El Sistema
Vânia Moreira
O início do El Sistema remonta a 1975, surgindo com o intuito de promover a inclusão e desenvolvimento dos jovens socialmente desfavorecidos.
José António Abreu assumiu a liderança deste projeto social que reconhecia na música a sua principal ferramenta de intervenção, sendo reconhecida a sua perseverança, determinação e paixão pelo projeto, como fatores determinantes para o sucesso em que o El Sistema consiste atualmente.
O projeto começou de forma humilde, numa garagem, com apenas 11 alunos. Ao longo dos dias iam aparecendo sempre novos jovens, sendo que no quarto dia José António Abreu tinha já perante si 75 alunos. Foi neste contexto que surgiu a Orquestra Sinfónica Nacional Juvenil da Venezuela. Atualmente, são mais de 350 mil as crianças e jovens que integram o El Sistema, divididas por 180 núcleos (escolas de música) que se estendem por todo o país. Sendo a Venezuela um país com um elevadíssimo índice de criminalidade – em 2012, a taxa de homicídio era três vezes superior à do Iraque e quatro vezes superior à do México – José António Abreu lutou pela sua crença de que a música deveria exercer a sua função na sociedade, e que, proporcionando aos jovens e crianças mais desfavorecidos o acesso a uma formação musical livre e intensa, poderia influenciar positivamente as suas vidas e, consequentemente, os problemas sociais que elas vivenciam.
Assim, dos mais de 350 mil alunos que atualmente integram o projeto, mais de 80% são provenientes de meios socioeconómicos desfavorecidos. Tendo em conta as frágeis condições financeiras das famílias dessas crianças, todos os encargos (instrumentos, aulas, visitas, partituras e até mesmo apoio social, caso esse seja necessário) são providenciados pelo projeto, sendo que a única condição estipulada é que a criança deseje e concorde em integrar um dos núcleos do projeto.
Geralmente, as crianças integram os núcleos em idade pré-escolar, podendo iniciar a partir dos dois anos de idade. Aí começam por trabalhar a linguagem corporal, o canto e o sentido rítmico, passando a aprender um instrumento assim que o consigam segurar. Nesta fase, a dimensão do coletivo é desenvolvida sobretudo através das aulas de coro. A partir dos 7 anos, a criança escolhe o seu instrumento (caso ainda não o tenha feito previamente) e integra a orquestra. Nos anos que se seguem, os alunos vão fazendo a transição entre as sucessivas orquestras, integrando a orquestra pré-infantil entre os 7 e os 8 anos, a orquestra infantil entre os 10 e os 12 anos, e a orquestra juvenil dos 13 aos 16 anos de idade. A formação é contínua e intensa, com um total de quatro horas de aulas por dia, e seis dias por semana.
Apesar de as aulas individuais de instrumento serem uma parte importante do processo de aprendizagem, o foco do ensino centra-se nas aulas de grupo – naipe e orquestra. É nessas aulas que se vai desenvolver no aluno a perceção humana do seu papel na sociedade, a sensação de pertença a um grupo, e valores como a solidariedade, a entreajuda, a perseverança, e o compromisso para com os outros e para com a sociedade. No El Sistema o grupo assume a primazia, mas com a consciência da importância de cada elemento. Nesse sentido, procura-se estabelecer sempre uma relação próxima e presente com cada aluno e também com a sua família.
Quando um aluno integra o El Sistema, os professores dirigem-se a casa dos pais para explicar o modo de funcionamento do projeto e como devem ajudá-lo e orientar o seu estudo. O mesmo acontece se a criança faltar às aulas no núcleo duas vezes sem aviso prévio. O acompanhamento à família prossegue também quando um aluno integra uma orquestra juvenil ou uma orquestra da cidade, sendo-lhes oferecida uma bolsa que recompensa o esforço e trabalho do aluno, mas que também ajuda a família financeiramente para que permitam que o aluno possa continuar a estudar em vez de trabalhar.
A nível pedagógico, o El Sistema valoriza bastante a criatividade dos professores. Esforçando-se por adaptar a metodologia europeia à sua cultura e à realidade do projeto, os professores conseguiram estabelecer uma ponte sólida onde a disciplina, o trabalho de equipa e o empenhamento caminham lado a lado com um suporte de segurança e apoio a cada aluno. Atualmente, dos cerca de seis mil professores que integram o projeto, a grande maioria são ex-alunos do mesmo, pelo que têm em si perfeitamente incutidas as linhas orientadoras do projeto, tanto a nível social como musical.
A avaliação quantitativa (tão intrincada na metodologia europeia) é aqui substituída por audições e concertos públicos. Mesmo os alunos mais novos têm atuações públicas regulares para que, desde o início, aprendam a lidar com a pressão e a geri-la, e para que esses momentos de execução instrumental passem a ser uma parte natural da sua vida. O repertório abordado abrange não só obras de compositores consagrados da música erudita, mas também de compositores da América Latina e música tradicional venezuelana, no sentido de facilitar a aproximação e integração do projeto nas comunidades em que se insere.
Dependendo do nível técnico de cada orquestra, determinado repertório pode consistir em arranjos das obras para as orquestras mais jovens, sendo introduzidos os originais da respetiva obra somente nas orquestras mais avançadas. No caso de quererem prosseguir os estudos musicais, os alunos podem dar-lhes continuidade no Conservatório de Música Simón Bolívar, em Caracas, e no Instituto Universitário de Estudos Musicais, tendo a possibilidade de completar os ciclos de Mestrado e de Doutoramento nesta instituição graças à parceria existente com a Universidad Simón Bolívar da Venezuela.
Com o nível de excelência que os alunos atingem ao longo da sua formação no El Sistema, têm também a oportunidade de concorrer a qualquer universidade dentro ou fora da Venezuela. Quando José António Abreu iniciou a implementação do que viria a ser o El Sistema, só existiam duas orquestras sinfónicas na Venezuela, constituídas maioritariamente por instrumentistas europeus. À Orquestra Sinfónica Nacional Juvenil da Venezuela, que nasceria aquando da criação do El Sistema, suceder-se-ia aquela que viria a constituir um dos mais importantes e mais bem sucedidos empreendimentos deste projeto, a Orquestra Sinfónica Simón Bolívar – cuja estreia decorreu brilhantemente, em 1977, num concurso internacional na Escócia.
Consciente da importância e das proporções que o projeto delineado por António José Abreu estava a atingir, o Governo Venezuelano, em 1979, constituí a Fundación del Estado para El Sistema Nacional de las Orquestas Juveniles e Infantiles de Venezuela (FESNOJIV), com o intuito de proteger este projeto e permitir-lhe as condições necessárias para desenvolver uma estrutura operativa e administrativa sólida. O projeto pôde assim crescer de tal forma que, atualmente, são já 30 as orquestras sinfónicas profissionais que existem por toda a Venezuela, partilhando o panorama cultural com as mais de 200 orquestras juvenis e infantis que se encontram em constante crescimento.
A internacionalmente reconhecida Orquestra Sinfónica Simón Bolívar constitui o expoente máximo de qualidade resultante do El Sistema – atuando frequentemente nas salas de concerto mais importantes dos continentes europeu, asiático e americano; partilhando o palco com solistas, maestros e grupos consagrados no panorama musical mundial; e contando já com um considerável registo discográfico patenteado por editoras como a Dorian ou a Deutsche Grammophone.
Contudo, com a expansão do projeto, têm-se vindo a destacar novas orquestras como é o caso da Orquestra Juvenil Teresa Carreño e da Orquestra Sinfónica Juvenil de Caracas. Para além de toda a dimensão que as orquestras e os coros assumem no projeto de José António Abreu, há ainda mais dois programas de formação que decorrem em paralelo mas com uma exposição menor: o Centro Nacional Audiovisual de Música Inocente Carreño e o Centro Académico de Luheria. O primeiro é responsável por formação na área de produção e edição musical – é neste centro que decorre todo o processo de gravação e produção, assim como de programação e de difusão, em formato de áudio e de vídeo, de todos os concertos realizados pelas orquestras do projeto. Ao segundo, cabe sobretudo a responsabilidade da formação de alunos na construção, reparação e manutenção dos instrumentos musicais.
No sentido de tornar o programa mais abrangente e acessível a crianças e jovens com necessidades educativas especiais (resultantes de problemáticas como défice de atenção, autismo, problemas auditivos, cognitivos ou visuais), foi criado, em 1995, um Programa de Educação Especial que possa integrar esses alunos. Pelo exposto, facilmente se pode constatar que o sucesso do El Sistema se tem comprovado pelos seus próprios resultados.
Com o crescimento do projeto, que se estende agora por toda a Venezuela, são cada vez mais os músicos de altíssima qualidade que surgem como produto do El Sistema e que desenvolvem uma carreira artística pelos principais centros musicais mundiais – como é o caso do maestro mundialmente reconhecido Gustavo Dudamel, ou do contrabaixista Edicson Ruiz que ingressou na Orquestra Filarmónica de Berlim com apenas 17 anos de idade. São muitos os músicos profissionais formados pelo El Sistema. Mas, para além de músicos extraordinários, este projeto foi também o ponto de partida que permitiu a estabilidade e confiança necessárias para muitos outros jovens que o frequentaram poderem definir objetivos e carreiras profissionais. Já com cerca de dois milhões de alunos formados no projeto desde a sua criação, encontram-se entre eles excelentes músicos, mas também advogados, médicos, professores, entre outros.
O reconhecimento tem surgido a nível mundial, quer por entidades como a UNICEF e a UNESCO, quer por figuras públicas das mais diversas áreas, sendo o El Sistema atualmente apontado por diversas fontes como o mais importante acontecimento na música do século XXI. O trabalho que José António Abreu desenvolveu com o Sistema Nacional de Orquestras e Coros Juvenis e Infantis da Venezuela tem merecido várias distinções, de entre as quais se pode destacar, por exemplo, o Prémio Nacional de Música, em 1979; a sua nomeação pela UNESCO, em 1995, para representante especial para o desenvolvimento de um sistema mundial de Orquestras Infantis e Juvenis; a sua premiação, em 2009, com o Prémio TED e com o Prémio Polar Music, e, em 2013, com o Prémio Nacional América, em Nova Iorque; a estes somam-se ainda o Prémio Yehudi Menuhin; o Prémio Don Juan de Borbón; o Prémio Especial de Cultura do Japão; o Prémio de Cultura Interamericano Gabriela Mistral; o Prémio Príncipe de Astúrias das Artes, em Espanha; e o Prémio da Paz de Seul, na Coreia.
Destacam-se ainda vários doutoramentos concedidos por universidades venezuelanas e internacionais e, mais recentemente, a sua nomeação pela respeitosa revista norteamericana Fortune como um dos 50 líderes mais influentes do mundo – sendo já várias as entidades que referem José António Abreu como um digno nomeado para o Prémio Nobel da Paz.
Com o reconhecimento mundial que o El Sistema tem recebido, a sua difusão é cada vez maior, tendo sido já implementados programas que se inspiraram no projeto de José António Abreu em cerca de 55 países espalhados por diversos continentes. Apesar da dimensão e consolidação que o projeto já assumiu na Venezuela, este não é o ponto de chegada deste projeto, mas sim o percurso. Novos objetivos são constantemente definidos pela equipa que coordena o El Sistema e um deles é que, em 2019, o projeto integre um milhão de crianças.
A aprendizagem de um instrumento musical em contexto individual e em contexto de grupo, por Vânia Filipa Tavares Moreira – Mestrado em Ensino de Música – Instrumento e Música de conjunto – Orientadora Doutora Maria Luísa Faria de Sousa Cerqueira Correia Castilho, Coorientadora Especialista Catherine Strynckx. Instituto Politécnico de Castelo Branco, Escola Superior de Artes Aplicadas, janeiro de 2015
El Sistema e Dudamel
Reciclanda, música e poesia para um mundo melhor
O projeto Reciclanda promove a reutilização, reciclagem e sustentabilidade desde idade precoce.
Com música, instrumentos reutilizados, poesia e literaturas de tradição oral, contribui para o desenvolvimento global da criança e o bem estar dos idosos. Faz ACD e ALD (formações de curta e longa duração) e dinamiza atividades em colónias de férias com crianças. Apresenta-se nas áreas da educação e da sustentabilidade em festivais.
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António José Ferreira:
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