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Mãe embala o bebé

Cristina Rolim Wolffenbüttel, Canções para embalar o sono: Uma pesquisa sobre os acalantos, in Processos Educacionais e Artísticos da Performance Musical: Uma Prática com Propósito. Atena Editora 2019, 203-205.

Excerto, com adaptações ao Português europeu

(…) De um modo geral, os acalantos (ou canções de embalar) são pequenos trechos musicais com uma letra singela, própria para embalar crianças, fazendo-as adormecerem. A melodia é muito simples, sendo uma das formas mais rudimentares de canto.

Acalanto é o nome que se dá a pequenas e simples canções, que por força da tradição, os adultos cantam baixo para acalmar os bebés, de forma propositadamente suave, doce e por vezes repetitiva, para induzir o sono. Para se referir a esse tipo de canção existem, também, outros termos, como cantigas de embalar, cantigas de berço, acalento, canto de berço, dorme nenê e nana nenê. Câmara Cascudo
Reciclanda, música e poesia para um mundo melhor

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Praticamente em todo o mundo, incluindo povos primitivos, estas cantigas podem ser encontradas. Diferentes nomes se apresentam de acordo com o país ou região.

Dentre as diversas localidades, podem ser encontradas as seguintes denominações para os acalantos: wiegenlied ou wiegenganz, na Alemanha e Holanda; liulkova piesen, na Bulgária; lulle, na Dinamarca; canción de cuña, coplas de cuña, nanas, na Espanha; lullaby, nos Estados Unidos; berceuses, endormeuses, na França; lullaby, na Inglaterra; ninne nannes, na Itália; wiegenganz, na Macedônia; cantiga de macuru, no idioma Nheengatu; kalebka, na Polônia; cantigas de arrolar ou de embalar, em Portugal; bresarella ou bresarello, no Provençal Moderno; cântec de légan (léagan), na Romênia; kolybélhnaia, na Rússia; e lulla, na Suécia.

Quanto à historicidade dos acalantos no Brasil, podem ser observadas raízes de diversos povos. Opto, no entanto, neste artigo, por apresentar as influências portuguesas, africanas e indígenas.

A maior parte dos acalantos brasileiros são oriundos de Portugal, passando por diversos lares do país, sendo transmitidas oralmente. Essa contribuição pode ser notada, principalmente, nas referências a seres fantásticos, como a cuca – personagem mítico de Portugal – e as figuras ou santos religiosos, como a Nossa Senhora, São José, Menino Jesus, dentre outros.

Os acalantos são, muitas vezes, trechos ou variantes de outras canções. Pode ser entendido a variante como a mesma canção existente em diversas localidades geográficas, porém modificada em algum aspecto, apresentando características próprias de cada local. Além disso, podem apresentar-se como canções populares, cantos de igrejas ou mesmo lengalengas infantis adaptadas para serem entoadas como acalanto.

Essas lengalengas são, na sua maioria, de influência portuguesa, como já referido; constituem-se de pequenos versos, de cinco ou seis sílabas, servindo para entreter, acalmar, divertir, para escolher que deve iniciar o jogo ou para escolher os participantes da brincadeira. Um exemplo bastante conhecido no Brasil é a fórmula de escolha “Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato…”.

Contudo, a influência portuguesa não foi exclusiva nos acalantos brasileiros. Os povos africanos também contribuíram muito para a caracterização desse género musical no Brasil. Diversas pronúncias foram modificadas durante a prática dessas cantigas para os filhos dos senhores, como a palavra fio, ao invés de filho, entre outras modificações nas letras. As palavras onomatopaicas, ou seja, aquelas que imitam o som natural da coisa significada, bem como as palavras africanas, como tutu, angu, cururu, sururu, calunga, também estão muito presentes nos acalantos brasileiros. Dessa forma, as mães pretas embalavam os filhos dos senhores, sendo esta uma contribuição que permaneceu muito presente no Brasil, transmitida a diversas gerações.

As cantigas de ninar indígenas são, também, extremamente fascinantes. Muito carinhosos, os índios, ao acalantar seus filhos, costumam proceder de modo característico e amoroso, o que influenciou marcadamente o Brasil.

Emissão vocal

A melodia dos acalantos é bastante simples podendo, às vezes, ser inventada e improvisada por quem acalanta. Além disso, a canção também pode ser entoada sem a letra original, utilizando outros recursos para a emissão do som da melodia. Dentre as diferentes modalidades que as cantigas podem ser entoadas encontram-se as melopeias e as cantigas em boca chiusa. A forma de cantar os acalantos em melopeia consiste na emissão das melodias com vogais, como a, o e u, dentre as mais encontradas maneiras de melopeia. A modalidade de entoação em boca chiusa apresenta-se com a vocalização das melodias sem palavras, com a boca fechada, os lábios cerrados, mas os dentes ligeiramente afastados.

Carácter

Quanto ao caráter, os acalantos podem ser classificadas em religiosos ou mitológicos. Enquadram-se nas cantigas de caráter religioso aquelas que se referem a personagens religiosos, como os santos – Menino Jesus e Nossa Senhora, por exemplo – anjos e personagens angelicais. Uma particularidade quanto ao caráter religioso é mencionada por Freyre. Para o autor, uma das características da cultura brasileira é a proximidade com os santos e as pessoas já falecidas. À época, santos e mortos já faziam, de certo modo, parte da família. Nos acalantos portugueses e brasileiros, as mães não hesitavam em fazer dos seus filhos espécies de irmãos mais moços de Jesus, com direitos aos cuidados de Maria, às vigílias de José e às patetices da avó Sant’Ana, por exemplo. A São José encarregava-se com a maior sem-cerimónia de embalar o berço ou a rede da criança. É o que demonstra o trecho do acalanto, a seguir: Embala, José, embala que a Senhora logo vem foi lavar seu cueirinho no riacho de Belém…

Nos acalantos de caráter mitológico encontram-se presentes seres fantásticos que vêm ameaçar as crianças, caso estas não adormeçam, ou demorem a adormecer. Muitos desses acalantos mitológicos têm origem portuguesa, mesmo que sejam modificados pela natural dinâmica destas manifestações em uma sociedade.

Características musicais

A análise dos acalantos incluiu diversos aspetos técnico-musicais. Aqui são apresentados aqueles considerados mais relevantes para os objetivos deste artigo, que são o andamento e a dinâmica. O andamento, ou o grau de maior ou menor velocidade na execução de uma música, é um fator preponderante e característico nos acalantos, além do que é o responsável, por assim dizer, pelo adormecimento da criança, objetivo precípuo deste género musical.

Normalmente, a velocidade é o aspeto mais importante presente nesses cantos; os acalantos são lentos e essa característica resulta a monotonia necessária ao adormecimento das crianças. Grande parte das cantigas coligidas na pesquisa possuem andamentos lentos ou, no máximo, moderados. A cantiga Senhora Sant’Ana é um exemplo de acalanto mais lento.

A dinâmica é outra característica dos acalantos, ou seja, o volume ou o grau de intensidade no qual se desenvolve uma determinada música. Nos acalantos coligidos observou-se que a dinâmica apresenta o predomínio do suave ou meio suave, o que se justifica pela própria finalidade de encaminhar ao adormecimento. (…)

Mãe embala o bebé

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