

Cabos

O cabo de esfregona ou de vassoura (de madeira) que se partiu pode fazer de cajado (a utilizar em canção de pastor), de guarda-chuva (para cão sobre a chuva) ou de vassoura (para o Halloween). Canas de bambu, pauzinhos de diversos tipos que vão para o lume ou para o ecoponto podem dar origem a eficazes e belos instrumentos: clavas, paulitos, reques, chincalhos, baquetas.

pedras (litofones)

pedras de rio ou de mar que, em pares e conjuntos, podem produzir ritmos pequenas melodias. pedras pequenas (em registo agudo) são acessíveis à criança e à família. Encontram-se com frequência em praias fluviais e marinhas. Acresce que podem ser utilizadas para melhorar o desempenho de contagens, somas e subtrações com crianças portadoras de atraso e deficiência mental do ensino regular, ou em idade pré-escolar. A prática de utilizar litofones remonta à pré-história e continua como tradição musical em vários países (especialmente asiáticos), que aperfeiçoaram as técnicas de transformação e suporte. Na Península Ibérica há grupos folclóricos que utilizam pedras de rio à maneira de castanholas.

Metal

Um objeto metálico que – não sendo um risco para o seu filho – tem forma, cor, som e potencial pedagógico, pode tornar-se um instrumento para o desenvolvimento do seu filho. Guarde-o no seu baú de exploração musical.

Tubos

Tubos de diversos diâmetros que produzem, conforme o comprimento, sons mais graves ou mais agudos. Batendo o tubo, ou batendo com a mão na boca do tubo, ou utilizando uma baqueta de borracha (câmara de ar) podem obter-se resultados surpreendentes.

Objetos mecânicos

Há crianças com deficiência que gostam especialmente de objetos mecânicos ou brinquedos com botões que produzem determinado som quando a criança carrega num botão ou aciona manivela. Este tipo de brinquedo ou objeto sonoro promove o desenvolvimento psicomotor em crianças do Jardim de Infância e crianças do NEE.

Instrumento sonoro reutilizado

Instrumento sonoro reutilizado

António José Ferreira

Ser educado e atencioso

Em contexto de pandemia e para além dela, as atividades desta página em desenvolvimento podem ser feitas em casa com crianças portadoras de NEE, mas poderão ser utilizadas também em educação pré-escolar e mesmo no 1º e 2º anos de escolaridade em AEC.

A gentileza gera gentileza, cria bom ambiente, promove o bem-estar e contribui para a saúde mental. Ela é, por isso, muito importante para a boa convivência social. Saudar, dizer “bom dia” ou “boa tarde” de forma cordial, contribui para a felicidade, incluindo as crianças com necessidades especiais.

Na escola em contexto de UAEM, as rotinas dão previsibilidade e segurança. A música pode dar uma ótima ajuda nesse sentido, começando com uma “canção do olá” e terminando com a “canção do adeus”, por exemplo.

A família desempenha um papel insubstituível na assimilação de práticas de gentileza. Nesta atividade, o adulto nomeia e saúda a criança com voz e gesto e ela responde à saudação, na medida das suas possibilidades. Em famílias com crianças NEE, o toque, a brincadeira e o humor poderão ocupar um papel muito importante.

Saudação

Oiça em formato MIDI.

Bom dia, ó Joana,
é bom estarmos lado a lado!
Com a música, o dia
fica bem mais animado.

O adulto diz a quadra e tenta cantar com a melodia, ou dizer à maneira de poesia ritmada (RAP), com palmas, ou pés no chão, ou movendo ritmicamente a mão da criança. E improvisa ou utiliza outras rimas:

Bom dia, ó Gonçalo,
é bom ‘star à tua beira.
Hoje é dia de tocarmos
porque é segunda-feira.

Tratando-se de crianças que não falam, ou que têm um vocabulário muito reduzido, as expressões faciais do adulto, o desafio é maior. Proporcionará movimento, usará criativamente a voz, e usará contrastes e diversos andamentos. Quando a criança não bate palmas sozinha mas consegue percutir com uma das mãos, por exemplo, pode bater na palma do adulto ou num tupperware.

O dia da semana

Oiça em formato MIDI.

Há crianças que têm dificuldades em dizer ou não dizem mesmo o dia da semana. Adaptando-se às circunstâncias, o adulto canta depois de ouvir o MIDI. E brincam com o “Yeah”, que pode ser acompanhado de um gesto com a mão e de uma expressão facial.

É segunda-feira! Yeah!
Estou à tua beira! Yeah!
Hoje tenho música e danço,
depois vou p’ra a brincadeira. Yeah!

Esta é uma adaptação da canção de Boss AC, tendo em conta as características das crianças com necessidades especiais. Despois de cantar, as crianças podem dizer expressivamente o texto, se possível, ou realçar algumas palavras, como “yeah”, “música”, “danço”, “brincadeira”.

Ritmo com o corpo

Oiça em formato MIDI.

A adaptação de uma canção dos brasileiros Rionegro e Solimões nasceu da sugestão de uma criança em Unidade de Apoio Especializado à Multideficiência.

É na sola da bota,
é na palma da mão. (bis)
Põe na cara um sorriso,
diz adeus à solidão. (bis)

É na sola da bota,
é na palma da mão. (bis)
Faz do corpo um instrumento
que tem mais animação. (bis)

É na sola da bota,
é na palma da mão. (bis)
Pisca o olho e acena,
dá um abraço, amigão! (bis)

Professor e alunos realçam em cada estrofe o ritmo com o pé, as palmas, o sorriso, o adeus, o vir, o abraço.

António José Ferreira

Crianças acenando

Crianças acenando

Síndrome de Angelman

M. tem síndrome de Angelman. Não fala. No caminho para as sessões individuais, caminha bastante bem com a supervisão do professor. Ao longo do corredor há muitas portas e ela gostaria de entrar nas salas onde estão os colegas do ensino regular, mas o nosso destino é a sala de música.

A síndrome de Angelman (SA) é uma condição neuro-genética caracterizada por atraso no desenvolvimento, deficiência intelectual severa, ausência/dificuldade na linguagem e ataxia. Igualmente característicos são os distúrbios do sono e crises convulsivas acompanhadas por anomalias específicas do eletroencefalograma (EEG).

Sara Silva Santos, investigadora

Gosta de manusear objetos, de tirar e por, desenroscar e enroscar novamente. Explora diversos instrumentos de percussão. Quando lhe parece possível, tenta desmonta certos instrumentos e objetos sonoros.

Por vezes deixa cair, quando já não lhe interessa.

Ri-se com certas situações (meter o pé no triângulo, por exemplo) e conversas do professor.

Gosta de tocar piano, sentada ou em pé, dedilhando as teclas e explorando botões. Agarra a mão do professor para que ele também toque.

António José Ferreira

Criança com síndrome de Angelman ao teclado

Criança com síndrome de Angelman ao teclado

Síndrome CHARGE

O “Rui” foi diagnosticado com a síndrome CHARGE (Coloboma, Heart disease, Atresia choanae, Retarded growth and development, Genital anomalies, Ear anomalies).

CHARGE é uma doença rara que consiste na associação de características incomuns na criança: coloboma ocular, cardiopatia congénita, estenose das coanas, atraso do crescimento e/ou desenvolvimento, anomalias genitais e/ou urinárias, e anomalias dos pavilhões auriculares e surdez, uma doença rara e complexa.

O Rui não é autónomo na marcha, mas tem registado progressos a caminhar de mão dada. Já sobe dois vãos de escadas e percorre comigo um longo corredor em direção à sala de música, sem se deixar cair à espera que o leve ao colo. Não fala e produz um número de sons vocais que se contam pelos dedos de uma mão.

Já na sala, puxo uma cadeira e sento-o. Ele mantém-se sentado e eu coloco-lhe uma pulseira musical com velcro feita pela Sílvia Monteiro, especialmente pensada para crianças com mais limitações em termos de motricidade. Há crianças que gostam de a ter no pulso. Não é o caso do “Rui”: sabe como retirá-la e consegue fazê-lo rapidamente.

Apresento-lhe um reco-reco de plástico constituído por um frasco de espuma de banho (Soft Pink 500ml Avon) que me foi dado por uma cabeleireira. Limitei-me a lavá-lo e a tirar a etiqueta, que sai facilmente. As reentrâncias conferem-lhe um som agradável, melhor do que muitos reco-recos comprados. Além disso, é lavável, o que tem muitas vantagens, sobretudo em contexto de unidades de apoio na multideficiência. O “Rui” não quer raspar, mas agarra a minha mão e fá-la deslizar repetidamente pelo reque adaptado. Ao som de música instrumental, tocamos, à vez, por pouco tempo, para ele não se fartar.

O “Rui” também toca tambor, tamborim, com baqueta ou com as mãos. Toca também outros pequenos instrumentos de percussão, durante algum tempo, lançando-os ao chão quando a sua capacidade de permanência na atividade se esgota.

Há na sala um teclado, que é um dos seus instrumentos preferidos. Por vezes acompanha com sons vocais. Ainda antes de o ligar, já ele desliza a mão direita pelas teclas, produzindo sons que ninguém valorizaria. O piano acalma-o: permanece bastante tempo tocando e não se morde nem mete a mão à boca durante esse tempo.

A criança tem tendência para meter alguns instrumentos à boca, por vezes com a intenção de os tocar com as mãos. Tenho de estar atento para evitar que o faça por questões de higiene.

A criança gosta de dedilhar as cordas da guitarra clássica, colocada sobre a mesa na posição que é mais confortável para ele. Em simultâneo, utilizo uma das cordas mais graves como bordão enquanto faço improvisação vocal ou canto uma melodia infantil.

Em Música Adaptada, cada um toca de acordo com as suas capacidades.

António José Ferreira

Criança com Síndrome CHARGE

Criança com Síndrome CHARGE

Criança com Síndrome CHARGE

Criança com Síndrome CHARGE

Criança com Síndrome CHARGE

Criança com Síndrome CHARGE

Atraso com ataxia

Música e atraso de desenvolvimento global com ataxia

“O atraso global do desenvolvimento psicomotor (ADPM) é definido como um atraso significativo em várias domínios do desenvolvimento como sejam a motricidade fina e/ou grosseira, a linguagem, a cognição, as competências sociais e pessoais e as actividades da vida diária.” José Carlos Fereira

“A Ataxia caracteriza-se por perda de coordenação dos movimentos musculares voluntários, devido a uma disfunção neurológica subjacente a certas partes do cérebro, nomeada e principalmente ao cerebelo, à espinal medula e/ou aos nervos periféricos”.

A “Xana” tem 8 anos e apresenta atraso de desenvolvimento global com ataxia. Não anda sendo deslocada em cadeira de rodas. Praticamente não mexe a mão direita. Quando eu chego à sala, diz a única palavra do seu vocabulário: “Olá!”. Procura chamar a minha atenção, e insiste até que vá ter com ela.

Vai com o “Dinis” para a sessão de “Música Adaptada”, na sala de música. Pelo caminho, chama a atenção para os desenhos feitos na Unidade de Apoio Especializado à Multideficiência e pelas turmas do ensino regular. Gostam muito um do outro e mantêm uma enorme cumplicidade desde que estão na UAE. Ele adora empurrar a cadeira de rodas. É um bocadinho medroso e tem algum receio que a porta do elevador o aperte. Sou eu a puxá-lo impedindo que a porta se feche e ele fique do lado de fora. A menina ri-se muito de o colega ter medo. O Dinis aproveita para lhe dar beijinhos na cabeça e na bochecha.

Na sala, dou uma maraca, reutilizada mas eficaz e adaptada, a cada um. A Xana aponta o colega para se queixar de que ele não toca o instrumento. Às vezes, dá-lhe o seu instrumento; outras vezes quer o dele. Ele é o brincalhão, ela é a responsável.

Dou um círculo mágico a cada um, uma tampa de plástico que tem diversas finalidades, como instrumento e objeto lúdico. Ela recorda a canção:

“Béu, béu, vai ao céu,
Vai buscar o meu chapéu.

É uma atividade que fazemos por vezes com a turma. Ela lembra-se, e toma a iniciativa de a colocar na cabeça. Depois segura com a direita e move com esquerda, recordando a canção “Sabes, eu comprei um carro novo”. Nesta dinâmica pedagógica as crianças simulam um volante e conduzem com regras na sala. Lembra-se ainda a máscara e o leque abanando a tampa em frente do rosto.

Tenho uma maraca constituída por um boião de Nivea lavado a que retirei a etiqueta. Cheiro e dou-lho. Ela leva também ao nariz para cheirar e quer que o Dinis também cheire.O Dinis tenta agarrá-la, mas ela segura com a mão esquerda.

Gosta que lhe coloque uma guizeira de pulso e outras pulseiras musicais adaptadas feita pela professora Sílvia Monteiro.

Ri-se de feliz que está, e vaidosa pela sua pulseira colorida.

Gosta de me agarrar a mão e de ser elogiada por tocar bem. Para responder não a uma pergunta, mexe a mão esquerda. E é também com ela que diz “adeus”.

Revela um empenho extraordinário em imitar o professor e tocar todos os instrumentos apresentados em sessão individual ou em grupo. Toca com interesse uma grande diversidade de instrumentos e gosta de dedilhar ao piano.

Procura imitar diversos gestos musicais do professor, faz de conta, e brinca às escondidas com tamborim. Aproxima certos instrumentos do ouvido para escutar melhor. Simula susto e ri-se quando produz sons fortes, sabendo que eu vou dizer: “Ai que barulho!”.

Descobre como certos instrumentos funcionam e utiliza-os de acordo as limitações das mãos.

Percute clavas sozinha e sabe que tubos de cana de bambu soam soprando, embora não consiga produzir som.

António José Ferreira

Criança portadora de atraso com ataxia

Criança portadora de atraso com ataxia

Microcefalia vera

Microcefalia (do grego micrón, pequeno + céphalon, cabeça) é uma condição neurológica em que o tamanho da cabeça e/ou seu perímetro cefálico occipito-frontal (OFC) é dois ou mais desvios padrão abaixo da média para a idade e sexo. Wikipédia

Amaurose é a perda da visão parcial ou total, o termo técnico para denominar cegueira. Pode acometer um olho (unilateral) ou os dois olhos (bilateral), pode desenvolver-se ao longo dos anos, de forma rápida em alguns dias ou de forma súbita em poucas horas.

Fonte: Médico Responde

Música e microcefalia vera e amaurose parcial

Diagnosticada com “microcefalia vera” e amaurose parcial, a “Alda” vai comigo da sala da Unidade de Apoio Especializado (UAE*) para a sala de música. Tem défice de visão mas caminha sozinha, embora eu tenha cuidados com ela, sobretudo ao subir escadas.

Ao longo do percurso de um longo corredor, vai conservando. Não entendo certas palavras que ela diz porque ela mexe pouco os lábios e troca alguns sons. Fala também com as auxiliares que encontra e que identifica, por vezes, só pelo ouvido.

Gosta de dar beijinhos e, quando passa em frente da professora “Iva”, como a porta está aberta, quer entrar. A turma está a dar Matemática e eu receio que a interrupção perturbe a aula. É muito carinhosa e insistente. Isso joga a favor dela, porque a professora chama-a e abraçam-se com força. Mas não podemos demorar que o tempo da sessão é escasso.

Já na sala, eu tiro da mala a bateria digital que, além de sons de bateria e outras percussões, tem uma “caixa” de 50 instrumentais de diferentes géneros. Eu posso calar elementos de ritmo ou harmonia e alterar o andamento, tocando outro instrumento. Além disso, o aluno pode tocar com duas baquetas, como numa bateria. Sobre os instrumentais gravados faço improvisação vocal e crio canções para diversos momentos.

Cantamos uma canção de bom dia e acrescentamos nomes de pessoas que ela saúda todos os dias, em casa e na escola. A “Alda” recorda muitas vezes a “Sónia”, a mana bebé a quem ela gosta de cantar:

Come a papa,
come a papa,
ó “Sónia”!
Come, come a papa!
Come, come a papa,
ó “Sónia!”

Para melhorar a sua capacidade de expressão e facilitar a comunicação com os outros, enriquecemos a canção com outras frases baseadas nas suas vivências, como “Bebe o leite”.

Entretanto, ela conta que foi ao médico e acabo por criar uma pequena canção. Passo a ser o médico e ela a doente:

Olá, bom dia,
Ó senhor doutor!
Veja o meu ouvido!
Tenho uma dor!

Trocamos “ouvido” por outras partes do corpo, por ordem descendente, para mais facilmente eu me lembrar. Está decidido que a nova canção vai ser cantada na sessão conjunta com as crianças da turma a que pertence a “Alda”. Na atividade de grupo com as crianças da sala de apoio à aprendizagem e a turma, as crianças vão-se organizar em pares. Uma será o médico, outra o paciente. Ora se canta, ora se faz de conta e mudam-se os papéis porque, em algum momento, todos somos doentes.

Ela gosta muito de ver outras crianças na sala do CAA, especialmente da “Bela”, e adora almoçar com ela na cantina. A amiga também tem necessidades de aprendizagem. É desta conversa sobre a “Bela” que nasce outra pequenina canção:

Quando a “Bela” chegar
E o casaco pendurar,
Comigo vai brincar
E depois almoçar,
Connosco!

– Com quem?

E ela gosta de repetir, rindo-se, “Connosco!”.

A “Alda” memoriza e pede certas canções na sessão seguinte, ou começa mesmo a cantar. Já não se limita a cantar “Pingo Doce! Venham cá!”, a que nós acrescentámos todas as superfícies comerciais que conhece.

O professor faz piadas com música a partir de coisas que ela diz. Ela dá gargalhadas com gozo e o seu repertório vai-se alargando, todas as semanas.

*UAE – Unidade de Apoio Especializado para a Educação a Alunos com Multideficiência e Surdocegueira Congénita

António José Ferreira

Criança tocando sinos de dedo

Criança tocando sinos de dedo

Deficiência mental

Música e deficiência mental moderada-grave

Crónicas de Música Adaptada

Muito agitada na sala de aula, a “Tina” que tem deficiência mental moderada-grave, começou a ter “Oficina dos Sons Adaptada”. É prestável e quer ajudar-me a levar uma pequena mochila com instrumentos adaptados, que acaba por deixar cair. E pede desculpa.

Entramos na sala onde vão decorrer as sessões ao longo do ano. Ela fica muito curiosa sobre o que há na mala e na mochila.

Canta uma canção que eu desconheço, “A linda Rosa juvenil”. Só canta o primeiro verso.

Começamos uma atividade com pandeiro e ela interrompe: “Para”. Eu digo: “Não, agora é a minha vez de tocar”. Depois toca maracas coloridas a acompanhar música instrumental. Tem pouca permanência na atividade, e volta a cantar dançando “A linda Rosa juvenil”. Eu digo que desta vez trago internet e prometo que às 14:10 lhe mostro a canção no telemóvel.

Coloco-lhe duas pulseiras musicais feitas pela Sílvia Monteiro e ela sente-se ainda mais feliz a dançar e fica com as pulseiras até ao fim da sessão. Eu cumpro a promessa de lhe mostrar o vídeo e fico a conhecer a tão citada canção.

Ela canta vários versos e eu já posso ajudá-la um pouco mais a partir do que ela gosta. Assim se vai negociando e gerindo o tempo para que ela aprenda e se sinta bem com música.

A linda Rosa juvenil, juvenil, juvenil.
A linda Rosa juvenil, juvenil.

Vivia alegre no seu lar, no seu lar, no seu lar.
Vivia alegre no seu lar, no seu lar.

Um dia veio a bruxa má, bruxa má, bruxa má.
Um dia veio a bruxa má, bruxa má.

Adormeceu a Rosa assim. Foi assim, foi assim.
Adormeceu a Rosa assim. Foi assim.

O tempo passou a correr, a correr, a correr.
O tempo passou a correr, a correr.

O mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor.
O mato cresceu ao redor, ao redor.

Um dia veio um belo rei, belo rei, belo rei.
Um dia veio um belo rei, belo rei.

E despertou a Rosa assim, foi assim, foi assim.
E despertou a Rosa assim, foi assim.

Puseram-se eles dançar, a dançar, a dançar.
Puseram-se eles dançar, a dançar.

Batemos palmas ao casal, ao casal, ao casal.
Batemos palmas ao casal, ao casal, ao casal.

[ Esta canção infantil tradicional do Brasil está na internet. Foram feitas algumas alterações ao texto que me pareceram convenientes. A estória pode ser cantada e representada na sala de aula, com as personagens referidas (Rosa, bruxa, rei) ].

Criança com deficiência mental cantando

Criança com deficiência mental cantando

Música e défice de atenção

O défice de atenção corresponde à ocorrência de períodos de atenção escassos ou breves e uma impulsividade exagerada para a idade. Este défice pode associar-se ou não à hiperatividade. Embora seja mais comum nas crianças, pode também afetar os adultos.
CUF

Crónicas de Música Adaptada

Sessão 1

O Micael é uma criança com défice de atenção, imaturidade psicoafectiva e dificuldades relacionadas com os processos de leitura e escrita. Eu espero-o na sala destinada pela escola às sessões de Música Adaptada. Em cima de uma mesa, há copos e um bolo de aniversário ornamentado com uma baliza e uma bola de futebol, sinais de que vai haver festa.

Eu retiro da mala um instrumento digital e coloco-o numa das mesas. O Micael senta-se e olha um instrumento que não conhecia. Digo-lhe que é uma bateria digital e apresento-lhe funções que poderá utilizar: escolher diferentes percussões, percutir com baquetas, selecionar padrões rítmico-harmónicos com os botões para baixo ou para cima. Peço-lhe que selecione o padrão 2, com que vamos cantar a canção de boa tarde.

Eu canto uma vez, ao som da música instrumental:

“Olá, boa tarde,
Olá meu amigo!
Vamos lá cantar,
Depois vou jogar contigo!”

Ele diz-me que o “Carlos” é o seu amigo preferido porque joga à bola com ele. E cantamos como se o colega estivesse presente. Eu pergunto-lhe se tem outros amigos e ele vai dizendo, e nós cantamos aos amigos e à amizade.

Peço-lhe que selecione o padrão 3, que ele faz sem dificuldade. A professora titular disseram-me que ele é melhor a Matemática do que a Português. Como sei que ele gosta de jogar à bola, cantamos, sobre o instrumental selecionado:

Dá-me,
dá-me uma bola,
P’ra jogar na escola,
P’ra jogar na escola.

Lanço-lhe uma bola de peluche que ele apanha. Recebe e passa com precisão e satisfação. E ganha-me, porque, entretanto, deixo a bola cair ao chão.

Fazemos alterações no texto:

Quero uma bola nova… ou: Eu já tenho uma bola…

Ele canta de forma tímida mas apercebo-me de tem uma afinação acima da média e elogio-o. Ele fica contente. O reforço positivo é especialmente importante neste caso, porque o aluno tem baixa autoestima, de acordo com informação da professora titular.

Quase a terminar a sessão, aparece a professora de 1º e 2º anos com a sua turma para celebrar os anos do Rafael. A turma do Micael também é convidada. Enquanto não chega, aprendemos uma canção de parabéns original. O aniversariante toca um tambor da marca Remo que eu lhe empresto, e o Micael toca maraca.

Com todas as crianças reunidas, cantamos a canção de parabéns original:

Vamos lá cantar,
Vamos festejar.
Ao nosso amigo Rafa
Um abraço vamos dar.
Parabéns, parabéns!
Ao nosso amigo Rafa
Um abraço vamos dar!
Oh Yeah!
Um abraço!

Eu pergunto às crianças:

– Que podemos dar-lhe além de um abraço?

– Uma prenda – responde alguém.

E continuamos cantando cumulativamente com:

abraço
prenda
beijinho!

Oh yeah! Mais uma vez!

– Tiveste sorte, Rafa… Até tiveste animação de graça! Agradece ao professor.

Eu realço:

– Agradece antes ao Mica. A ele o deves!

E ele diz “obrigado” ao amigo.

Sessão 2

Na semana seguinte, como habitualmente, o Micael entra na sala a sorrir. Fala pouco e baixo. Começamos com a canção de saudação da semana anterior. Ele marca a pulsação com duas baquetas, alternadamente, na bateria digital.

Diz-me nomes de amigos, que acompanhamos com ritmo: “Carlos” (tá tá), Manuel (titi tá) e Gonçalo (ti tá ti).

Em seguida, digo a frase, “Toca tu” e ele reproduz o meu padrão rítmico. Trocamos de posições: ele diz e eu toco. Eu toco um padrão mais difícil: “Toca, toca, toca tu”. Ele reproduz; trocamos novamente de posições.

Eu tenho uma arena de plástico (tampa reutilizada de balde de azeitonas). Dizemos e cantamos:

Roda a bola,
Roda, rola,
Numa arena
Da escola.

Depois, ele faz a bola rodar. Mostro-lhe o cronómetro do telemóvel. Ele começa a rodar a bola, no sentido dos ponteiros do relógio. Mostro-lhe o tempo no visor e ele identifica os números: 2’53’’23’’’. Minutos depois ainda se lembra dos minutos, segundos e centésimos de segundo.

Com um pássaro de peluche, cantamos:

Tem coragem passarinho,
Salta agora de teu ninho.

Contamos 10 pés. Ele ao princípio não consegue, mas aprende rapidamente. E consegue receber o pássaro e lançá-lo com precisão, 10, 15, 20 e 25 pés.

Fazemos mais um jogo:

Jogo à bola,
Passo a bola
Aos colegas
Da escola.

Sentamo-nos nos lados menores de uma mesa, passando uma bola, como se fosse um jogo de baliza a baliza. Ele joga passa com precisão e o jogo termina empatado a 0. Depois jogamos com uma bola um pouco maior e ela ganha 3-0 ao professor.

Encontramo-nos para a terceira sessão. A forma de saudar preferida do “Micael” é sorrir. Procuramos melhorar a capacidade de expressão e comunicação com canções e dinâmicas que ele adora e que o levam de forma natural a falar melhor e mais alto.

Entretanto, chega a professora “Adélia”, titular de uma das turmas da escola. Fico a saber que o Micael se esqueceu de dar um recado. Ela adorou a animação ocasional pelo aniversário do seu aluno. Como os alunos não são muitos, as duas professoras titulares desejam que eu faça uma sessão com todos. Tenho a intuição de que a atividade desenvolverá no Micael competências de integração em equipa e lhe dará confiança e autoestima. Para isso, realizamos algumas dinâmicas que serão postas em prática com o grande grupo.

Voltamos à brincadeira cantada do “Passarinho”. O jogo vai-se tornando mais difícil com distâncias maiores, mas isso é um estímulo à coordenação motora da criança, à sua autonomia e capacidade de cantar mais forte. Além dos jogos já realizados que repetimos para avivar a memória e desenvolver técnicas, fazemos um jogo em que ele próprio liga e para o cronómetro, passando uma pequena bola que nos permite somar de dois em dois, sem deixar a bola cair ao chão, até 20, primeiro em 16 segundos até chegarmos aos 10 segundos, após alguma prática.

António José Ferreira

Tambores de balde reutilizado

tambores de balde reutilizado