Recursos musicais de apoio a técnicos e famílias de crianças portadoras de necessidades educativas especiais

Jogo do burrinho
Breves crónicas de sessões com crianças

Cantiga de amigos

No início da sessão, coloco a bateria digital Yamaha em cima da mesa. Um dos dois alunos liga-a. Peço-lhe para ligar o padrão nº 2 sobre o qual foi escrita uma canção de saudação criativa e personalizável:

Olá, bom dia!
Olá, meu amigo.
Vamos lá cantar,
depois vou lanchar contigo.

Praticamos de modo a entrarem a tempo e a cantarem de cor. Um vai tocar bateria com duas baquetas. O outro tocará bloco de dois sons e cantará. O primeiro faz a apresentação da banda, para a qual arranjou um nome (Go Power). Apresenta o espetáculo e o tema da canção que intitula “Amigos para sempre”. Dirige-se a uma Plateia imaginária onde vê os colegas da turma e os familiares. Eu filmo com o telemóvel sem focar os rostos. Depois os alunos trocam os papéis. A interpretação não sai perfeita, nem no que diz respeito à afinação nem relativamente ao tempo nos instrumentos. Mas a atividade, sendo gravada, vai ajudar a medir a evolução e autonomia de cada um. Em vez de “Olá, bom dia!”, pode-se cantar “Olá, David”, e mudar ações:

Olá, Roberto!
Olá, meu amigo!
Vamos lá tocar.
Depois vou jogar contigo!

Com a orientação do professor, os alunos podem mudar para um andamento mais lento ou mais rápido, selecionando os botões que existem para esse efeito.

A dinâmica é eficaz para desenvolver competências na relação com o outro, na concentração e memória, na audição, canto, percussão e valorização da autoestima.

Bateria digital e bloco de dois sons

Bateria digital e bloco de dois sons

Com o corpo

No balde dos materiais que levo para a sessão de Oficina de Música Adaptada, um aluno vê o “burrinho”, uma pequena tábua sobre a qual se colocam pauzinhos sem deixar tocar na mesa. Alteramos as regras do jogo para ajudar as crianças a assimilarem os sistemas do corpo humano que já estudaram. Cada jogador deve colocar um pauzinho dizendo uma parte do corpo, sem se repetir.

No início da jogada, canta-se com melodia simples:

Com o corpo danço,
jogo, escrevo e pinto.
Com o corpo digo
o que sou e sinto.

Vencedor é o par se ambos os jogadores disserem órgãos do corpo livrando-se de toda a carga, sem derrubar nenhuma peça.

Jogo do burrinho

Jogo do burrinho

Enquanto supervisiona o jogo, o professor marca o passar do tempo com bloco de dois sons que lembra o tique-taque do relógio.

Passo e digo

Sentados um a cada ponta de uma mesa retangular, dois alunos passam uma pequena bola ao colega no lado contrário. Cada um deve dizer um instrumento musical tendo para isso 5 segundos apenas. O máximo do par é o máximo da soma de cada um, pelo que as duas crianças devem afinar estratégias para chegar o mais longe possível, assimilando conteúdos do currículo na forma de um jogo. Em vez de instrumentos musicais, pode-se dizer animais, plantas, cidades, rios, órgãos do corpo humano. A dinâmica de passagem da vez pode fazer-se também com uma bola de basquetebol em passe picado ou passagem de um peluche. Assim se promove o desenvolvimento da criança nos domínios cognitivo, afetivo e psicomotor.

05 de fevereiro de 2024

Áudio da sessão

Utilizando instrumentos que há na sala, as duas irmãs gêmeas exploram sonoridades e tocam de acordo com indicações do professor, que insiste em que não batam com força. As alunas são pouco cuidadosas com os instrumentos tocando por vezes de maneiras que os podem danificar. A Joana coloca os pandeiros de três tamanhos diferentes uns sobre os outros pensando num bolo de camadas. A Bia  encaixa as pandeiretas com soalhas umas nas outras. Conhecem poucos instrumentos, reduzindo-se praticamente o seu conhecimento ao tambor, nome genérico que utilizam para pandeireta, pandeiro e a própria bateria digital. A Joana coloca os pequenos pratos de choque na face e diz: “Stá fio.” Com o telemóvel gravo o áudio com as crianças a tocar os instrumentos dispostos sobre a mesa e depois apresento o som às crianças. A ferramenta pode tornar-se muito importante, como evidência de atividades e da evolução dos alunos.

Fazemos em seguida um jogo de passagem de bola para cada uma dizer alimentos. Mesmo nesta área vocabular lembram-se de poucas palavras e dizem-nas muitas vezes de forma errada e difícil de compreender. A Bia, que se levanta e se distrai mais com os objetos da sala, pede para tocar bateria digital. A irmã diz que está cansada e fica sentada a tocar pandeiro acompanhando a irmã na bateria.

A terminar a sessão, utilizo um balde de maracas multissensoriais, reutilizadas de diversos desodorizantes roll-on. Elas desapertam as tampas das 20 maracas, que têm massinhas ou arroz, cheiram, e dizem se cheira bem ou mal. No fim colocam grãos caídos sobre a mesa e emparelham as tampas com os recipientes.

Delfim e as canções tradicionais

Chego à sua sala da Pré, cumprimento e o Delfim agarra-me a mão arrastando-me para a sala onde vai decorrer a sessão. Eu digo-lhe “Bom dia! e ele responde à saudação. Começamos por testar e aumentar os seus conhecimentos sobre animais. Ele refere o dinossauro, a girafa, o elefante, o lobo, o rinoceronte, o gorila, hipopótamo, zebra, o pinguim, a abelha, o cão, a vaca, o cavalo; a leoa e a porca (distinguindas-a do macho). Quando vê o caranguejo canta “Caranguejo não é peixe”.  De vez em quando, põe-se a cantarolar. Coloca os animais na respetiva caixa para passarmos à atividade seguinte. Por vezes distrai-se com algumas coisas que vê na sala.

Depois eu coloco um instrumento sobre a mesa. El pede: “mais música”. Eu digo-lhe que é melhor dizer “mais instrumentos”, e da vez seguinte ele já pede mais instrumentos. Quando coloco os pratos de choque sobre a mesa diz “pratos” e entrechoca-os. Coloco uma maraca em forma de coca-cola de plástico mas ele sabe que também funciona como apito, coisa que eu desconhecia. Tocamos maraca enquanto canto, para ver se conhece, “As pombinhas da Catrina. Ele canta a canção. Identifica o “tiângulo” e canta “Oliveirinha da serra”. Eu coloco, cantando com duas notas “mais um”, e ele repete com afinação, e depois com outras notas. Finalmente vê e pede berlindes, que colocamos em duas tampas circulares para rolar e produzir sons. Às tantas começa a contar em Inglês: “One, and two, and three.”

Volto com ele à sala e recolho o balde de maracas feitas de diversos desodorizantes que tinha deixado à educadora para exploração: a reciclagem enquadra-se nas práticas pedagógicas da educadora.

Balança mas não cai

Balança mas não cai,
mas não cai, não cai.
Balança mas não cai,
mas não cai. Ou cai?

Com os pés fixos ao chão como se fosse tronco de árvore, uma criança põe os braços como se fossem ramos. A outra fará de vento movendo-se e abrindo os dedos em direção ao colega, que pode mexer os braços/ramos mas não os pés. Se mexer os pés, perde a jogada.

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Dança Circular

cantigas E BRINCADEIRAS DE RODA

por Benita Michahelles (Brasil)

Monografia apresentada ao Curso de Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música sob a orientação de Marly Chagas.

Cantar, dançar, sentir, pensar, compartilhar, transformar… Quantos não são os movimentos vitais contidos nas cirandas infantis? E logo: quantos não são os motivos que as tornam valiosos elementos terapêuticos também? São diversas as razões que justificam a sua força e reincidência na Musicoterapia.

Primeiramente, devemos ressaltar que elas integram o conjunto das manifestações musicais do folclore – o que por si só já lhes confere um caráter de autenticidade e simplicidade, além de um grande poder de comunicação e uma ressonância imediata no espírito das gentes que as ouvem, praticam e recriam.

Há uma alta expressão simbólica da marcha descrevendo um círculo, que participa há milénios da liturgia popular de quase todo o mundo. Constituindo-se como formações circulares dançadas e cantadas, as brincadeiras-de-roda podem ser consideradas “mandalas vivas”.

Isto significa que, ao cantar e brincar de roda cada participante pode viver e compartilhar com os demais da experiência de “estruturar o que ocorre na psique”; “representar a junção de opostos aparentemente incompatíveis”; “expressar a ideia de refúgio seguro e de reconciliação interior”; “compensar a desordem e a confusão psíquicas”, num clima de “concentração e de meditação”.

Também já uma mera procura ou tentativa espontânea de cantar ou ouvir uma cantiga-de-roda, ou de formar a brincadeira propriamente estaria indicando a necessidade de viver estes aspetos mandalares, constituindo-se como um movimento compensatório e instintivo de grande valor terapêutico.

As cantigas e brincadeiras-de-roda têm as suas raízes nas relações primárias do desenvolvimento humano. Do ponto de vista musical, a simplicidade e a especificidade dos seus caminhos rítmicos e melódicos refletem os traços bio-psico-musicais típicos da etapa infantil.

Brincar à roda constitui como uma atividade que dá prazer e integra harmoniosamente as linguagens sonora, corporal e verbal. Assim, música, corpo, emoção e pensamento atuam conjuntamente, impulsionando-se entre si e possibilitando a ampliação da própria expressão. Emergem personagens e tramas que são vividos pelos participantes do seu interior, num processo dinâmico que implica num constante relacionar-se com os próprios conteúdos, elaborá-los e ressignificá-los.

Qual seria então o papel do musicoterapeuta diante de tudo isto?
Acredito que, em primeiro lugar, a própria consciência da riqueza dos recursos que ele tem disponíveis como instrumentos de trabalho. Não para se instaurar a obrigatoriedade do uso das cantigas e brincadeiras-de-roda, não para utilizá-las de maneira impositiva ou didática, muito menos como uma muleta nos procedimentos em sessão.

Mas sim, para poder lançar mão delas, (ou mesmo para poder recebê-las quando trazidas espontaneamente por seus clientes) nos momentos exatos em que podem ser verdadeiramente frutíferas enquanto objeto terapêutico. Sejam como pontes cliente-terapeuta, sejam como estímulos ao movimento ou a expressão corporal e vocal, sejam como mobilizadoras do contacto com sentimentos guardados, sejam como viabilizadoras do contacto prazeroso com o outro, sejam para propiciar um clima de concentração e de reconciliação interior… ou simplesmente pela alegria de cantar e de brincar em conjunto. As possibilidades são múltiplas e não terminam por aí. Devem, cada vez, ser reinventadas…

Alçando vôos para além dos settings de Musicoterapia, não nos esqueçamos da importância da atuação dos musicoterapeutas em reavivar estas manifestações lúdico-musicais nas escolas, nas instituições de forma geral, em encontros interdisciplinares e na própria comunidade. Esta certamente constitui-se como uma contribuição para a efetivação da política preventiva na área da saúde.

Por fim, gostaria de lembrar, que como facilitadores destes legados culturais, estamos também a contribuir para a recostura de um processo a nível social. Fazendo pontes e replantando sementes que, em forma de som, movimentos e símbolos, religam gerações e, sempre novamente, fecundam a vida subjetiva.

Dança Circular

Dança Circular

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Criança com síndrome de Down

SÍNDROME DE DOWN E MUSICOTERAPIA

por Maria Inês Couto Augusto (Brasil)

As possibilidades de estimulação de portadores da síndrome de Down em Musicoterapia

RESUMO

Esta monografia tem por objetivo um aprofundamento teórico sobre a estimulação de pessoas portadoras de síndrome de Down. Descrevem-se, nela, os conceitos de estimulação e analisa-se o trabalho em musicoterapia através de entrevistas com profissionais experientes neste campo. Foram levantadas diversas possibilidades técnicas de utilização da estimulação em musicoterapia.

INTRODUÇÃO

Decidi estudar o trabalho de estimulação de crianças portadoras da síndrome de Down pela musicoterapia por estar pessoalmente envolvida com estas crianças especiais e ter pouco conhecimento sobre todas as patologias que as envolvem. Queria, através desta investigação, saber mais sobre elas, para poder trabalhar melhor, de forma mais correta e, deste modo, poder ajudá-las com os seus problemas.

Assim, a escolha do tema foi uma oportunidade para aprofundar mais os meus conhecimentos e procurar as bases teóricas e técnicas para desenvolver o trabalho de estimulação de crianças portadoras da síndrome de Down.

Essa atividade é constituída por um conjunto de técnicas que devem ser aprendidas pelos pais para que possam dar continuidade ao trabalho em casa.

Apesar existirem inúmeras iniciativas nesse campo, poucas referências bibliográficas sobre o assunto foram encontradas. Por isto, esta pesquisa é fundamentada em referências bibliográficas (principalmente Lefèvre, 1981) e também em entrevistas, realizadas com musicoterapeutas, escolhidos pelo seu trabalho com pacientes desta área.

Partindo das experiências profissionais relatadas nas gravações, foi feita a formalização de diversas possibilidades técnicas de estimulação à criança portadora de síndrome de Down.

No início do trabalho abordarei o Down de uma forma geral, desde o momento de seu nascimento até à idade adulta. Na parte dois, passarei à estimulação essencial, em todos os estágios do desenvolvimento do portador Down, e também nas diferentes modalidades de estimulação, como as de funções motoras, sensoriais, da fala, da inteligência e atenção.

Na parte três, a estimulação musicoterápica do portador será formalizada nas possibilidades técnicas, sistematizadas a partir das entrevistas com musicoterapeutas que trabalham com pacientes desta área.

1 — A SÍNDROME DE DOWN

1.1 — CARACTERÍSTICAS

A síndrome de Down ou Trissomia 21 resulta de um distúrbio da divisão dos cromossomas que influencia regularmente a formação do corpo das crianças afetadas. Explica-se, assim, por que as crianças Down possuem tantas características em comum e até são um pouco parecidas entre si. Estas características são geralmente típicas e, por isto, desde o nascimento, as dúvidas quanto ao diagnóstico das crianças com síndrome de Down são mínimas.

Algumas delas apresentam outras características, porém possuem muitas ou todas as típicas. Como características mais marcantes vamos encontrar: na boca, dentes pequenos, língua sulcada e protusa (para fora da boca); abertura das pálpebras inclinada, com a parte externa mais elevada, e uma prega no canto interno dos olhos; mãos grossas e curtas, com dedo mínimo arqueado e prega palmar única, incluindo os quatro dedos maiores; dedos dos pés com disposição semelhante à do polegar e do indicador da mão normal; rebaixamento intelectual e estatura baixa; cardiopatias em quarenta por cento dos portadores; hipotonia (moleza e flexibilidade exageradas) nos músculos e articulações; retardo variável no desenvolvimento psicomotor.

Para o diagnóstico, Lefèvre (1981) destaca do quadro clínico geral o aspecto da face, a hipotonia, as mãos e um retardo variável no desenvolvimento psicomotor.

1.2 — NASCE UM BEBÉ PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN

Ao nascer um bebé Down, a síndrome de que é portador é facilmente reconhecida pelas características marcantes já mencionadas. Por isto, desde os primeiros instantes de vida, esta criança coloca os seus pais diante de um problema que não pode ser resolvido e que precisará de ser aceite, o que provoca diferentes reações, como estado de ansiedade aguda, profunda tristeza, confusão mental ou enorme revolta contra o mundo. Estes sentimentos quase sempre vêm acompanhados de uma certa rejeição, o que completa a descrição de um quadro de muito sofrimento e insegurança.

O momento de transmitir aos pais a notícia de que tiveram um bebé portador da síndrome de Down é, por tudo o que já foi exposto, muito especial. Muitas queixas têm sido feitas pelos pais destes bebés a respeito dessa comunicação. Frequentemente, nessa ocasião, voltam-se agressivamente contra os portadores da notícia.

O senhor Francisco de Assis O. da Cruz e sua esposa, Regina Celi de Souza Fernandes da Cruz, são pais de Tiago Fernandes Oliveira da Cruz, que atualmente tem oito anos e é uma criança portadora da síndrome de Down. O casal foi vítima desta má forma de comunicação compreende que não se trata de uma tarefa fácil, já que mexe com emoções intensas. Eles conhecem esta dor bem de perto, no fundo da alma: o amor por um filho. O senhor Francisco conseguiu transformar a sua dor e revolta em um bem para a comunidade ao idealizar e fundar o Projeto Rio Down, que tem como finalidade “dar boas-vindas” a bebés Down. O projeto tem sempre alguém disponível para conversar e visitar os familiares dos bebés recém-nascidos ou recém diagnosticados. Os seus membros acreditam poder trazer a notícia até estes casais com mais amor, maior franqueza e algumas perspetivas de futuro, tão importantes e necessárias no momento da notícia .

Parafraseando Lefèvre (1981), devemos estar atentos à ternura que esta criança pode fazer nascer à sua volta. Este bebé vai sorrir para a mãe, estender os seus bracinhos quando ela o convidar para o seu colo, vai agarrar-se a ela quando pedir proteção. Vai abraçar com carinho a mãe, o amiguinho ou a boneca. Esse bebé vai desenvolver-se lentamente, sendo muito mais dependente que os outros no seu desenvolvimento, mas passará pelos mesmos caminhos, semelhantes aos das outras crianças.

1.3 – O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DOWN

Ao observar com atenção esta criança, veremos que o seu desenvolvimento é bem mais lento que o do bebé normal; porém, apesar de mais dependente, este bebé estará, também, trilhando no seu dia-a-dia, ainda que bem mais devagar que uma criança com desenvolvimento normal, as diversas fases e etapas do seu desenvolvimento.

Devido ao amadurecimento constante do seu Sistema Nervoso Central (Lefévre A., 1981), esta criança desenvolver-se-á diariamente e, mesmo que este caminhar seja bem mais vagaroso, evoluirá claramente em inteligência e habilidades até à idade adulta. Apesar de o desenvolvimento lento ser comum em todas as crianças Down, existem diferenças marcantes entre elas: cada uma terá as suas graças, a sua maneira de ser, de brincar, de se comunicar e também o seu tempo de aprendizagem, ficando a nosso encargo perceber a hora e a forma mais carinhosa de nos aproximarmos dela.

1.4 — A CRIANÇA DOWN EM IDADE ESCOLAR

Quando a criança Down se torna mais independente, conseguindo comunicar, andar bem e integrar-se num grupo, está pronta para frequentar uma escola. Em alguns casos, isto pode acontecer entre três e quatro anos, em outros um pouco depois. Os pais devem estar seguros de que uma turma, mesmo com crianças mais novas do que ela, só lhe fará bem. A partir dessa mudança, o seu desempenho linguístico e a sua independência nas atividades da vida diária terão grandes progressos. Notamos um benefício significativo para as que puderam participar de uma turma totalmente normal no início da sua aprendizagem, especialmente no Jardim de Infância. A realidade mostrou que, apesar de lento, o progresso das crianças foi evidente.

Aprendizagem e desenvolvimento não entram em contacto pela primeira vez na idade escolar (…), mas estão ligados entre si desde os primeiros dias de vida da criança. (Lev Vygotsky, 1988).

1.5 — O ADOLESCENTE DOWN E A SEXUALIDADE

A compreensão do adolescente Down sobre o sexo é muito importante para a sua evolução, pois a sexualidade destes portadores ainda é motivo de preocupação para alguns e um tema pouco explorado para outros, talvez pelo fato de se ignorar ou de se considerar inexistente a sexualidade nestes indivíduos.

Diálogos esclarecedores sobre namoro e sexo, geralmente já difíceis entre pais e filhos, nesses casos são inexistentes.

A frequente atribuição de uma natureza assexuada ao deficiente mental resulta da visão deste indivíduo como sendo um ser incompleto. Mesmo que a deficiência se anteponha à possibilidade de desenvolvimento pleno destes indivíduos, a eles deve ser dada a oportunidade de serem ouvidos sobre o que querem, pensam e sentem acerca da sua sexualidade. Eles mesmos manifestam desejos de namorar, trabalhar, casar e ter uma vida sexual ativa (Glat, 1996).

Independentemente da deficiência mental, os adolescentes nesta condição são pessoas únicas e, como tais, têm necessidade e direito de experienciar e partilhar afeto como todos nós.

Por isso, uma orientação sexual adequada é necessária, através de informações claras e sem preconceitos, para que estes jovens consigam abrir-se sobre as suas dúvidas. Eles têm desejos, sentimentos e necessidades sexuais como todo ser humano; é importante que se verifique se as pessoas que tratam do jovem (pais, irmãos, terapeutas, amigos) têm consciência destes factos.

Na medida em que o adolescente ou adulto Down participou de uma vida normal em comunidade, ele criou possibilidades de defesa contra agressões sexuais, aprendeu a defender-se e agir adequadamente diante das dificuldades da sua vida diária. O seu comportamento será tanto mais normal quanto mais se procurou respeitar suas capacidades básicas, colocando-o sempre em atividades adequadas ao seu nível de compreensão. Se ele entende os problemas, é capaz de tomar iniciativas. Há muitos momentos simples nos quais ele deve ser solicitado a tomar decisões próprias.

Aos poucos a sociedade vai percebendo o erro de segregar aqueles rotulados como “débeis mentais”. Vai, assim, aceitando no seu convívio essa minoria capaz de trabalho e amor. As famílias lutam para que seu filho tenha um lugar ao sol na comunidade a que pertence e aos poucos vemos surgir uma atitude social recetiva e diferente relativamente ao assunto.

1.6 — O DOWN NA IDADE ADULTA

Uma preocupação constante dos pais de indivíduos Down diz respeito a quem, no caso da sua morte, ficaria responsável pelos seus filhos. Se não há irmãos ou parentes que assumam tal responsabilidade, o problema complica-se. Há, também, a possibilidade do(s) parente(s) não ter(em) condição económica para assumir a tutela do filho.

Em muitos países desenvolvidos, como Suécia, Inglaterra e Estados Unidos, há centros residenciais para adultos com deficiência mental. A internação, entretanto, ainda é um problema muito debatido e pesquisado: a institucionalização nem sempre é o mais indicado, pois as habilidades sociais dos adultos Down são geralmente muito boas; eles conseguem participar da comunidade como profissionais e podem viver normalmente com suas famílias.

1.7 — AS OFICINAS PROTEGIDAS

Estas oficinas profissionalizantes com condições especiais de trabalho dão ao adulto Down a oportunidade de se sentir capaz de realizar algo útil à sociedade, enquanto atesta aos pais a possibilidade de o seu filho agir com independência, indo e voltando em horários fixos, cumprindo a rotina de um trabalhador comum e recebendo orientação técnica constante de um educador.

Em São Paulo, o Centro de Habilitação da APAE construiu uma exemplar oficina protegida (onde o trabalho é protegido, supervisionado e remunerado) que serve de modelo para outras espalhadas pelo país (Lefévre, 1981).

2 — A ESTIMULAÇÃO ESSENCIAL

Várias terminologias são usadas para uma mesma prática: estimulação essencial, intervenção precoce, solicitação ao desenvolvimento, estimulação precoce. Nos últimos anos, esta última expressão foi muito utilizada, pretendendo-se dar ênfase ao treino que deve ser iniciado o mais cedo possível nas crianças com atraso no desenvolvimento. Ela, entretanto, me parece incorreta por não traduzir bem o espírito do programa. Precoce significa ‘prematuro, antecipado’ de acordo com o Dicionário Brasileiro – O Globo (Francisco Fernandes, 1993). Não se deseja proceder a um treino prematuro, mas sim estimular, à custa de numerosos expedientes, o desenvolvimento das estruturas cerebrais que responderão por atividades psicomotoras cada vez mais complexas.

O atendimento em estimulação não é feito antes do tempo certo. A sua aplicação dá-se antes que os problemas no desenvolvimento da criança se tornem irreversíveis. Por isso, ele é essencial ao desenvolvimento e, feito no momento oportuno, faz jus ao nome estimulação essencial.

A sua aplicação é terapêutica, pois atua tanto no campo da prevenção como da intervenção, tendo como bases teóricas fundamentos da neurologia infantil, fisioterapia e psicologia do desenvolvimento infantil.

…é uma técnica terapêutica exercida sobre a criança, que busca garantir e/ou resgatar um crescimento mais harmonioso, pleno e natural possível, baseada no princípio que cada indivíduo possui uma competência interna de desenvolvimento nos âmbitos físico, motor, mental, social e da linguagem. (Benatti & Carvalho, 1990).

2.1 — A ESTIMULAÇÃO DE UMA CRIANÇA PORTADORA DA SÍNDROME DE DOWN

O cérebro funciona como um todo e sempre que estivermos estimulando uma área específica afetaremos toda a função cerebral; daí a grande importância da estimulação de uma criança portadora da síndrome.

A estimulação, quando feita com estas crianças, deve ter início o mais cedo possível.

Muitas mães queixam-se de terem sido encaminhadas muito tarde para o tratamento dos seus filhos e sentem-se culpadas pelo atraso que se verifica, considerando que o tempo perdido nunca mais será recuperado. (Lefèvre 1981).

As crianças Down ficam rapidamente fatigadas; com o cansaço, falta a energia necessária para manter a concentração. Sempre se deve verificar se o trabalho é interessante para elas, pois o desinteresse surge tanto como resultado de pedidos complicados, como de com pedidos fáceis demais. As tarefas e ordens precisam ser dadas com calma, preparando a exigência final.

O mesmo deve acontecer em casa, quando os pais desejarem que a criança mude de atividade: se estiverem sempre apressados não conseguirão uma boa atenção da criança.

Neste estudo, enfocarei prioritariamente as estimulações das funções motoras e das funções sensoriais.

2.2 – A ESTIMULAÇÃO DAS FUNÇÕES MOTORAS

L. Coriat sugere as seguintes etapas de estimulação para controle postural nos primeiros meses de vida do bebé Down: se a criança está deitada de costas, dobrar e encostar uma na outra as suas perninhas; se está deitada de bruços, colocá-la com a cabeça virada para o lado. Ao segurá-la no colo, evitar a posição horizontal e sustentá-la verticalmente. Faça-se o que for, sempre se deve lembrar que falar com a criança e acariciá-la são ações básicas para despertar o seu interesse de responder aos apelos do estimulador.

Na estimulação motora, ao rolar e movimentar braços e pernas, a criança sente e experimenta livremente o seu corpo no espaço, disposto em várias posições. A sua movimentação espontânea é, portanto, enriquecida com um número maior de experiências sensitivas e sensoriais; quando pequena, a criança delicia-se com estas experiências, interessando-se em explorar todo o corpo quando livre das vestes.

Ela, então, percebe e olha as suas mãos e os seus pés e sente a sua barriguinha e os seus órgãos genitais. Melhora, desta forma, a sua perceção de onde estão as partes do seu próprio corpo.

É importante estar atento aos movimentos estereotipados (repetitivos); a partir dessa observação, intervenções deverão ser feitas, chamando-se a atenção com outra solicitação, distraindo a criança para um objeto oferecido ou mudando-a de posição para, assim, não deixar que persista nesses movimentos.

Várias solicitações para o estímulo motor poderão ser feitas conforme a posição corporal da criança. Se estiver deitada de bruços, pode-se usar bolas de diferentes tamanhos e que correm em diversas direções, começando pelas maiores e depois usando outras menores, que exigem maior atenção visual.

No início da estimulação, a criança acompanhará por pouco tempo o rolar das bolas mas, com a sequência das sessões, será capaz de acompanhar as diversas direções para as quais rolam, assim como a sua visão de perto ou de longe.

Ao ser deitada de costas, os objetos deverão ser apresentados no alto, em movimentos em cruz, verticais, horizontais ou circulares.

Quando estiver sentada numa cadeirinha, a criança experimentará os movimentos dos braços, procurando alcançar os objetos que estiverem perto ou longe.

Quando ela já souber andar, os movimentos estimulados serão o de se abaixar para pegar uma infinidade de brinquedos simples que poderão ser oferecidos. Os estímulos de locomoção, firmando os pés no chão e pedalando, poderão ser feitos através de um velocípede de três rodas.

Os estímulos para o desenvolvimento destes movimentos devem ser cuidadosamente seguidos, respeitando-se as etapas do movimento da criança, sequência esta que torna mais fácil superar as diferentes fases.

Deve-se estar atento, lembrando-se que antes de ser estimulada para que ande, a criança deve ser estimulada para sentar com apoio e, depois, sem apoio.

É importante que se observe constantemente o estado de desenvolvimento da criança para que se verifiquem os seus progressos e se analisem as suas possibilidades, verificando-se quando é a hora de seguir para a etapa seguinte. Se a criança já consegue sentar-se na cadeira com encosto e já é capaz de se inclinar para a frente, pegando algum objeto sozinha, isto mostra-nos que já pode sentar-se sem apoio; por conseguinte, poderá ser solicitada a ir empurrando a cadeira e estará apta para os seus primeiros passinhos. Deve-se ter o cuidado de observar se estes movimentos são espontâneos: forçar um exercício, queimando uma etapa, é um grande erro.

2.3 — ESTIMULAÇÃO SENSORIAL

Os estímulos das funções sensoriais certamente facilitarão a compreensão pelas crianças do que ocorre ao seu redor. É preciso que o bebé tenha oportunidade de olhar o mundo que o rodeia; como já citei, o chão é o lugar mais estimulante para isso e a melhor posição é deitado de bruços. É importante para os pais saber que a postura de bruços na cama ou no chão é muito útil para reforçar os músculos da coluna e facilitar o levantamento da cabeça. Nessas condições, o bebé será solicitado pelo movimento dos familiares, pelos objetos que rolam, se distanciam e se aproximam. Todos os sentidos devem der solicitados: pelo tato, experimentam-se as consistências diferentes de um pedaço de algodão, de um brinquedo de borracha e de outros materiais; a visão seguirá os movimentos de familiares e objetos; a audição discriminará objetos que emitem sons variados, como um sino, um chocalho, latinhas com objetos dentro ou uma caixinha de música. É importante uma associação consciente despertando a atenção para brincar, pegar no objeto, olhá-lo e senti-lo.

Além dos movimentos das bolas em direções variadas, também se pode despertar o interesse e a atenção infantil para uma lanterna; quando a criança consegue segurá-la pode, por conta própria, variar a direção do facho de luz e segui-lo pelas paredes ou pelo chão. Com olhos e mãos em conjunto, estará exercitando a coordenação visual-manual. O tipo de objeto pode variar, mas deve ser deixado com ela, à medida que desperte o seu interesse e curiosidade. Querer brincar é uma condição fundamental para o progresso de um bebé.

2.4 — A ESTIMULAÇÃO AUDITIVA

As estimulações auditivas terão o objetivo de fazer a criança virar a cabeça para o lado de onde vem o som. Com a introdução de sons diferentes, estaremos exercitando a sua atenção, deixando que escolha e reproduza ou repita alguns destes sons. No início, ela só perceberá os ruídos mais fortes mas, aos poucos, começará a distinguir os mais familiares, como a porta que se abre para a mãe entrar, a buzina do carro do pai, o som da voz do irmão. A seguir, passará a perceber os sons vindos de longe, como a chuva caindo na rua, o cachorro latindo no quintal, o som do avião passando. Será preciso, nestas ocasiões, chamar a atenção, procurando despertar o seu interesse com imitações, usando sons onomatopaicos, pois estes podem lembrar o evento sonoro passado: a criança pode tentar imitar o “au-au” do cachorro, o “piu-piu” do passarinho, num jogo que será importante para a futura articulação da fala. A audição começa a se apurar e os lábios começam a querer trabalhar.

2.5 — A ESTIMULAÇÃO DA FALA

A estimulação da fala é muito importante, mas é preciso lembrar aos pais da criança Down que em alguns casos ela processa-se muito lentamente e isto não quer dizer que a estimulação esteja a ser deficiente; indica apenas que aquela criança, por motivos ainda não explicados, tem mais dificuldade do que as outras para a fala expressiva. Mesmo que a criança não tenha problemas de audição, pode haver dificuldade em articular os sons, como frequentemente se vê.

O trabalho de estimulação da fala é longo e muitas vezes os pais sentem-se frustrados ao perceber o desfasamento entre a linguagem expressiva e o desenvolvimento de outras áreas, como as motoras, perceptivas e sociais. É bastante comum o desenvolvimento melhor e mais rápido da compreensão da linguagem falada, havendo atraso maior na expressão. Por um bom tempo a criança compreende o que lhe dizem, mas demora a atingir a capacidade de falar o que deseja.

Luria considera importante uma boa evolução da linguagem falada para o surgimento da capacidade de abstração e generalização.

Os movimentos com a boca, face e lábios, como já vimos acima, podem ser exercitados com jogos que interessem as crianças.

Algumas crianças têm tendência a deixar a língua para fora da boca. Exercícios podem ser feitos para retificar isso, de preferência sem ansiedade e sem que a criança perceba que a língua para fora significa olhares e atenção para ela. Convém assinalar que atividades exigem que a língua fique dentro da boca: todo movimento de coordenação, como mastigar, soprar ou fazer caretas engraçadas requer que os lábios se juntem, levando, assim, a língua para o seu lugar.

O uso exclusivo de alimentos moles evita a mastigação, que é um exercício muito necessário às crianças com síndrome de Down.

Os jogos em que se provam diferentes alimentos costumam provocar exercícios espontâneos da língua: experimenta-se o doce, o salgado, o melado, o duro, obrigando a língua a fazer movimentos de lamber o que foi colocado num canto ou noutro da boca.

É importante prestar atenção para a hora de parar, para não deixar a criança cansada ou irritada, sabendo deixar para o dia seguinte partes do exercício que tenham faltado.

2.6 — A ESTIMULAÇÃO DA CRIANÇA EM IDADE ESCOLAR

À medida que a criança Down consiga comunicar, andar e se integrar num grupo, poderá frequentar um jardim de infância, onde a presença de crianças normais será de grande benefício, auxiliando no seu desenvolvimento. Por outro lado, a frequência das escolas comuns não será benéfica somente para as crianças portadoras, mas também para as crianças normais, que se habituarão a conviver com crianças com deficiência de desenvolvimento e a compreendê-las.

A professora poderá desfazer os preconceitos das famílias conversando e mostrando aos seus alunos que um trabalho livre e criativo não é prejudicado pela presença desta criança mais lenta na aprendizagem. É importante para ela estar presente naquela turma e, apesar da lentidão, o seu progresso será evidente.

As escolas especiais no Brasil são poucas e raras; normalmente nem existem em cidades pequenas. As grandes cidades contam com mais recursos escolares, apesar de ainda insuficientes para este tipo de atendimento. Essa escassez de escolas especiais torna um pouco mais lenta e difícil a aprendizagem das crianças portadoras de síndrome de Down, pois no momento em que se inicia o ensino da escrita, da leitura e do cálculo, ou seja, o Curso de Alfabetização (C.A.), a grande maioria dessas crianças tem necessidade de uma aprendizagem muito mais lenta e individualizada, que deve ser acompanhado em turmas menores, nas quais se pode suprir a dificuldade de atenção e aplicar tarefas onde não haja competição.

Nestas turmas, os estímulos distrativos podem ser controlados. É preciso que ruídos acidentais (como buzina de carros, barulho da rua, avião passando) não se tornem mais importantes do que a ação iniciada.

De uma forma geral, comprova-se que a criança Down que frequenta escola com pequeno número de alunos e professores especializados tem o mais rápido progresso na aprendizagem da leitura, do cálculo e da escrita.

2.7 — A ESTIMULAÇÃO DA ATENÇÃO

Luria considera o estado de alerta imprescindível como substrato da aprendizagem e entende que o cérebro em ação é o que torna o homem capaz de pensar e de agir.

Todos os estímulos sensitivos, visuais ou auditivos são programados e organizados para que a atenção consiga desprezar o que é acidental e selecionar o que é importante. A seleção e a discriminação são intimamente ligadas ao estado de alerta.

Por isso, toda a criança precisa de estar atenta e vigilante para aprender coisas novas. Quando consegue esta capacidade de atenção, se concentra no problema proposto e tenta resolvê-lo. É preciso lembrar que crianças menores têm dificuldade para manter a atenção em um problema proposto, pois a função cerebral responsável pelo alerta evolui lentamente e a duração do tempo de atenção, à medida que estas crianças crescem, vai aumentado.

Os exercícios visam aumentar a duração desse tempo, mas lentamente, respeitando a capacidade individual de cada criança. Todas as técnicas de estimulação mencionadas anteriormente conduzirão a criança a uma maior capacidade de atenção. Luria (1963), entretanto, ressalva que a criança Down apresenta uma fadiga muito rápida: a sua atenção naturalmente se mantém por menos tempo.

Lourenço (1952), organizou uma série de testes para crianças Down de diversos meios sócio-económicos, com o intuito de estudar as funções mais necessárias ao aprendizado da escrita e da leitura. Em seu estudo, a partir de uma adaptação da linha de abordagens do autor, encontram-se sugestões de exercícios, comentadas na seção seguinte, que solicitem todas as seguintes funções: atenção e memória visual; atenção auditiva; noções de espaço e esquema corporal.

2.7.1 — Exercícios estimuladores

Algumas pesquisas comprovaram que há um défice de “memória visual” na criança Down, pois ela tem mais dificuldade para guardar imagens vistas do que uma série de palavras ouvidas. A atenção e memória visual constituem a capacidade de reter informações recebidas pela visão. Como a criança Down tem dificuldades relacionadas a essa habilidade, há necessidade de exercícios para que guarde, lembre e reconheça mais prontamente o que já foi visto.

Para o estímulo da “atenção auditiva” podemos usar jogos, pois essas atividades melhoram a concentração no som repetido. Junto ao trabalho de esquema corporal, deve ser introduzido o ritmo de uma forma bem atraente, o que auxiliará a memória e a atenção da criança. Pode-se, por exemplo, variar o ritmo, usando batidas fortes e fracas, rápidas e lentas no tambor, para que a criança marche devagar ou depressa; com outro tambor, ela pode, ainda, imitar o ritmo das batidas.

As canções infantis, pela sua simplicidade, devem ser usadas, em andamento lento, com as palavras bem articuladas, para que sejam bem compreendidas. Este tipo de música geralmente atrai as crianças, estimulando a sua atenção e sua discriminação auditiva.

Devemos lembrar que é o nosso corpo, nas suas “relações com o espaço” e com os objetos, que vai proporcionar as condições para a aprendizagem da leitura e da escrita (Lefèvre, 1981).

Os exercícios com o objetivo de amadurecer a consciência do “esquema corporal” auxiliarão no aprendizado escolar e também em todo o trabalho posterior à escola, na profissionalização, independência e socialização.

A criança que participar dessas atividades estará aprendendo a agir de forma adequada e madura pela sua fala e pelo seu corpo, com gestos e movimentos em sequência harmoniosa no tempo e no espaço. Também Sampaio (1969) propõe uma programação para jogos de expressão livre, preparando a criança para a consciencialização do seu esquema corporal e para as possibilidades dos seus movimentos. Ela planifica essas atividades em etapas sucessivas, a introduzir progressivamente na estimulação.

O objetivo de tais exercícios é fazer a criança movimentar-se, trabalhar o corpo globalmente, sentindo a sua postura e equilíbrio e movimentado todos os membros.

Em sequência, Sampaio (1969) sugere jogos dramáticos: histórias inventadas, no faz-de-conta – fingir que se ganhou um presente, que se está triste porque um brinquedo quebrou, imitar soldados, robôs, bailarinas etc.

3 — A MUSICOTERAPIA E A ESTIMULAÇÃO DO PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN

Embora exista um trabalho significativo de musicoterapeutas brasileiros com crianças portadoras de síndrome de Down, encontrei poucas referências bibliográficas sobre esse trabalho. Dentre o material bibliográfico encontrado, destaco dois trabalhos: Lopez (1998), no seu artigo As influências das Músicas Infantis no Desenvolvimento Psicomotor da Criança, realça a importância da linguagem musical e dos seus elementos no desenvolvimento psicomotor infantil de uma maneira geral; Ana Sheila Uricoechea (1997) investiga a possibilidade de criação de uma ampliação do “setting” musicoterapêutico através da construção de objetos sonoros e da exploração de seus sons.

Constatada a pouca disponibilidade de estudos sobre trabalhos musicoterápicos com crianças Down, optei por entrevistar musicoterapeutas com prática nesta área para, partindo da experiência profissional relatada, formular propostas e possibilidades formais para a estimulação de crianças portadoras de síndrome de Down.

3.1 — QUANDO COMEÇAR

O melhor momento para se iniciar a estimulação com um portador desta síndrome é logo após o nascimento; nesse momento já há indícios de que o bebé será portador da síndrome de Down e, portanto, o perinatologista já pode fazer um diagnóstico prescritivo. Na síndrome de Down, esta estimulação deve começar cedo, envolvendo sempre as mães, porque elas serão responsáveis pela continuação da estimulação.

Sabemos que já existe uma estimulação sonora desta mãe com seu bebé, mas a musicoterapeuta vai incentivar mais ainda esta relação sonora; conhecemos a importância do estímulo sonoro, do som, durante todo o desenvolvimento destas crianças. (Ana Sheila Uricoechea, 2003).

Eis a apreciação da importância da ajuda da mãe neste processo; este envolvimento favorecerá a terapia pois, desse modo, a criança, será conduzida pelo terapeuta e apoiada pela família, o que com certeza muito ajudará para que atinja os objetivos traçados com mais segurança.

Orientar a família é fundamental para que esta possa dar uma continuidade aos estímulos em casa. (Guerra, 2003).

3.2 — A FICHA MUSICOTERAPÊUTICA

Segundo Norma Landrino (2003), a parte mais importante do trabalho de estimulação é fazer uma boa ficha musicoterapêutica, para que se pesquise e conheça bem a vida do paciente:

O ambiente familiar, a experiência musical, os contactos musicais que esta pessoa tem, a bagagem musical deste indivíduo. Se ele ouve discos em casa, se ele gosta de rádio, se gosta de música, que tipo de música o atrai.

Deve-se saber de que música ele gosta e estimulá-lo, fazendo com que comunique esta música, lhe mostre esta preferência, se é que ele consegue falar sobre isto, porque muitas vezes o paciente com síndrome de Down não tem um vocabulário muito bom.

Apesar de não mencionar a ficha musicoterapêutica, Guerra (2003) acrescenta a importância da família falar um pouco de como é o dia deste paciente e de qual é a vivência sonora desse grupo: o musicoterapeuta precisa estudar o processo desta criança, buscar entender as necessidades que ela tem, as suas prioridades e preferências.

3.3 — A RELAÇÃO TERAPEUTA — PACIENTE

Um dos objetivos primordiais de uma terapia é estabelecer a relação terapeuta—paciente, para que este tenha confiança no trabalho e se desenvolva com prazer (Norma Landrino, 2003).

Denise Guerra (2003), que concorda com essa assertiva, acrescenta que, no trabalho com crianças, é importante estender este vínculo terapêutico também à família.

Nós, musicoterapeutas, precisamos manter este contato bem forte e afetuoso. No primeiro momento, isto não acontece; o terapeuta precisa de construir essa relação, essa troca, para que se tenham mais tarde outras respostas, outros pontos. Sem a relação terapêutica fortalecida, não se consegue trabalhar com esta criança. (Guerra, 2003).

3.4 — AVALIAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DE GRUPOS

Ao iniciar-se o trabalho de musicoterapia numa instituição, faz-se uma classificação geral das crianças com síndrome de Down, pois existe uma série de níveis de desenvolvimento mental afetando, segundo o seu grau, a capacidade cognitiva.

…nós temos casos de síndrome de Down que consideramos moderados, casos que não chegam a ser leves, mas moderados, com um bom prognóstico, e temos casos severos ou profundos. (Uricoechea, 2003).

Guerra (2003) ratifica esses níveis de desenvolvimento: leve, moderado e severo.

Os pacientes com quadro leve normalmente têm um desenvolvimento escolar interessante, chegando a passar por escolas inclusivas e a concluir o primeiro grau.

Os pacientes com quadro moderado aprendem a ler e a escrever, podendo, eventualmente, chegar ao quarto ano.

Os pacientes com quadro severo não conseguem participar do processo escolar. Podem aprender ofícios simples e, então, entrar no mercado de trabalho. Os que aprendem a ler podem fazer assumir tarefas mais elaboradas.

Relatos recentes (…), negam dados anteriores, que estabeleciam que as crianças com síndromes de Down geralmente apresentam atraso mental severo ou profundo. Esses estudos contemporâneos têm mostrado que a maioria das crianças com síndrome de Down tem um desempenho na faixa entre leve e moderada do atraso mental. (Pueschel, 1993).

3.5 — FORMANDO E MESCLANDO OS GRUPOS

Após a classificação geral por nível de desenvolvimento, teremos a avaliação cognitiva para poder organizar os grupos segundo o tempo mental de cada um; a partir dessa organização, devem ser feitos subgrupos para que se observe como esta criança está afetivamente.

Um grupo com mais dificuldade, outro com menos, até mesclando um pouco, para não colocar só quem está muito bem com quem está com muita dificuldade. A razão de mesclar um pouco é fazer com que o grupo puxe melhor o que está com mais dificuldade, mas com o cuidado de nunca juntar um grupo muito prejudicado com outro que esteja muito bem. (Guerra, 2003).

Outra forma de mesclar os grupos dos portadores desta síndrome, seria agrupar esses pacientes com outros, que tenham outros tipos de deficiência mental.

Não há necessidade de formar grupos só com portadores Down pois, na prática da musicoterapia, eles podem conviver, com outras deficiências, com outros tipos de patologias dentro da deficiência mental. (Uricoechea, 2003).

3.6 — FORMULANDO OS OBJETIVOS

Guerra faz-nos lembrar da importância de ter sempre claramente formulados objetivos no trabalho com estas crianças. Estes objetivos têm que ser sempre progressivos, pois não adianta estimular “uma coisa lá na frente” se, “aqui atrás”, a criança ainda não avançou. É complicado querer que a criança ande, se ela ainda não se senta. Apesar de algumas pularem fases, é importante que haja a possibilidade de progressão. Devem ter-se sempre claros os objetivos, pois assim se poderá estimular os potenciais de cada criança. Se já está quase a andar, pode estimular-se essa atividade, sempre respeitando o tempo individual, sem cobrar da criança o que ela não está conseguindo fazer.

O espaço terapêutico é da criança; por ela nós estamos ali, em função dela deveremos pensar as propostas, direcionar o atendimento, o tratamento, sempre para ela. (Guerra, 2003).

O objetivo primordial de Landrino (2003) é fazer uma boa ficha musicoterápica. Em seguida é estabelecer a relação terapêutica, pois, como já foi dito, sem ela fortalecida o terapeuta não consegue trabalhar com a criança.

Outros objetivos surgem no decorrer das sessões, com a progressão do trabalho com o paciente. Você poderá, assim, ter vários objetivos, uns subjetivos, outros mais concretos e mais diretos. (Landrino, 2003).

3.7 — TÉCNICAS

As técnicas sugeridas por Guerra (2003) começam a ser aplicadas com a criança Down ainda bebé, fase em que o M.T. deve trabalhar os sons primitivos e guturais (sons da garganta). O M.T. também estará estimulando o bebé a experimentar diferentes tipos de sons, como vibrações dos instrumentos e da própria voz, pondo a sua mão na garganta e também no peito enquanto fala ou canta. O M.T. deve, ainda, chamar a sua atenção para as vibrações dos instrumentos sonoros, para as suas texturas (como a do afoxé com bolinhas), colocando a sua mão sobre o instrumento para que o experimente, trabalhando, assim, a coordenação e a perceção dos materiais do meio. Também é importante que se explore a temperatura dos instrumentos de metal, de madeira, de palha, de plástico; suas diferenças estimulam a percepção do bebê.

Ao cantar, é importante massajar o corpo da criança sempre, dando-lhe um continente afetivo; ela precisa de colo, de aconchego e de afeto. (Guerra, 2003).

Papéis que produzem som, como os que embalam ovos de Páscoa, bem coloridos, dão bons brinquedos sonoros: as crianças gostam do colorido e dos sons que fazem.

Com crianças em fase ou idade cronológica mais adiantada, o musicoterapeuta poderá trabalhar da mesma forma, usando o mesmo material, os mesmos estímulos, mas prestando mais atenção nas especificidades da criança: as suas preferências. Mesmo com o desenvolvimento mental não organizado, ela expressa o que está trocando com o meio.

Estimular a expressão do paciente é de suma importância numa sessão de musicoterapia. Se ele tem problema de comunicação e fala mal, que o musicoterapeuta faça com que se expresse através da música, corporalmente, sonoramente e pelas canções de sua preferência; que trabalhe as palavras da letra dessas canções.

Ele poderá, também, trabalhar o aspecto afetivo, funcional e o rítmico desta música; assim, estimulará este paciente para uma expressão corporal, como a dança, conseguindo, desta forma, que ele se movimente. (Landrino, 2003).

Poderá, ainda, ampliar o seu vocabulário, fazendo com que articule palavras novas, como as da letra de uma música conhecida, (…) de que, geralmente, o adolescente Down gosta muito.

O musicoterapeuta pode usar esta música e, assim, terá um repertório de atividades para trabalhar estímulos com o seu paciente: usando o conteúdo da mesma música, ele também poderá motivá-lo a criar outras músicas. Estas criações podem ter por tema a sua própria família, num exercício de afetividade. O desenvolvimento dessas cognições é muito benéfico para esses pacientes.

Os portadores da síndrome de Down, têm uma relação muito interessante com o som. Podemos ver a importância da música nesses grupos, para os quais ela traz amplas condições de melhoras.

É maravilhoso ver que a música como estímulo, no momento certo e adequado, tem a capacidade de retirar estas pessoas deste mundo de incapacidades onde eles estão rotulados; neste momento, eles ficam livres deste estigma da deficiência mental. (Uricoechea, 2003).

O seu desempenho é muito satisfatório, na maioria das vezes muito bom. Eles pegam instrumentos de percussão e tocam, dançam, cantam, manifestam-se de uma maneira muito normal. Os resultados são muito favoráveis, os prognósticos, positivos e satisfatórios; realmente muito bons.

3.8 — LIMITES

Guerra (2003) afirma que o “setting” como um todo deve fonte de prazer, mas também precisa de oferecer os limites necessários para esta criança; não só o que é muito legal, bom e prazeroso há de funcionar. A criança está ali porque gosta de música, gosta do espaço, da troca com os amigos, da relação com o terapeuta, mas também é necessário que sejam estabelecidos limites. Falar das coisas que não se deve fazer, do que se deve, ou mesmo do que não se deve aprender. O musicoterapeuta tem de estabelecer limites, muito importantes para o amadurecimento da criança.

“Mãe suficientemente boa” (Winnicott, 1990) é exatamente aquela que dá o continente, o aconchego, o afeto e também o limite.

3.9 — UMA ESTIMULAÇÃO ESPECÍFICA

Vimos que existe uma série de níveis de desenvolvimento mental afetando o desempenho cognitivo; por isto, a estimulação sonora deve ser específica: esse desenvolvimento é muito estimulado e favorecido pelas atividades musicais, sejam elas de cunho rítmico, melódico ou de conscientização e coordenação corporal. Quanto mais específicas para as necessidades de cada um, melhor.

A estimulação deve ser muito específica para cada caso. (Uricoechea, 2003).

Precisamos de considerar que cada indivíduo é único e que, como tal, deve ser tratado com respeito à sua subjetividade; só assim estaremos praticando uma musicoterapia que invoque o sujeito como centro do trabalho.

A criança, com um pouco de vivência, mesmo não estando com seu desenvolvimento mental organizado, já consegue mostrar aquilo que ela está trocando com o meio; assim, é importante que o estímulo usado seja compatível com esta idade mental e com o interesse e a história desta criança. (Guerra, 2003).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho e, mais especificamente, a investigação do seu tema, foi de suma importância para mim. Apesar de já saber algumas coisas sobre ele, as minhas dúvidas eram inúmeras; algumas coisas eu apenas pensava que sabia…

Como primeiro passo, pesquisei esta síndrome e constatei a importância de se conhecer as suas dificuldades, os problemas de saúde que estas crianças enfrentam. Entretanto, mesmo não desconsiderando a importância dessa pesquisa bibliográfica, entendo que devo as principais descobertas sobre a aplicação da musicoterapia para estas crianças às entrevistas com profissionais musicoterapeutas.

As três entrevistas, foram indispensáveis para a compreensão do assunto: mesmo sem perguntas formalmente elaboradas, as três profissionais falaram de pontos importantes da sessão musicoterápica, abrangendo o portador Down nas etapas do seu desenvolvimento.

A musicoterapia aparece no discurso desses profissionais, como importante fator de estimulação para o portador de Síndrome de Down. Tocar, cantar, dançar com estas crianças e também com seus pais revelam-se potentes recursos a ser utilizados pelos profissionais de saúde. Os musicoterapeutas podem se beneficiar destes conhecimentos para alcançarem maior eficiência no seu trabalho clínico.

Apesar da satisfação pelos resultados obtidos, reconheço que esta primeira abordagem que não esgota o tema, que ainda merece estudos mais detidos para que se obtenham contribuições ainda mais ricas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENATTI, Raquel Candido. A estimulação essencial ao desenvolvimento infantil. Rio de Janeiro: 1992. Monografia final do Curso de Formação de Musicoterapeutas do Conservatório Brasileiro de Música.

FERREIRA, E. A. de Barros & FLEURY. Atividade Criadora em crianças com Síndrome de Down: Uma nova perspectiva da Musicoterapia. Goiânia: 1995. Monografia final do Curso de Especialização em Musicoterapia e Arteterapia em Educação Especial a Universidade Federal de Goiás.

LEFÈVRE, Beatriz Helena. Mongolismo: orientação para famílias. São Paulo: Almed, 1981.

LOPEZ, A.L.L. “A influência das músicas infantis no desenvolvimento psicomotor da criança”. in Revista Brasileira da Musicoterapia. Rio de Janeiro: UBAM, ano III, nº 4, 1998, pp. 5-26.

MARTINS, K.; ANTUNES, J.P. & FRASSON, L. Deficiência Mental e sexualidade. “superando tabus”, in FERREIRA, S.L. (org.). Teatro e Deficiência Mental: a arte na superação de nossos limites. São Paulo: Memnon, 2002, pp. 43-76.

PROJETO RIO DOWN – MOMENTO DA NOTÍCIA. Primeiro website sobre síndrome de Down do Rio de Janeiro: www.novanet.com.br/riodown.

URICOECHEA, A.S. Construindo sons e suas ressonâncias: uma ampliação do “setting” musicoterápico, in Revista Brasileira de Musicoterapia. Rio de Janeiro: UBAM, ano II, nº 3, 1997, pp. 35-40.

MUSICOTERAPEUTAS ENTREVISTADOS

GUERRA, Denise. Musicoterapeuta da APAE. Data da entrevista: 05/07/03.

LANDRINO, Norma. Professor 1 da Secretaria Municipal de Educação da Escola Municipal Especial Marly Fróes Peixoto, na área de Educação Musical Especial, e Musicoterapeuta da Clínica da Casa Gerontológica da Aeronáutica Brigadeiro Eduardo Gomes. Data da entrevista: 12/06/03.

URICOECHEA, Ana Sheila. Musicoterapeuta do IPICEP e coordenadora do curso de formação de MT. do Conservatório Brasileiro de Música. Data da entrevista: 06/10/03.

Criança com síndrome de Down

Criança com síndrome de Down

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Jovem tocando (Otakar Kraus Music Trust)

MÚSICA E ATRASO DOS 13 À ADULTEZ

por Cibelle Loureiro

Excerto de Musicoterapia na Educação Musical Especial de Portadores de Atraso do Desenvolvimento Leve e Moderado na Rede Regular de Ensino, por Cybelle Maria Veiga Loureiro. Minas Gerais 2010.

Para Piaget este é o estádio em que o adolescente já não se limita a representação imediata, tornando-se capaz de abstração total. Para ele, as estruturas cognitivas da criança alcançam o seu nível mais elevado de desenvolvimento, o que a possibilita aplicar o raciocínio lógico a todo tipo de problemas que enfrentem. Para os nossos alunos, este raciocínio talvez ainda seja uma dificuldade a ser vencida.

Para Piaget todo o adolescente vive o conflito entre ser criança e ser adulto durante muitos anos. Talvez desde a metade do período concreto operacional. Discutem como tornarem-se livres do papel de serem crianças, mesmo ainda não podendo assumir as responsabilidades de um adulto. Por isso, esta etapa é comumente chamada período de transição, pois agrupa o desenvolvimento pessoal, social e educacional do indivíduo.

Para o portador de atraso do desenvolvimento, os desafios da adolescência são intensificados em vários aspectos. Muitos deles não apresentam diferenças físicas em relação aos seus colegas não deficientes, mas a capacidade de cooperar com as demandas do meio ambiente pode ser desafiadora e até mesmo traumática.

As pessoas portadoras de atraso do desenvolvimento às vezes apresentam uma auto-estima negativa quando chegam a essa idade, tornam-se conscientes das suas próprias limitações e capacidade de enfrentar a vida.

Para alguns aceitar a deficiência é um grande problema. O medo de errar, o sentimento de inferioridade e insegurança são algumas das dificuldades que podem surgir numa aula de música. Alguns desses sentimentos são comuns, pois fazer música pode ser desafiador em vários momentos, o que faz dela um excelente instrumento para superarmos esses desafios. Diferenciar uma música alegre de uma música triste ou uma que seja agitada de uma música calma pode auxiliar no reconhecimento desses sentimentos.

Devido às limitações experimentadas durante toda a vida relacionadas com a sua deficiência, estas pessoas podem ter uma maior necessidade de vencer sentimentos mais desafiadores ainda como a pena, a depressão e a solidão. O agravamento dessas necessidades emocionais e limitações físicas podem impedir que estes alunos utilizem os meios comuns para expressar ou ainda nomear os seus sentimentos.

PERSONALIDADE E DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL

Muitos dos comportamentos observados nesses alunos podem ser explicados como sendo devido à discrepância entre as habilidades que eles possuem e as solicitações exigidas pelo meio ambiente. O caso que descreveremos ilustra essa afirmativa.

Caso ilustrativo

Marilda, nome fictício, tem quinze anos e foi diagnosticada na primeira infância como portadora de atraso do desenvolvimento leve. Desde os quatro anos de idade ela demonstrava uma grande facilidade para fazer música. Passava horas ao piano da avó procurando tocar uma música “de ouvido”. Como neta de pianista e compositora, sobrinha e filha de professoras de música, Marilda logo foi colocada a aprender a tocar piano. A sua avó passou a dar-lhe aulas de música.

Na escola, o seu desenvolvimento musical demonstrava ser igual ou melhor que alguns dos seus colegas não deficientes da mesma idade, principalmente quanto à sensibilidade musical – “habilidade de receber e responder ao estímulo musical”.
Desde a idade pré-escolar, sempre que possível, era solicitada para tocar uma música para as visitas em sua casa e nos eventos da escola.

Possuidora de uma personalidade tímida, delicada e muito alegre, não sabemos se Marilda tocava porque gostava ou se o fazia por obediência. Ao atingir a idade escolar, já tinha um repertório musical grande que a diferenciava da maioria das crianças. Aos doze anos, essa diferenciação já não era a mesma e as dificuldades para aprender as músicas que a avó achava que ela já estava na idade de aprender, passaram a ser um desafio ao ego de Marilda.

Todas as pessoas desenvolvem os seus próprios meios de demonstrar os seus desejos, medos, necessidades e maneira de interagir com as pessoas. A maneira que Marilda escolheu não foi a melhor. Nunca mais quis tocar piano, embora gostasse muito. O facto de ficar sem a música, desencadeou emocionalmente em Marilda um quadro emocional de ansiedade e de automutilação.

Na escola, a professora de música observou mudanças no contacto de Marilda com as pessoas. Quando solicitada a fazer qualquer tarefa, mesmo não sendo musical, se ela não conseguisse realizá-la, mordia as mãos e chorava compulsivamente até que abandonou a escola.

A professora de música procurou consultoria de uma musicoterapeuta e juntas procuraram restabelecer o contacto de Marilda com a música. Algumas estratégias passaram a ser adotadas pela professora na sala de aula seguindo conselho e acompanhamento do terapeuta. Sempre que possível e de forma realística a professora trabalhava a auto-estima e o fortalecimento do ego de Marilda, pedindo a sua ajuda quando um colega apresentava dificuldade em uma atividade.

Para trabalhar a auto-estima cria-se uma situação onde uma pessoa vivencia uma experiência que a possibilite mostrar a sua competência e consistência no que faz ou sente. Quando falamos em trabalhar o fortalecimento do ego, referimos-nos ao ego como uma função mediadora entre os impulsos, desejos e necessidades de uma pessoa e o meio ambiente. Essa é uma função que desenvolvemos desde a infância até a idade adulta.

Várias tentativas foram feitas para fazer com que Marilda voltasse a tocar. Outros instrumentos lhe foram oferecidos, mas ela não demonstrou interesse por nenhum deles. O objetivo principal era o de estimular o desejo e incitar o querer modificando o quadro motivacional de Marilda.

Motivação é definida como alguém pelo “querer” alcançar um objetivo, sendo o indivíduo motivado em “direção a” e “por” esse objetivo. Motivação representa alguma “necessidade” ou “desejo”.

Após várias tentativas da professora e convite dos colegas que sabiam da sua dificuldade, Marilda passou a frequentar os ensaios do grupo instrumental da escola. Sob a orientação do terapeuta, a professora passou a tocar teclado eletrónico nos ensaios do grupo, a fim de motivar de forma extrínseca o interesse de Marilda pelo instrumento. Ela demonstrou rapidamente interesse em saber como funcionava, mas não em tocar.

A professora fez algumas explicações sobre o funcionamento do instrumento e deixou Marilda explorá-lo sozinha, tentando motivá-la intrinsecamente. Logo depois passou a ter aulas individuais de teclado, onde no início somente ouvia a professora tocar. Aos poucos ela se interessou em tocar e fê-lo exatamente como quando começou a tocar.

Voltou a “tirar de ouvido” músicas que a professora tocava e que faziam sucesso nos meios de comunicação. Hoje o teclado é o seu instrumento de lazer. Vários convites foram feitos para que ela tocasse teclado no grupo da escola, mas ela nunca mais voltou a tocar para outras pessoas.

A música pode exercer um papel primordial na satisfação das necessidades intelectuais e emocionais do adolescente. Pode ser um meio afetivo forte e reconfortante. No dia a dia da escola o objetivo de desenvolvimento da auto-estima e fortalecimento do ego desses adolescentes, talvez somente possa ser exercitado na aula de música.

Jovem tocando (Otakar Kraus Music Trust)

Jovem tocando (Otakar Kraus Music Trust)

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Bebé tocando

MÚSICA E ATRASO DO DESENVOLVIMENTO

Período Sensório-Motor: ADL e ADM (0 a 4)

por Cibelle Loureiro

Excerto de Musicoterapia na Educação Musical Especial de Portadores de Atraso do Desenvolvimento Leve e Moderado na Rede Regular de Ensino, por Cybelle Maria Veiga Loureiro. Minas Gerais 2010.

Uma criança portadora de atraso do desenvolvimento leve ou moderado com quatro anos de idade, talvez esteja com um desenvolvimento intelectual de uma criança de dois ou três. As estratégias, adaptações e exercícios no auxílio ao desenvolvimento da capacidade de atenção, discriminação auditiva e do sentido rítmico serão os alvos da nossa descrição das características da aprendizagem musical e prática das habilidades motoras para tocar, cantar ou vocalizar dessas crianças. O portador de atraso do desenvolvimento demonstra habilidades e interesse pela música desde a fase sensório-motora.

Desenvolve desde cedo as suas preferências musicais e instrumentais e já discrimina entre música e ruído. A sua capacidade de atenção e contacto visual com a música viva e objetos sonoros demonstram esta afirmação. Imita ritmo, melodia, reconhece uma seleção musical desde os primeiros dias de vida.

Porém, o desenvolvimento dessas habilidades está altamente dependente do grau de comprometimento do indivíduo. Para os estudiosos da musicoterapia na pediatria neurológica, os estímulos acústicos pré-natais, têm caráter formativo e relacional. A estimulação auditiva pós-natal é integrada em outros canais sensoriais com o objetivo de modificar estados de hipersensibilidade ou depressivos, facilitando o estado homeostático – equilíbrio neuropsicofisiológico – necessários no processo de aprendizagem e contactos do bebé com o meio ambiente. Estudos longitudinais demonstram atrasos e dificuldades na vida futura desses bebés, o que indica a necessidade e importância de um tratamento especializado no estágio sensório-motor que os auxiliem na superação de efeitos neurológicos e psico-sociais adversos ao seu desenvolvimento.

Na idade pré-escolar a atenção e memória imediata são especialmente trabalhadas, pois, como descritas anteriormente, muitas das dificuldades na aprendizagem dessas crianças se devem a essas limitações – como a desorganização motora e as dificuldades na imitação de movimentos com a música. Podem ocorrer distorções quanto à percepção da altura dos sons (frequência) e limitações fisiológicas na vocalização, o que prejudica o desenvolvimento da linguagem e do canto nos casos de síndrome de Down ou paralisia cerebral, onde o atraso do desenvolvimento está associado.

A estratégia de ensino, as adaptações e exercícios a serem utilizados devem ter por objetivo principal auxiliar o desenvolvimento da sensorialidade, sensibilidade e intelecto da criança. Para Piaget, neste estágio a inteligência é prática. As noções de espaço e de tempo são construídas através das ações da criança. O contacto com o meio é direto e imediato, sem representação ou pensamento. A estimulação ambiental interferirá na passagem de um estágio para o outro.

As ideias de Lev Vygotsky são semelhantes, mas para ele a criança nesse estágio já faz uso de um tipo de linguagem que nomeia como fase pré-verbal do pensamento definido como aquela em que o pensamento associa-se à utilização de instrumentos de assimilações de ações exteriores.

É importante que os estímulos musicais nessa faixa etária sejam cuidadosamente selecionados e em pequena quantidade.

Estímulos selecionados e em pequena quantidade

Desenvolvimento da preferência instrumental e musical

É importante que a criança aprenda a “escolher” para poder desenvolver suas preferências. Porém é aconselhável a apresentação de apenas dois objetos sonoros por vez e bem distintos, como por exemplo, um tambor e uma maraca ou mesmo instrumentos confeccionados, como uma corda com argolas de metal e outra com cascas de coco. Isto porque, além do aspecto perceptual auditivo, muitas opções de escolha podem deixar a criança confusa mentalmente e ela optar por não se envolver com nenhum objeto.

Ao selecionar os instrumentos devemos ter em mente o estágio do desenvolvimento da criança. A escolha é da criança, mas o facto dela interagir e praticar as suas habilidades é altamente dependente desses dois aspectos mencionados.

Além disso, muitas dessas crianças podem apresentam dificuldade de contacto e interação com objetos e brinquedos devido a problemas de origem psicológica e/ou neurológica. As causas podem ser, na maioria das vezes, motivacionais ou de uma hipersensibilidade tátil, como no relato do caso ilustrativo a seguir.

Caso ilustrativo

A recomendação de Marcos (nome fictício) para a musicoterapia foi uma iniciativa da equipe da sua pré-escola e da neurologista que acompanhava o caso. Os dados da avaliação repassada de Marcos para o musicoterapeuta eram o de um portador de atraso do desenvolvimento leve a moderado e que, embora estando com três anos e meio, apresentava défices na fase sensório-motora do seu desenvolvimento.

Embora tendo um bom contacto com as crianças da escola, não interagia com eles na hora de brincar e tampouco com os brinquedos que os pais e a escola lhe ofereciam. Demonstrava uma hipersensibilidade tátil ao tocar em bichinhos de pelúcia e até mesmo com um instrumento eletrónico que produzia o som de vários animais ao pressionar dos botões. No entanto, Marcos demonstrava um interesse grande pela música em termos aurais.

Quanto ao envolvimento com objetos sonoros, a dificuldade de Marcos era a mesma que tinha com os brinquedos em geral. Resumidamente, em termos piagetianos, Marcos apresentava um atraso devido à ausência do seu envolvimento prático com o meio ambiente. O trabalho com ele foi totalmente voltado para o “brincar”. Os objetos sonoros faziam parte de atividades voltadas para o dia a dia de Marcos. Um macaquinho de pelúcia foi introduzido nas sessões, além de panos de diversas texturas e bonecos que representavam as pessoas da família de Marcos, como a mãe, o pai, o avô e a avó.

O ambiente terapêutico foi dividido em vários espaços onde o macaquinho, que só andava se fosse vocalizado ou tocado algum instrumento musical, estava no início da sessão dormindo debaixo dos panos. Marcos então era solicitado a acordar o macaquinho e começar a brincadeira. O mesmo era feito no final da sessão colocando novamente o macaquinho para dormir. As músicas utilizadas nesse momento eram especialmente compostas pelo musicoterapeuta.

O conteúdo das canções representava as ações que o Marcos faria para o macaquinho andar, tais como bater palmas ou tocar forte um instrumento. As demais canções eram todas de preferência de Marcos e selecionadas pelo terapeuta pelo seu conteúdo prático, contendo nomes das partes do corpo e ao mesmo tempo ações de interação com elas, como por exemplo, esconder as mãos, olhos, boca.

O número de repetições na apresentação das canções, objetos e instrumentos foram mantidos por um período de tempo, aumentando a previsibilidade do reconhecimento e afinidade da criança com eles. Passo a passo, Marcos foi vivenciando que o brincar poderia ser uma imitação da realidade.

Em termos vygotskianos, a aprendizagem de Marcos ocorreu por assimilações de ações exteriores e interiorizações desenvolvidas através do que ele nomeia de linguagem interna, o que lhe permitiu formar abstrações. Para Vygotsky, a “finalidade da aprendizagem é a assimilação consciente do mundo físico mediante a interiorização gradual de atos externos e suas transformações em ações mentais”.

A abordagem utilizada no caso de Marcos termina voltada para a discriminação auditiva com o objetivo de estimular a linguagem expressiva que é definida como habilidade de emitir mensagens verbalmente e não verbalmente, com a finalidade de facilitar ao máximo a integração de Marcos na escola.

Discriminação auditiva

Nesta faixa etária o prazer sensorial do som por si mesmo e os diferentes aspectos psicológicos e motivacionais do envolvimento com a música pela música nessa etapa estão relacionadas não somente com a idade, mas são altamente dependentes do enriquecimento do meio ambiente na aquisição de habilidades musicais. Este facto é fundamental no ensino da criança portadora de deficiência.

É recomendado, nos primeiros ensinamentos, o uso de uma discriminação ou diferenciação maior nas tarefas com instrumentos sonoros, usando-se o corpo ou a voz. Essa diferenciação é feita através da apresentação sucessiva de sons contrastantes como graves/agudos; fortes/fracos; som/silêncio; depressa/devagar. Esse procedimento, de acordo com Bunting, faz com que o impacto neurológico da música “avance”. Este “avanço” provocado pela música auxilia no desenvolvimento do tempo de reação lento desses alunos em termos perceptuais, motores e de tomada de decisões.

Swanwick e Tillman observaram que crianças nessa faixa etária são levadas pelo puro prazer ou medo a interessarem-se em ouvir sons de tambores graves de uma banda. Apresentam também preferência pelos sons de um chocalho ou por pratos indianos e têm um interesse por sons leves e fortes.

Como vemos, o timbre, duração e dinâmica são os primeiros elementos da música a fazer parte do repertório de todas as crianças desta idade.

Entretanto, na educação musical especial a sucessividade e imediatismo na apresentação dessas diferenciações entre os sons são brincadeiras exploratórias importantes, pois despertam a atenção e tempo de reação da criança.

Exploração instrumental e de objetos sonoros

Instrumentos cuja vibração em termos aurais e tácteis dê à criança mais tempo para perceber propiciam um maior envolvimento com o objeto. Entre eles podemos CITAR, por exemplo, tambores, sinos e pratos.

Outro fator a ser considerado é o esforço físico e cognitivo que a criança terá que fazer para poder manipular os objetos. Farnan e Johnson categorizam-nos em três níveis de dificuldade: esforço mínimo, médio e máximo.

Os instrumentos de esforço mínimo têm como resultado máximo som incluem entre eles guizos, tambores e maracas e são os mais utilizados nesse estágio do desenvolvimento. Os de esforço médio incluem o tamborim, bloco de madeira e afoxé, e os de esforço máximo são o xilofone, o piano, e as claves.

Os instrumentos de esforço mínimo necessitam de um pequeno esforço motor e cognitivo mínimo para produzir o máximo de som. Mas é necessário se observar os vários movimentos envolvidos na sua execução. A maraca, por exemplo, utiliza principalmente o movimento flexo extensor do cotovelo e o da preensão e soltura do objeto, isto é, a maneira como a criança pega ou larga o instrumento da mão.

Esses movimentos podem exigir coordenação motora fina, como movimento dos dedos e mãos e ou grossa, envolvendo uma movimentação do braço e antebraço. Devido ao comprometimento físico que muitas dessas crianças apresentam esses movimentos que podem dificultar a participação do aluno em músicas cujo andamento seja muito rápido para ele.

O tambor, um dos instrumentos preferidos, estimula a coordenação motora grossa e que possui uma área muito grande como alvo para a criança, facilitando a realização do movimento.

Podem ser usadas espessuras média ou grossa de baquetas, no entanto, o uso dos dedos e punho ao tocar a superfície do instrumento é o recomendado para auxílio à estimulação táctil e motora. O uso de sons curtos ou longos, ou movimentos devagar e rápido ao sacudir uma maraca já podem ser praticados. Como vemos, tocar um instrumento musical envolve uma série de funções que devem ser observadas antes e durante a execução da criança.

Trabalhando o movimento “através” e “com” da música

O conceito de movimento “através” da música refere-se a tocar instrumentos musicais que irão auxiliar o desenvolvimento das funções físicas como movimentação dos dedos, das mãos, dos braços, joelhos, pernas e músculos motores orais.

A criança poderá precisar de ajuda para associar a execução instrumental na pulsação da música. Percutir livremente algum objeto sonoro ao ritmo da música trabalha o senso de duração, sem necessariamente haver precisão. São utilizadas também músicas bem distintas em velocidade e variação rítmica, pois estimulam e tranquilizam a criança pelas suas qualidades formais.

Em atividades de movimento “com” a música, esta é usada como um acompanhamento do movimento, fornecendo marcação do tempo e ou sequência e direção. Alguns exemplos de movimento incluem gatinhar ao som de uma flauta usando-se sons longos e curtos; subir, descer ou agachar e levantar, usando-se sons ascendentes e descendentes.

Deve-se propiciar uma movimentação natural, criativa e imaginativa em diferentes géneros musicais e estilos de peças conhecidas. Essa é uma das atividades preferidas dessas crianças. Como exemplo, podemos CITAR a música Maria Fumaça em “Poemas Musicais – ondas, meninas, estrelas e bichos”, onde a sequência de sons ascendentes e descendentes em cinco notas cria a ideia de movimento, porém para algumas dessas crianças os movimentos ainda são imitativos, necessitando serem demonstrados.

Quando praticamos as cantigas de roda e as canções de ninar, estamos contribuindo para o desenvolvimento das preferências musicais dessas crianças dentro do seu contexto social-cultural, contribuindo assim para a sua normalização, ou o que podemos chamar de inclusão musical. Este recurso é um instrumento facilitador de sua integração nas atividades escolares e sociais.

De acordo com Vygotsky, nessa fase o desenvolvimento da criança dá-se a partir da experiência social, onde os conceitos são internalizados permitindo à construção da identidade do sujeito. Afirma que desde muito cedo, a criança reage à voz humana. Essa reação é demonstrada através de sons inarticulados, risadas, movimentos que ela utiliza como meios de contacto social.

Bebé tocando

Bebé tocando

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Criança tocando

MÚSICA E ATRASO ENTRE OS 9 E OS 13

por Cibelle Loureiro

Excerto de Musicoterapia na Educação Musical Especial de Portadores de Atraso do Desenvolvimento Leve e Moderado na Rede Regular de Ensino, por Cybelle Maria Veiga Loureiro. Minas Gerais 2010.

No estádio operatório-concreto, o portador de atraso do desenvolvimento entre nove e treze anos estará com um desenvolvimento aproximadamente correspondente a de seus colegas de sete a onze anos de idade. De acordo com Piaget, a criança nesse estádio desenvolve as suas noções de tempo, espaço, velocidade, ordem e casualidade. Já é capaz de relacionar diferentes aspectos da realidade, mas ainda depende do mundo concreto para chegar à abstração.

Um dos objetivos principais nesse estádio é trabalhar o que Piaget denominou realidade imediata. Esse é o momento na educação musical especial onde a intensificação nos exercícios que envolvem prontidão de resposta tocando, cantando e no movimento corporal farão uma grande diferença no desenvolvimento do tempo de reação do aluno portador de atraso do desenvolvimento.

Nesta idade temos a nosso favor o facto de que essas crianças já apresentam alguma preferência instrumental estabelecida o que facilita a prática. Os instrumentos de percussão parece serem os preferidos não somente na nossa, mas em diversas culturas.

Trabalham através da música as noções de tempo, espaço, velocidade, ordem e casualidade que, de acordo com a sequência dos estádios são necessárias ao seu desenvolvimento global nessa idade. Uma técnica musicoterapêutica muito utilizada para esse fim é chamada espaço aberto, onde o silêncio ou pausa na música é utilizado como um sinal e estímulo à ação da criança, como por exemplo, a verbalização de uma palavra completando uma frase de uma canção. O mesmo acontece com as atividades instrumentais, onde além do espaço aberto o exercício em ritmos sincopados, típicos das músicas brasileiras, são um auxílio ao estabelecimento da prontidão das respostas.

O musicoterapeuta compõe especialmente músicas na forma de pergunta/resposta, onde linhas melódicas somente serão completadas se a criança executar o seu final. Outra forma bastante comum é a de eco, onde a criança repete a frase tocada pelo professor ou colega. Nessa idade são capazes de estabelecer relações entre diferentes aspectos da música, como sons graves e tambores grandes, uma música rápida a movimentos corporais rápidos, staccato a movimentos corporais de saltar, etc.

Elas não se limitam mais a uma representação imediata, mas ainda são altamente dependentes do mundo concreto para chegar a qualquer tipo de abstração.

Sabemos que essas habilidades são resultadas de uma prática musical desde o período sensório-motor. Mas, de acordo com Piaget, “a criança em qualquer idade faz o que é capaz praticando, isto é exercitando qualquer tipo de interação que lhe for acessível”.

Sabemos da importância da prática e número de repetições que são necessárias para a assimilação e acomodação do material a ser apreendido. Neurologicamente falando, todos nós precisamos de três a cinco repetições para alcançar a acomodação de uma informação. Esses jovens talvez necessitem de mais vezes ainda.

É crucial para o professor compreender o progresso musical que é esperado do portador de deficiência nessa idade. Para Swanwick e Tillman, se ficarmos privados da música por um pequeno período de tempo que seja a primeira e a mais chamativa impressão da música que teremos é ao nível sensorial.

Sabemos que muitas das nossas crianças que frequentam as escolas públicas talvez sofram esse tipo de privação cultural o que dificulta a atuação dos professores e a integração dos alunos junto aos demais colegas.
As salas de recursos, onde aulas particulares possam ser oferecidas por um musicoterapeuta, poderiam minimizar os efeitos dessa privação, normalizando o processo de integração à sala de aula de música.

MÚSICA NO AUXÍLIO À COMUNICAÇÃO, LINGUAGEM E SOCIALIZAÇÃO

A comunicação é um conceito abrangente. De acordo com Lathom e Eagle, comunicação é um conceito mais amplo que a linguagem ou fala. Só existe uma relação significativa entre as pessoas se existir comunicação entre elas. Para que a comunicação se estabeleça é necessário que haja troca de experiências.

Sabemos o que é cor vermelha, mas como a podemos descrevê-la a um deficiente visual? Para as pessoas em geral nós a mostramos. Portanto, existem elementos na nossa comunicação que são indescritíveis. Ao contrário, conceitos como o leve, o forte, o rápido e o lento podem ser vivenciados através da música no auxilio ao desenvolvimento perceptual desses conceitos.

Para Gfeller, o relacionamento humano é único por causa dos nossos sentimentos, emoções, experiências, ideias e conhecimentos que trocamos com as pessoas. Essa troca poderia não existir sem a comunicação.

Na nossa sociedade a palavra é o meio predominante de comunicação; porém vimos no estudo do caso de Lucas, que elas são apenas uma parte do
processo de nossa comunicação. Existem várias formas de comunicação não verbal como gestos, ruídos, sinais, ícones, pintura, dança e a música. Elas são uma quantidade tão grande da comunicação não verbal do nosso dia a dia que passamos a não estar atentos a ela.

Na educação especial ela é parte funcional e valiosa. É importante estar atento a ela e aprender um bom número de estratégias que acompanham características pessoais, como nos casos de portadores de autismo que se comunicam através da linguagem não verbal.

Para Vygotsky a linguagem é toda e qualquer forma de expressão. Ele coloca que:

O homem é um ser social e a linguagem, o instrumento das interações sociais que possibilita ao sujeito pertencer a uma cultura. A linguagem, aqui, não é compreendida como sendo um sistema abstrato de normas ou, apenas, atividade verbal. A linguagem vai muito além: é toda e qualquer forma de expressão. E está presente na arte, na pintura, na música, no cinema, no folclore, nos gestos, no olhar, na emoção, na respiração e, inclusive, no silêncio.

É comum se dizer que a música é uma forma de comunicação. Mas, para o portador de atraso do desenvolvimento ela vai além. Ela pode ajudar o indivíduo a comunicar seus sentimentos, o que é necessário para o equilíbrio da nossa saúde.

Outro tipo de comunicação que aprendemos na escola é a escrita. A notação musical tradicional é ensinada com sucesso para os alunos portadores de atraso do desenvolvimento leve. Já a notação simplificada na forma de representações gráficas de sons curtos, sons longos, palmas e outros, são comumente utilizados com sucesso para alunos com atraso moderado.

Todas essas formas de comunicação através da música talvez sejam a única maneira que muitos dos portadores de atraso do desenvolvimento tenham de se socializar musicalmente.

Envolvimento social

A participação dessas crianças em atividades musicais em grupo para cantar ou tocar são a preferência desses alunos. Nessas atividades eles podem exercitar e desenvolver vários níveis de capacidade física e intelectual.

Davis sugere que podemos organizar grupos que possam unir crianças que podem andar com aqueles que estão na cadeira de rodas. Aquelas com habilidades manuais com as que têm algum comprometimento no uso das mãos e dedos e agrupa ainda os com ou sem alterações sensoriais, fazendo-os participar na interação social através da música. Se podemos unir jovens que apresentam tais dificuldades em um espaço de ações partilhadas, com certeza de acordo com o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky a instauração desses grupos junto a alunos mais capacitados seria ideal ou até mesmo necessária.

Várias são as habilidades que podem ser alcançadas em atividades de grupo de música, entre elas, saber esperar, dar a vez, trocar, colaborar e inter-relacionar-se com os colegas, para muitas desses jovens elas podem ser difíceis de serem alcançadas se não forem praticadas desde a pré-escola.

Estudos em musicoterapia demonstram os benefícios da integração precoce em programas de música na inter-relação das crianças deficientes com os demais colegas na sala de aula. Já em outros estudos são levantadas as questões referentes aos possíveis reações comportamentais do jovem nessa idade diante de uma dificuldade na prática da música.

Comportamentos impróprios ou mal adaptados como, falar alto ou gritar quando o professor corrige algo errado, auto-agressão, levantar e sair da sala e chorar são problemas que alguns portadores de atraso do desenvolvimento podem apresentar quando estão frustrados diante de uma dificuldade.

Comentários e brincadeiras dos colegas podem também desencadear esses comportamentos. Com a ajuda de algumas técnicas podemos alcançar um maior envolvimento do aluno com os colegas. Entre elas esta a disposição dos alunos em sala. Atividades em círculo ou semicírculo facilitam o contato entre os alunos.

Exercícios de improvisação são uma das atividades preferidas e onde podemos ter como objetivo desenvolver o contacto visual com os colegas e saber ouvir os outros, desenvolvendo com isso a noção de dar e esperar a vez de cada um.

A composição coletiva é outra forma de cooperação, onde todos dão ideias para os versos de uma canção ou ainda para os temas musicais. O mais importante nas atividades de grupo é a variedade de habilidades que são adquiridas em experiências onde esses jovens podem praticar e melhorar sua competência social. Isso motiva o aluno em direção ao próximo estádio do seu desenvolvimento que o acompanhará até a idade adulta.

Muitas de nossas crianças somente terão oportunidade de adquirir tais habilidades sociais se, ao invés delas irem à escola, lhes forem oferecidos atendimentos individualizados e especializados. Residem em instituições até hoje desde a primeira infância por vários motivos. Muitas foram abandonadas pelos pais ou levados a esses locais devido ao seu estado de pobreza.

Caso ilustrativo

Este trabalho foi realizado em uma instituição filantrópica, o Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus, com o objetivo principal de proporcionar aos seus participantes residentes um contacto mais concreto com o mundo exterior, através de sua inclusão no 24º Festival de Inverno da UFMG realizado em 1992. Ao invés dos alunos irem até o festival, o festival foi até aos alunos que participaram da oficina intitulada Música: Possibilidades Expressivas. O objetivo principal desse trabalho foi o de levar aos residentes uma assistência beneficente que procurou estimular o interesse pela música como forma de cultura, lazer, socialização e comunicação, fortalecendo a auto-estima, habilidades e vocações dos alunos.
O curso teve a duração de quatro semanas, com aulas de educação musical especial de cinquenta minutos cada. Participaram 24 adultos e idosos residentes no local e 54 crianças e adolescentes portadores de paralisia cerebral sendo a maioria dos casos associados ao atraso do desenvolvimento.
Incluiu uma orientação aos professores e terapeutas da instituição, mais cinco estagiários, alunos dos cursos de graduação de psicologia, educação e fisioterapia da UFMG.

As atividades musicais foram voltadas essencialmente para a socialização e a comunicação entre os participantes, tendo a música como elemento estimulador.

Resumidamente, a avaliação dos alunos foi composta de um estudo do registo vocal por idade, habilidades motoras, de comunicação e preferências musicais das crianças. As atividades incluíram basicamente todas as estratégias e adaptações descritas até então nesse estudo. As aulas eram previamente planificadas mantendo durante as quatro semanas uma estrutura composta de 3 momentos.

Primeiro, a atividades de abertura, onde foi criada uma música especialmente para facilitar a memorização do nome de cada participante e um maior contacto entre eles, facilitando a comunicação e socialização.

Num segundo momento, foram criadas ou adaptadas canções contendo movimento “com” a música e movimento “através” da música onde foram utilizados instrumentos musicais selecionados por nível de dificuldade e idade dos participantes. A comunicação foi trabalhada através do uso da técnica de terapia de entonação melódica modificada, espaço aberto, eco e pergunta/resposta.

No terceiro e último momento da aula, uma atividade de encerramento era utilizada, onde através do uso de uma canção especialmente composta para o grupo, descrevia-se de forma resumida tudo o que fora feito naquele dia e logo a seguir alunos e professores se despediam.

Essa é uma estratégia de auxílio à noção espaço temporal, isto é a noção de duração da aula e generalização.

Vale ressaltar o caso de Filipe, com 11 anos de idade que além de apresentar um atraso do desenvolvimento, possuía as características acima descritas como comportamentos impróprios ou mal adaptados, caracterizados por gritos e auto-agressão que perduraram por duas semanas. No entanto, era visível a sua observação ao que estava sendo feito nas aulas e, repentinamente, após uma abordagem mais individual ele envolveu-se tanto com o objeto sonoro como com a musicoterapeuta, surpreendendo toda a equipa de trabalho. Trazia sempre para a aula um pano que esfregava nas mãos e boca que era utilizado para controlar seus gritos.

Após três semanas de aula, o musicoterapeuta retirou esse pano de suas mãos e introduziu o instrumento que observou ser sua preferência. Portanto, nesse caso a preferência instrumental foi o veículo para o estabelecimento do contacto social. Passou a interagir não somente com o musicoterapeuta, mas com os outros membros da equipa que já até tinham pensado em não levá-lo mais para as aulas devido aos seus gritos.

Filipe é um caso típico de atraso do desenvolvimento por privação sóciocultural. Após orientação ele demonstrou a sua capacidade de desenvolvimento cognitivo e adaptativo.

Criança tocando

Criança tocando

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Criança tocando, foto Newman Aaronson Vanaman

MÚSICA E ATRASO ENTRE OS 4 E OS 9 ANOS

por Cibelle Loureiro

Excerto de Musicoterapia na Educação Musical Especial de Portadores de Atraso do Desenvolvimento Leve e Moderado na Rede Regular de Ensino, por Cybelle Maria Veiga Loureiro. Minas Gerais 2010.

Uma criança portadora de atraso do desenvolvimento na idade de quatro a nove anos, talvez esteja com um desenvolvimento intelectual de uma criança de aproximadamente dois a sete anos. Em termos piagetianos esse estádio do desenvolvimento da criança caracteriza-se principalmente, pela interiorização de esquemas de ação construídos no estádio anterior o sensório-motor.

Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo é um processo de sucessivas mudanças qualitativas e quantitativas das estruturas cognitivas. Cada estrutura é derivada da estrutura anterior. A construção e reconstrução dessas estruturas seguem um padrão cognitivo e de idade cronológica mais ou menos determinada.

Somados ao objetivo principal de desenvolvimento do tempo de atenção, que continua sendo um dos mais relevantes, a auto identificação ou reconhecimento do eu, a verbalização, e o desenvolvimento da auto-estima e socialização passam a fazer parte dos objetivos das atividades de ensino. Para Vygotsky, nessa faixa etária a fase pré-verbal é substituída pela fase préintelectual da fala. “É uma nova forma de funcionamento psicológico, onde o pensamento torna-se verbal e passa a ter função simbólica e social” (Vygotsky).

Numa sala de recursos, num ambiente musicoterapêutico, técnicas multimodais acústicas são utilizadas no auxílio à verbalização. Estas incluem, basicamente, o uso de sons vocalizados ritmicamente, a discriminação de timbre e frequências em duas técnicas específicas.

A primeira a ser utilizada é a técnica de terapia de entonação melódica, onde é estabelecida a comunicação intencional verbal ou não verbal através da vocalização livre de sons e do uso do ritmo e da melodia no auxílio à comunicação básica, com ênfase nas proposições, sílabas e palavras simples.

Num segundo momento é utilizada a terapia de entonação melódica modificada, onde canções de preferência da criança são selecionadas pelo terapeuta e utilizadas no auxílio à fala e domínio do vocabulário. Muito do trabalho realizado na sala de recursos no auxílio à verbalização, somente se generalizará se os resultados obtidos forem praticados também no dia a dia da criança, e isso inclui a escola, onde nada seria melhor do à sala de aula de música, onde através das canções preferidas das crianças um vasto vocabulário pode ser exercitado.

Outros esforços devem ser dirigidos para o desenvolvimento do ritmo motor das crianças. Trabalhar música associada ao movimento é essencial para essas crianças. Os dois conceitos básicos de movimento “com” a música e movimento “através” da música utilizados em musicoterapia podem auxiliar os professores na escolha e implementação de objetivos específicos a serem alcançados por cada um dos alunos.

Nessa faixa etária, os movimentos com a música incluem um trabalho voltado para a consciência corporal e coordenação motora. Limitações na consciência corporal, ou seja, o posicionamento ou reconhecimento de partes do corpo ou de movimentação do corpo no meio ambiente são alguns dos motivos dessas
crianças se tornarem inseguras e inativas.

Comumente, o medo e a insegurança são gerados pela percepção distorcida ou ausente que a criança tem de seu próprio corpo. Atividades que incluem imitar movimentos ou nomear partes do corpo ou ainda mover-se livremente com a música podem ser árduas e difíceis dependendo do nível do comprometimento cognitivo e motor. Atividades rítmicas motoras deveriam estar incluídas na rotina das planificações de aula.

Movimento através do uso de instrumento musical é uma das atividades prediletas dessas crianças, porém a seleção dos instrumentos deve ser cautelosamente observada. Os instrumentos são selecionados de acordo o diâmetro, peso, timbre, posicionamento adequado e nível de esforço para execução.

Existem os instrumentos que exigem esforço mínimo, médio e máximo do desenvolvimento físico e cognitivo da criança. Um instrumento simples como as clavas, por exemplo, são executados aos pares, apresentam tamanhos, peso e espessuras diversas e a criança deverá batê-los fazendo um trabalho bi-manual de grande precisão. Exige uma boa coordenação viso-motora e de movimento na linha média do corpo, exigindo da criança atenção, organização corporal, e precisão rítmica.

Portanto, a utilização de um instrumento aparentemente simples como esse deve antes ser avaliada. Quando oferecemos um instrumento a essas crianças, devemos ter certeza que elas serão capazes de utilizá-los. O posicionamento da criança diante do instrumento e a tentativa de realizar os movimentos dentro de padrões normais são de suma importância.

Alguns instrumentos devem sofrer adaptações para que tenhamos a certeza de que as crianças vão poder executá-los. Uma orientação musicoterapêutica é recomendável. O uso de velcros, luvas e borrachas aderentes como adaptações são recursos normalmente utilizadas pelos musicoterapeutas.

O desenvolvimento do senso de previsibilidade também é um dos fatores de instabilidade emocional e pode ser trabalhado através do estabelecimento de uma rotina especifica. Manter uma estrutura fixa, no início, meio e fim de cada aula auxiliam a aproximação, estabelecimento de contacto, aumento do nível de participação e socialização.

Esses objetivos podem ser alcançados se forem utilizadas estratégias e adaptações específicas na prática e no processo de aprendizagem em exercícios individuais e em grupo que exercitem o contacto do professor com a criança e das crianças entre si.

APROXIMAÇÃO TRABALHANDO A COMUNICAÇÃO E O RITMO MOTOR

Trabalhando a Rotina

Para trabalhar a auto identificação da criança, pode ser útil o uso do nome da criança introduzido nos versos das canções, bem como na simples aproximação do professor, tocando ou vocalizando, enfatizando o contacto com cada criança em particular.

O trabalho inicialmente pode ser feito na forma de eco (o professor canta o nome de cada criança e todos repetem), para depois passar para pergunta/resposta. Ambas as formas auxiliam no desenvolvimento da prontidão ou tempo de resposta da criança, pois despertam a percepção do momento exato de agir.

A marcação rítmica silábica do nome da criança, bem como a marcação da sílaba tónica em um instrumento de percussão, é um grande auxílio ao desenvolvimento da verbalização e consequentemente do desempenho da criança nas atividades de canto.

Além de facilitar o desenvolvimento da verbalização, essa pode ser uma maneira de facilitar a comunicação. Quando cantamos ou dizemos o nosso nome a uma pessoa, mostramos que estamos dando um pouco de nós mesmos a ela; quando identificamos uma pessoa falando o nome dela, mostramos o nosso desejo de estar com ela.

Muitas dessas crianças necessitam de apoio para poderem comunicar-se. Alguns só conseguirão utilizar uma comunicação não verbal desenvolvendo a habilidade de indicar, isto é apontar objetos, pessoas e lugares, ou através de ícones ou sons significativos como o de negação e afirmação. A comunicação é um processo amplo, no qual as pessoas interagem e se relacionam, afetando ambas as pessoas envolvidas.

A comunicação é definida como o uso da troca de informações que precedem e auxiliam o desenvolvimento da linguagem. A habilidade de usar eficientemente a linguagem é vital para o desenvolvimento cognitivo e sucesso do indivíduo na sociedade. O resultado de um atraso no desenvolvimento da linguagem pode se refletir também no desenvolvimento adaptativo da criança. A música pode ser um meio de comunicação de sentimentos efetiva em varias situações.

Trabalhando o Ritmo Motor

O movimento é descrito pelas pessoas em geral como uma resposta natural à música. Porem, para algumas dessas crianças, a dificuldade de manter a atenção, de memória imediata e organização de informações auditivas, reduzem a precisão e capacidade de manter ritmicamente organizados os seus movimentos.

O grupo mais comum de portadores de disfunções motoras são os casos de paralisia cerebral, patologia de origem neurológica, ou nos problemas ortopédicos que acompanham as deficiências físicas, como os casos de paraplegia ou hemiplegia, onde o atraso do desenvolvimento pode ou não estar associado.

Existem quatro categorias de habilidades motoras que podem ser trabalhas em atividades rítmico-motoras: (1) habilidade motora fina, (2) habilidade motora grossa, (3) precisão motora e (4) força e resistência.

Habilidade motora fina consiste de movimentos que requerem o controle de músculos pequenos, como por exemplo, pegar uma baqueta ou tocar as teclas do piano.

Habilidade motora grossa envolve músculos maiores ou um grupo de músculos, como por exemplo, os que utilizamos para correr, marchar, pular, tocar um tambor, bater palmas ou balançar uma maraca. A extensão qualitativa e quantitativa no uso de habilidades motoras finas ou grossas que a criança está usando é determinada pela precisão, força e resistência que ela necessitara para atingir um alvo como tocar do piano, manter a sequência e velocidade de uma música ou sustentar um instrumento numa determinada posição como segurar um triângulo.

Trabalhando o desenho rítmico em instrumentos musicais

É recomendável o uso de músicas curtas, com não mais do que 8 compassos e com estruturas rítmicas simples. Os compassos 4/4 e 2/4 são utilizados inicialmente, pois essas crianças podem apresentar dificuldade em perceber compasso 3/4. Apresentam essa dificuldade e também com frequência pouca regularidade rítmica provavelmente devido a problemas de origem neurológica, que afetam a ritmicidade motora, que significa a capacidade biológica que possuímos de manter o ritmo ao executar várias funções como, andar e falar e mais recentemente pesquisada também em musicoterapia na neurologia.

Os instrumentos musicais devem ser criteriosamente selecionados desde o estádio sensório-motor. Se utilizados com critérios, eles serão os indicadores do desenvolvimento cognitivo e em especial do desenvolvimento motor da criança. Uma consultoria de um musicoterapeuta é aconselhável, pois ele seleciona os instrumentos de acordo com o diagnóstico e as habilidades e dificuldades de cada criança individualmente. Os instrumentos devem seguir certa sequência em sua utilização num processo educacional.

Por exemplo, quando se quer atingir uma coordenação motora fina e a criança não domina nem a motora grossa, deve-se começar utilizando primeiro instrumentos que exijam uma coordenação motora grossa e gradualmente introduzir materiais com os quais a criança atingirá o desenvolvimento nesse tipo de movimento.

Trabalhando o canto e uso de canções

Nesta fase, as canções já passam a ser selecionadas pelas crianças de acordo com a preferência e significado pessoal, ou seja, o desenvolvimento da identidade musical do indivíduo. O uso de canções curtas, mais ou menos com um minuto de duração, são as recomendadas, pois essas crianças podem apresentar défices na frequência e amplitude respiratória.

É importante ter em mente que o registo vocal dessas crianças é mais baixo, como nos casos da síndrome de Down e em alguns casos de paralisia cerebral. Os intervalos recomendados são Sib2 – Sol#3 (466.16 Hz – 830.61Hz) ou Si2 – Fá#3 (493.98Hz-739.99Hz) ou ainda La2 – La3 (440.00Hz – 880.00Hz) e de Dó3 – Sol3 (523.25Hz a 783.99Hz)23 (Zinar, 1987).

Talvez muitas dessas crianças só venham a cantar os refrões de muitas das canções, pois de todas as situações referentes ao uso de instrumentos musicais, o canto, que utiliza o próprio corpo. Assim, requer uma atenção ainda maior por parte dos professores e terapeutas, pois abrange vários fatores psiconeurofisiológicos, termo que remete à extensão do conhecimento multidisciplinar que nos é possível alcançar na ciência de hoje.

As causas da ausência de verbalização ou fala podem ser várias desde problemas neurológicos, como nos casos de autismo ou complexo autístico, associado ao atraso do desenvolvimento. Podem existir também problemas fisiológicos, como na síndrome de Down, onde além da frequência da voz, a articulação e formação das palavras talvez sejam as duas maiores dificuldades. Algumas dessas crianças não são verbais, mas utilizam à comunicação não verbal ou gestos e sons significativos.

Em todas as situações, existem opções que auxiliam o trabalho, como, por exemplo, facilitar a participação dos alunos ensinando-os a vocalizar sons em uma só vogal ou sílaba, tendo-se em mente a questão referente à extensão vocal.

Uma consultoria de um fonoaudiólogo ou musicoterapeuta especializado é necessária a fim de minimizar o problema da criança antes de aleatoriamente incluí-la em atividades de canto que possam agravar os problemas.

Criança tocando, foto Newman Aaronson Vanaman

Criança tocando, foto Newman Aaronson Vanaman

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Criança com síndrome de Down tocando guitarra

MÚSICA E SÍNDROME DE DOWN

por Anahi Ravagnani

Excerto adaptado de A Educação Musical de Crianças com Síndrome de Down em um contexto de interação social, de Anahi Ravagnani, dissertação de mestrado. Curitiba 2009.

Em relação ao ambiente, é entendido por Ilza Joly não somente como espaço físico, mas o lugar onde convivem indivíduos diferentes e, por Lev Vigotski, como espaço onde ocorrem as interações sociais entre os indivíduos que o constituem.

No que diz respeito ao espaço físico, o ambiente da sala, arejado, limpo, bem iluminado e tranquilo, contribui para que as crianças se sintam seguras e confortáveis.

A existência de brinquedos na sala chama a atenção das crianças que, em alguns momentos, se distraem com os mesmos. Para o bom andamento de uma aula de música, sugere-se, portanto, que não existam brinquedos ou objetos que possam distrair.

Para que a criança participe numa aula de música, não é necessário que utilize apenas a linguagem falada como forma de se expressar. Conforme apontou Lev Vigotski, a linguagem não deve ser entendida como um sistema rígido de regras determinadas e, não depende necessariamente do som.

Ainda na visão de J. Russell, uma aula de música difere das demais aulas baseadas na conversação ou na fala. Numa aula de língua estrangeira, por exemplo, a maneira principal do discurso é a explanação e a discussão. A fala e a escrita, neste caso, são os principais canais de comunicação entre o professor e o aluno.

Nas aulas de música, as atividades são geralmente colaborativas, e os conteúdos musicais são realizados por meio de ações como cantar, bater ritmos, gesticular e movimentar-se, por exemplo.

Além disso, as respostas esperadas dos participantes, também são diferentes em um contexto de uma aula de música. Para as crianças com Síndrome de Down, este aspecto do fazer musical torna-se essencial, já que a maioria destas crianças possui dificuldades em comunicar-se verbalmente.

Contudo, as razões desta dificuldade podem ser entendidas também pelas diferenças entre as crianças, tenham elas necessidades especiais ou não. Lembremos que a participação de uma criança numa atividade depende também do seu nível de interesse pela mesma, assim como da personalidade de cada uma delas. Algumas são mais extrovertidas, outras mais reservadas, por exemplo, o que pode ter um impacto direto sobre o desenrolar das aulas.

As crianças utilizam constantemente canais não-verbais no decorrer das atividades, como gestos, olhares e posturas. Uma criança que no início não estabelece contato visual poderá vir a comunicar com todos. Não só pelo olhar, mas, também, por meio do contacto físico solicitado pela música, pela sua postura de atenção na atividade que exige mais concentração, pela alegria demonstrada na forma dos sorrisos que surgem ao longo das aulas e pela interação observada nos demais momentos. A criança que demora a exprimir-se nas atividades poderá vir a sentir prazer com as suas realizações musicais.

A utilização de um “canal musical” como forma de expressão, por meio do ato de cantar, gesticular, movimentar-se e bater os ritmos, vai-se transformando durante toda a experiência. No início de um processo, as crianças imitam os gestos do musicoterapeuta, formas de cantar e tocar. No final, cada criança tem o seu jeito próprio de participar na atividade.

Cada participante tem uma pulsação rítmica própria e constante, um modo de tocar diferente, uma maneira individual de responder ao canto de entrada, assim como uma resposta diferente. O musicoterapeuta conhece e respeita a forma de realização e empenho de cada criança, procurando propiciar um ambiente de interação e confiança mútua entre os participantes.

As atividades musicais oferecem às crianças que não têm uma linguagem verbal fluente uma possibilidade de expressão. Ao possibilitar às crianças a realização das atividades dentro de um ritmo próprio e individual, procura-se a valorização da autoestima de cada uma delas.

No que se refere à interação, constrói-se um relacionamento de confiança e afeto estabelecido entre o musicoterapeuta e o grupo, permitindo que ele se possa aproximar dos participantes e, por meio das atividades musicais possa agir como mediador da aprendizagem musical.

Este aspecto da aprendizagem mediada está de acordo com a concepção de Vigotski, na qual a aprendizagem ocorre num processo mediado pela interação com os outros, que, por sua vez, leva o indivíduo ao desenvolvimento cognitivo.

A mesma opinião é defendida por Mac Donald & Miell. Os autores ressaltam a importância da ação mediada na construção do conhecimento musical. Adicionalmente, os autores relatam que o estabelecimento de uma relação de confiança mútua entre os integrantes de um grupo, neste caso especificamente musical, contribui para que os indivíduos expressem suas próprias ideias, ouçam as ideias dos outros e, juntos, encontrem caminhos possíveis para solucionar um problema.

A importância do “outro social” no desenvolvimento do indivíduo também é ressaltada por Vigotski quando se refere ao contexto de interação social. Um indivíduo mais apto em interação com os demais, melhora e cria possibilidades de desenvolvimento da aprendizagem.

Partindo do pressuposto de que a deficiência é dada por determinadas condições orgânicas e históricas, que não se traduzem em impossibilidades, o musicoterapeuta oferece às crianças as mesmas oportunidades de vivência musical.

Cada criança difere da outra por meio de muitas características diferentes. O que as une, a Síndrome de Down, não as agrupa em um mesmo padrão de comportamento e aprendizagem. Ao invés disso, cada criança é diferente no modo como olha, fala, sente, responde e aprende.

Criança com síndrome de Down tocando guitarra

Criança com síndrome de Down tocando guitarra

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Criança hiperativa
MÚSICA E HIPERATIVIDADE

por Adriana Catarina de Carvalho de Paiva, Maria Bernadete Zagonel, Maria de Nazaré Vasconcelos Arouck, Silene Trópico e Silva

A Música Como Recurso para a Aprendizagem do Aluno Hiperativo: Relato de uma Experiência

Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na América Latina – 2007.

RESUMO

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H, catalogado sob CID-10) é um transtorno neurobiológico de origem genética e suas características são distração, impulsividade e hiperatividade.

A criança/adolescente em idade escolar com TDA/H é aquela que, além do normal para a idade, tumultua o ambiente, tem dificuldades em obedecer, tem problemas de auto-estima e é solitária. O seu rendimento escolar é baixo mesmo sendo inteligente, pois não consegue “parar” para aprender.

A música, por meio de técnicas da musicoterapia, tem sido usada como auxiliar nesses transtornos, por prescindir de palavras. A presente pesquisa realizou atividades musicais com 6 alunos portadores de TDA/H durante 6 meses, procurando levá-los a uma nova tomada de consciência por meio do fazer musical, com foco em: precisão rítmica, treino de melodias em grupo de modo a estimular a integração entre os alunos, atenção à diversidade de timbres dos instrumentos, audição orientada para musicas variadas.

Os encontros musicais serviam como terapia alternativa àquelas tradicionais para hiperativos e, além de sensibilizá-los musicalmente, procurou-se fazê-los perceber que a disciplina conseguida poderia ser estendida a outras situações da vida principalmente na escola, melhorando o seu rendimento escolar.

INTRODUÇÃO

Um dos desafios da vida escolar, tanto para quem ensina como para quem aprende, é a chamada hiperatividade: alunos que não conseguem ficar quietos e tumultuam o ambiente, prejudicando a sua aprendizagem e a da turma. A partir da vivência com alunos hiperativos, percebeu-se a possibilidade da utilização da música com fins terapêuticos, centrada no auxílio à aprendizagem.

As técnicas musicoterápicas utilizadas combinam o agir-fazer musical com a terapia, pois tal como é definido pela literatura, o campo de atuação da musicoterapia envolve a combinação dinâmica de muitas disciplinas destas duas áreas do conhecimento, que devem misturar-se para chegar-se a um objetivo profissional (BRUSCIA, 2000). Tem-se, de um lado, o fazer musical consciente e competente, com a devida noção do poder da música sobre os indivíduos, e por outro, técnicas de terapia.

1. A HIPERATIVIDADE EM CRIANÇAS

Os estudos apontam a hiperatividade como um transtorno neurobiológico de origem genética. Atualmente é catalogado na medicina sob o CID-10, com a denominação de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H). É mais comum entre crianças e adolescentes do sexo masculino, e os seus sintomas podem estender-se até à vida adulta, porém mais brandamente. As características principais são: impulsividade e desatenção. Há pessoas que apresentam apenas a desatenção (Transtorno do Déficit de Atenção: TDA) e outras, cerca de 50%, demonstram também agressividade, comportamento mentiroso e oposição.

Uma pessoa com TDA/H influencia o ambiente em que vive, geralmente negativamente: na família é sempre o responsável por situações embaraçosas; na escola é inicialmente bem aceite por ser agitado e brincalhão, porém, como também é competitivo e por não saber compartilhar, vai aos poucos perdendo as amizades (PHELAN, 2005). Algumas das consequências das citadas características é a baixa tolerância à frustração e a tendência ao isolamento, o que faz das pessoas com TDA/H seres humanos com baixa auto-estima.

No entanto, é importante ressaltar que uma criança considerada inadequada para trabalhos minuciosos, para estudos em grupo e outras atividades que exijam concentração, pode se mostrar ótima companheira de jogos, pois num local entediante, sem brinquedos, ela dá sempre um jeito de inventar mil brincadeiras (já que não consegue ficar parada).

Esta mesma capacidade inventiva pode manifestar-se em modos diferentes de resolver questões matemáticas (que nem sempre estarão corretas), ou sugestões originais para algum problema, visto que é impulsiva e geralmente falante. (SILVA, 2003). Isso tudo revela, sem dúvida, um alto índice de inteligência, grande capacidade criativa e potenciais que só esperam um modo ou forma para desenvolver-se.

O diagnóstico e tratamento para este transtorno devem ser feitos por uma equipa multidisciplinar que envolve a família, a escola, psicólogos, médicos e terapeutas.

Atualmente, combina-se o uso de medicação (psicoestimulantes, que paradoxalmente agem aumentando a atividade cerebral, mas criando condições para que o cérebro do hiperativo mantenha um controle sobre a impulsividade, vigilância e atenção) com terapias comportamentais, artes-terapias e a musicoterapia.

Partindo-se da verificação de que o aluno com TDA/H possui importante capacidade criativa e espontaneidade nas suas ações e que tais características são de grande valia no meio artístico, planeámos e desenvolvemos vivências musicais direcionadas à interação entre os participantes, à observação e avaliação de seus comportamentos, estimulando a sua participação e vibrando com os seus progressos, a fim de elevar a sua autoestima.

Tendo por base estas informações, atividades musicoterápicas foram desenvolvidas em ambiente escolar com alunos que apresentam problemas de aprendizagem, alguns portadores de TDA/H, e outros apenas com TDA, como se passa a relatar.

2. ATIVIDADES MUSICOTERAPÊUTICAS

Foram selecionados 6 meninos com idades entre 8 e 11 anos, estudantes de um colégio particular de Belém-PA, Brasil. A seleção ocorreu por meio de avaliação com os orientadores educacionais e através dos pais, que deram a anuência ao trabalho, assim como a direção do Colégio.

Foi feita uma entrevista com os pais, que na ocasião preencheram uma ficha de anamnese sobre seus filhos. Durante o desenvolvimento do trabalho de atividades musicais com fins terapêuticos a comunicação entre as pesquisadoras, pais, professores e orientadores educacionais foi constante.

No próprio colégio onde os alunos estudam, mas em dias e horários diferentes dos das aulas, as pesquisadoras dispuseram de uma sala com almofadas, aparelho de som, instrumentos musicais (violão, teclado e percussão variadas), material de desenho e pintura.

Formaram-se dois grupos com três alunos cada, trabalhando-se por uma hora com cada grupo, uma vez por semana. As atividades musicais foram realizadas visando a melhorar a atenção e a concentração dos alunos e promover a sua socialização.

De início percebeu-se a aptidão do grupo para batidas e chocalhos, apesar de terem à disposição instrumentos melódicos e orientação para extrair os sons destes instrumentos. Assim, foram realizados vários jogos com instrumentos de percussão onde se procurava despertar sincronia, pulsação, interatividade e leitura de partituras alternativas.

As combinações sonoras levaram à formação de parcerias entre instrumentos diferentes como forma de estimular a interação entre o grupo: chocalhos e tambores de diferentes timbres deveriam se comunicar entre si. Procurava-se a compreensão de que, tal como os instrumentos musicais, as pessoas também devem saber se comunicar. Foi promovida a escuta atenta e direcionada de trechos de músicas selecionadas, a fim de sensibilizá-los musicalmente. Em cada aula procurou-se focar um ponto, porém com atividades variadas de curta duração (10 a 15 minutos) respeitando a pouca tolerância que o portador de TDA/H tem para se concentrar.

A avaliação sobre estas atividades foi feita durante todo o processo em que os pais, professores e orientadores eram instados a manifestar-se sobre o desempenho e comportamento, além da observação das pesquisadoras feita com base nos trabalhos desenvolvidos por eles.

3. RESULTADOS

Após o período de 6 meses, verificou-se uma melhoria na auto-estima das crianças, que mostraram a sua alegria em participar nas atividades musicais. O facto de conseguirem seguir comandos e obedecer a regras foi um fator que lhes deu mais confiança em si mesmas, o que se refletiu em outros campos. E foi neste contexto que pudemos observar que:

a) se o aluno considera a atividade interessante, sua atenção é total;

b) a música vivenciada como prática de conjunto propicia a interação e a sociabilidade;

c) é possível fazer a relação entre uma individualidade timbrística e as diferenças entre as pessoas;

d) o trabalho com sons exige alta concentração, obtida com a escuta e a perceção musical de forma lúdica e agradável. Enfim, esta relação de intimidade com a música no manuseio dos instrumentos proporciona a ideia de liberdade, disciplina e organização, tão necessárias à aprendizagem na sala de aula, porém, às vezes, tão ausentes, principalmente tratando-se de alunos hiperativos.

CONCLUSÃO

Ao trabalhar com atividades musicoterapêuticas com essas crianças, verificámos o grande contributo destas dinâmicas para o desenvolvimento escolar: na medida em que o aluno se interessa pelas atividades ele fica entusiasmado, começa a seguir comandos, e a cada acerto torna-se mais motivado, e assim, como num espiral ascendente a sua auto-estima vai-se fortificando.

Os 6 alunos tinham em no seu histórico escolar a marca das notas baixas, e em alguns casos a aprovação mediante critérios diferenciados, já que não conseguiam fazer provas como as demais crianças.

Após o trabalho musical – com exceção de uma das crianças cuja família se mudou para outra cidade, tendo que interromper o trabalho – apenas um aluno ficou reprovado; 1 passou para o ano seguinte ainda por avaliação diferenciada e os demais foram avaliados normalmente e passaram de ano. Os pais reiteraram progressos no seu convívio social com a família e amigos.

Além disso, percebeu-se que o tratamento para este tipo de transtorno não está apenas em remédios, mas pode contar com o auxílio essencial de terapias alternativas e de formas não-convencionais de ensino para a busca de melhores resultados escolares.

Outras crianças juntaram-se ao grupo inicial no segundo semestre e, apesar de não fazerem parte do grupo de estudo, o trabalho realizado com elas serviu para confirmar os resultados satisfatórios alcançados com o primeiro grupo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENENZON, Rolando. Teoria da Musicoterapia. 3ª ed. São Paulo: Ed. Summus, 1988.

BRUSCIA, Kenneth E. Definindo Musicoterapia. 2ª ed. RJ: Enelivros.

CONDEMARIN, M.; GOROSTEGUI, M; MILICIC, N; TDA: Estratégias para o diagnóstico e a intervenção psico-educativa. 1ª ed. São Paulo: Ed. Planeta, 2006.

JEANDOT, Nicole. Explorando o universo da música. 2ª ed. SP: Editora Scipione, 1997.

LELONG, Jean-Jacques S. Guy. As Obras-Primas da Música. 1ª ed. SP: Martins Fontes, 1992.

NOVARTIS BIOCIÊNCIAS S.A. Com Desatenção e Hiperatividade não se Brinca. Livreto TDAH, SP.

PAIN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. 4ª ed. Porto Alegre, RS: Ed. Metrópole S.A, 1992.

PHELAN, Thomas W. TDAH, Sintomas, diagnósticos e tratamento. 1ª ed. SP: Ed. M. Brooks, 2005.

ROHDE, L. e BENCZIK, E. Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade: o que é, como ajudar. 1ª ed. Porto Alegre: Ed. Artmed, 1999.

SILVA, Ana Beatriz B. Mentes Inquietas: entendendo melhor o mundo das pessoas distraídas, impulsivas e hiperativas. 34ª ed. SP: Ed. Gente, 2003.

Criança hiperativa

Criança hiperativa

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Criança com Síndrome de Asperger

MÚSICA E ASPERGER

Excerto de Musicoterapia e Síndrome de Asperger: Relato de Experiência, Rosalina Gonçalves Abadia, Ivany Fabiano Medeiros, Fernando Gonçalves Abadia, Tereza Raquel M. Alcântara-Silva, Revista de Musicoterapia, Brasil.

A Síndrome de Asperger está inserida no espectro autista, todavia se diferencia do autismo clássico por não apresentar nenhum atraso ou retardo global no desenvolvimento cognitivo ou da linguagem do indivíduo (CÓDIGO CIE-9-MC, 2009).

Segundo Tânia Nogueira, quanto menor for o comprometimento do autista mais consciente ele será de sua situação, o que pode conduzir secundariamente a um quadro de depressão. A autora esclarece que os autistas mais comprometidos são considerados de “baixo funcionamento” e os menos comprometidos, de “alto funcionamento”; estes últimos são capazes de levar uma vida normal.

E continua dizendo que, na extremidade mais leve do espectro, os asperges falam perfeitamente bem e só apresentam dificuldade na linguagem quando esta precisa ser utilizada como meio de contato social.

Neste contexto acreditamos que a música, conforme afirma Bang, pode estabelecer contactos sem, necessariamente, recorrer à linguagem. Assim, na Musicoterapia, encontramos um potencial não utilizado em outros meios de comunicação que auxilia este paciente no desenvolvimento da linguagem.

A Musicoterapia, de acordo com a definição da World Federation of Music Therapy, utiliza a música e/ou seus elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia) produzidos pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupos, em um processo estruturado com o intuito de facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva).

Desse modo, é possível desenvolver potencialidades e/ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele alcance melhor integração intra e interpessoal e, consequentemente, conquiste melhor qualidade de vida.

Pode, ainda, ser definida como a utilização da música de forma científica com objetivos terapêuticos voltados para a prevenção e/ou a restauração da saúde física, mental e psíquica, com o intuito de melhorar a qualidade de vida do indivíduo. Portanto, a ação do musicoterapeuta faz parte da reabilitação do paciente como um todo (Tereza Alcântara-Silva, 2005).

Entre as técnicas utilizadas em Musicoterapia para se alcançar objetivos terapêuticos, encontra-se a Improvisação Musical, que consiste em conduzir o cliente na improvisação de letras, melodias e/ou o acompanhamento de uma canção.

Criança com Síndrome de Asperger

Criança com Síndrome de Asperger

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