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Jovem tocando (Otakar Kraus Music Trust)

MÚSICA E ATRASO DOS 13 À ADULTEZ

por Cibelle Loureiro

Excerto de Musicoterapia na Educação Musical Especial de Portadores de Atraso do Desenvolvimento Leve e Moderado na Rede Regular de Ensino, por Cybelle Maria Veiga Loureiro. Minas Gerais 2010.

Para Piaget este é o estádio em que o adolescente já não se limita a representação imediata, tornando-se capaz de abstração total. Para ele, as estruturas cognitivas da criança alcançam o seu nível mais elevado de desenvolvimento, o que a possibilita aplicar o raciocínio lógico a todo tipo de problemas que enfrentem. Para os nossos alunos, este raciocínio talvez ainda seja uma dificuldade a ser vencida.

Para Piaget todo o adolescente vive o conflito entre ser criança e ser adulto durante muitos anos. Talvez desde a metade do período concreto operacional. Discutem como tornarem-se livres do papel de serem crianças, mesmo ainda não podendo assumir as responsabilidades de um adulto. Por isso, esta etapa é comumente chamada período de transição, pois agrupa o desenvolvimento pessoal, social e educacional do indivíduo.

Para o portador de atraso do desenvolvimento, os desafios da adolescência são intensificados em vários aspectos. Muitos deles não apresentam diferenças físicas em relação aos seus colegas não deficientes, mas a capacidade de cooperar com as demandas do meio ambiente pode ser desafiadora e até mesmo traumática.

As pessoas portadoras de atraso do desenvolvimento às vezes apresentam uma auto-estima negativa quando chegam a essa idade, tornam-se conscientes das suas próprias limitações e capacidade de enfrentar a vida.

Para alguns aceitar a deficiência é um grande problema. O medo de errar, o sentimento de inferioridade e insegurança são algumas das dificuldades que podem surgir numa aula de música. Alguns desses sentimentos são comuns, pois fazer música pode ser desafiador em vários momentos, o que faz dela um excelente instrumento para superarmos esses desafios. Diferenciar uma música alegre de uma música triste ou uma que seja agitada de uma música calma pode auxiliar no reconhecimento desses sentimentos.

Devido às limitações experimentadas durante toda a vida relacionadas com a sua deficiência, estas pessoas podem ter uma maior necessidade de vencer sentimentos mais desafiadores ainda como a pena, a depressão e a solidão. O agravamento dessas necessidades emocionais e limitações físicas podem impedir que estes alunos utilizem os meios comuns para expressar ou ainda nomear os seus sentimentos.

PERSONALIDADE E DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL

Muitos dos comportamentos observados nesses alunos podem ser explicados como sendo devido à discrepância entre as habilidades que eles possuem e as solicitações exigidas pelo meio ambiente. O caso que descreveremos ilustra essa afirmativa.

Caso ilustrativo

Marilda, nome fictício, tem quinze anos e foi diagnosticada na primeira infância como portadora de atraso do desenvolvimento leve. Desde os quatro anos de idade ela demonstrava uma grande facilidade para fazer música. Passava horas ao piano da avó procurando tocar uma música “de ouvido”. Como neta de pianista e compositora, sobrinha e filha de professoras de música, Marilda logo foi colocada a aprender a tocar piano. A sua avó passou a dar-lhe aulas de música.

Na escola, o seu desenvolvimento musical demonstrava ser igual ou melhor que alguns dos seus colegas não deficientes da mesma idade, principalmente quanto à sensibilidade musical – “habilidade de receber e responder ao estímulo musical”.
Desde a idade pré-escolar, sempre que possível, era solicitada para tocar uma música para as visitas em sua casa e nos eventos da escola.

Possuidora de uma personalidade tímida, delicada e muito alegre, não sabemos se Marilda tocava porque gostava ou se o fazia por obediência. Ao atingir a idade escolar, já tinha um repertório musical grande que a diferenciava da maioria das crianças. Aos doze anos, essa diferenciação já não era a mesma e as dificuldades para aprender as músicas que a avó achava que ela já estava na idade de aprender, passaram a ser um desafio ao ego de Marilda.

Todas as pessoas desenvolvem os seus próprios meios de demonstrar os seus desejos, medos, necessidades e maneira de interagir com as pessoas. A maneira que Marilda escolheu não foi a melhor. Nunca mais quis tocar piano, embora gostasse muito. O facto de ficar sem a música, desencadeou emocionalmente em Marilda um quadro emocional de ansiedade e de automutilação.

Na escola, a professora de música observou mudanças no contacto de Marilda com as pessoas. Quando solicitada a fazer qualquer tarefa, mesmo não sendo musical, se ela não conseguisse realizá-la, mordia as mãos e chorava compulsivamente até que abandonou a escola.

A professora de música procurou consultoria de uma musicoterapeuta e juntas procuraram restabelecer o contacto de Marilda com a música. Algumas estratégias passaram a ser adotadas pela professora na sala de aula seguindo conselho e acompanhamento do terapeuta. Sempre que possível e de forma realística a professora trabalhava a auto-estima e o fortalecimento do ego de Marilda, pedindo a sua ajuda quando um colega apresentava dificuldade em uma atividade.

Para trabalhar a auto-estima cria-se uma situação onde uma pessoa vivencia uma experiência que a possibilite mostrar a sua competência e consistência no que faz ou sente. Quando falamos em trabalhar o fortalecimento do ego, referimos-nos ao ego como uma função mediadora entre os impulsos, desejos e necessidades de uma pessoa e o meio ambiente. Essa é uma função que desenvolvemos desde a infância até a idade adulta.

Várias tentativas foram feitas para fazer com que Marilda voltasse a tocar. Outros instrumentos lhe foram oferecidos, mas ela não demonstrou interesse por nenhum deles. O objetivo principal era o de estimular o desejo e incitar o querer modificando o quadro motivacional de Marilda.

Motivação é definida como alguém pelo “querer” alcançar um objetivo, sendo o indivíduo motivado em “direção a” e “por” esse objetivo. Motivação representa alguma “necessidade” ou “desejo”.

Após várias tentativas da professora e convite dos colegas que sabiam da sua dificuldade, Marilda passou a frequentar os ensaios do grupo instrumental da escola. Sob a orientação do terapeuta, a professora passou a tocar teclado eletrónico nos ensaios do grupo, a fim de motivar de forma extrínseca o interesse de Marilda pelo instrumento. Ela demonstrou rapidamente interesse em saber como funcionava, mas não em tocar.

A professora fez algumas explicações sobre o funcionamento do instrumento e deixou Marilda explorá-lo sozinha, tentando motivá-la intrinsecamente. Logo depois passou a ter aulas individuais de teclado, onde no início somente ouvia a professora tocar. Aos poucos ela se interessou em tocar e fê-lo exatamente como quando começou a tocar.

Voltou a “tirar de ouvido” músicas que a professora tocava e que faziam sucesso nos meios de comunicação. Hoje o teclado é o seu instrumento de lazer. Vários convites foram feitos para que ela tocasse teclado no grupo da escola, mas ela nunca mais voltou a tocar para outras pessoas.

A música pode exercer um papel primordial na satisfação das necessidades intelectuais e emocionais do adolescente. Pode ser um meio afetivo forte e reconfortante. No dia a dia da escola o objetivo de desenvolvimento da auto-estima e fortalecimento do ego desses adolescentes, talvez somente possa ser exercitado na aula de música.

Jovem tocando (Otakar Kraus Music Trust)

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Bebé tocando

MÚSICA E ATRASO DO DESENVOLVIMENTO

Período Sensório-Motor: ADL e ADM (0 a 4)

por Cibelle Loureiro

Excerto de Musicoterapia na Educação Musical Especial de Portadores de Atraso do Desenvolvimento Leve e Moderado na Rede Regular de Ensino, por Cybelle Maria Veiga Loureiro. Minas Gerais 2010.

Uma criança portadora de atraso do desenvolvimento leve ou moderado com quatro anos de idade, talvez esteja com um desenvolvimento intelectual de uma criança de dois ou três. As estratégias, adaptações e exercícios no auxílio ao desenvolvimento da capacidade de atenção, discriminação auditiva e do sentido rítmico serão os alvos da nossa descrição das características da aprendizagem musical e prática das habilidades motoras para tocar, cantar ou vocalizar dessas crianças. O portador de atraso do desenvolvimento demonstra habilidades e interesse pela música desde a fase sensório-motora.

Desenvolve desde cedo as suas preferências musicais e instrumentais e já discrimina entre música e ruído. A sua capacidade de atenção e contacto visual com a música viva e objetos sonoros demonstram esta afirmação. Imita ritmo, melodia, reconhece uma seleção musical desde os primeiros dias de vida.

Porém, o desenvolvimento dessas habilidades está altamente dependente do grau de comprometimento do indivíduo. Para os estudiosos da musicoterapia na pediatria neurológica, os estímulos acústicos pré-natais, têm caráter formativo e relacional. A estimulação auditiva pós-natal é integrada em outros canais sensoriais com o objetivo de modificar estados de hipersensibilidade ou depressivos, facilitando o estado homeostático – equilíbrio neuropsicofisiológico – necessários no processo de aprendizagem e contactos do bebé com o meio ambiente. Estudos longitudinais demonstram atrasos e dificuldades na vida futura desses bebés, o que indica a necessidade e importância de um tratamento especializado no estágio sensório-motor que os auxiliem na superação de efeitos neurológicos e psico-sociais adversos ao seu desenvolvimento.

Na idade pré-escolar a atenção e memória imediata são especialmente trabalhadas, pois, como descritas anteriormente, muitas das dificuldades na aprendizagem dessas crianças se devem a essas limitações – como a desorganização motora e as dificuldades na imitação de movimentos com a música. Podem ocorrer distorções quanto à percepção da altura dos sons (frequência) e limitações fisiológicas na vocalização, o que prejudica o desenvolvimento da linguagem e do canto nos casos de síndrome de Down ou paralisia cerebral, onde o atraso do desenvolvimento está associado.

A estratégia de ensino, as adaptações e exercícios a serem utilizados devem ter por objetivo principal auxiliar o desenvolvimento da sensorialidade, sensibilidade e intelecto da criança. Para Piaget, neste estágio a inteligência é prática. As noções de espaço e de tempo são construídas através das ações da criança. O contacto com o meio é direto e imediato, sem representação ou pensamento. A estimulação ambiental interferirá na passagem de um estágio para o outro.

As ideias de Lev Vygotsky são semelhantes, mas para ele a criança nesse estágio já faz uso de um tipo de linguagem que nomeia como fase pré-verbal do pensamento definido como aquela em que o pensamento associa-se à utilização de instrumentos de assimilações de ações exteriores.

É importante que os estímulos musicais nessa faixa etária sejam cuidadosamente selecionados e em pequena quantidade.

Estímulos selecionados e em pequena quantidade

Desenvolvimento da preferência instrumental e musical

É importante que a criança aprenda a “escolher” para poder desenvolver suas preferências. Porém é aconselhável a apresentação de apenas dois objetos sonoros por vez e bem distintos, como por exemplo, um tambor e uma maraca ou mesmo instrumentos confeccionados, como uma corda com argolas de metal e outra com cascas de coco. Isto porque, além do aspecto perceptual auditivo, muitas opções de escolha podem deixar a criança confusa mentalmente e ela optar por não se envolver com nenhum objeto.

Ao selecionar os instrumentos devemos ter em mente o estágio do desenvolvimento da criança. A escolha é da criança, mas o facto dela interagir e praticar as suas habilidades é altamente dependente desses dois aspectos mencionados.

Além disso, muitas dessas crianças podem apresentam dificuldade de contacto e interação com objetos e brinquedos devido a problemas de origem psicológica e/ou neurológica. As causas podem ser, na maioria das vezes, motivacionais ou de uma hipersensibilidade tátil, como no relato do caso ilustrativo a seguir.

Caso ilustrativo

A recomendação de Marcos (nome fictício) para a musicoterapia foi uma iniciativa da equipe da sua pré-escola e da neurologista que acompanhava o caso. Os dados da avaliação repassada de Marcos para o musicoterapeuta eram o de um portador de atraso do desenvolvimento leve a moderado e que, embora estando com três anos e meio, apresentava défices na fase sensório-motora do seu desenvolvimento.

Embora tendo um bom contacto com as crianças da escola, não interagia com eles na hora de brincar e tampouco com os brinquedos que os pais e a escola lhe ofereciam. Demonstrava uma hipersensibilidade tátil ao tocar em bichinhos de pelúcia e até mesmo com um instrumento eletrónico que produzia o som de vários animais ao pressionar dos botões. No entanto, Marcos demonstrava um interesse grande pela música em termos aurais.

Quanto ao envolvimento com objetos sonoros, a dificuldade de Marcos era a mesma que tinha com os brinquedos em geral. Resumidamente, em termos piagetianos, Marcos apresentava um atraso devido à ausência do seu envolvimento prático com o meio ambiente. O trabalho com ele foi totalmente voltado para o “brincar”. Os objetos sonoros faziam parte de atividades voltadas para o dia a dia de Marcos. Um macaquinho de pelúcia foi introduzido nas sessões, além de panos de diversas texturas e bonecos que representavam as pessoas da família de Marcos, como a mãe, o pai, o avô e a avó.

O ambiente terapêutico foi dividido em vários espaços onde o macaquinho, que só andava se fosse vocalizado ou tocado algum instrumento musical, estava no início da sessão dormindo debaixo dos panos. Marcos então era solicitado a acordar o macaquinho e começar a brincadeira. O mesmo era feito no final da sessão colocando novamente o macaquinho para dormir. As músicas utilizadas nesse momento eram especialmente compostas pelo musicoterapeuta.

O conteúdo das canções representava as ações que o Marcos faria para o macaquinho andar, tais como bater palmas ou tocar forte um instrumento. As demais canções eram todas de preferência de Marcos e selecionadas pelo terapeuta pelo seu conteúdo prático, contendo nomes das partes do corpo e ao mesmo tempo ações de interação com elas, como por exemplo, esconder as mãos, olhos, boca.

O número de repetições na apresentação das canções, objetos e instrumentos foram mantidos por um período de tempo, aumentando a previsibilidade do reconhecimento e afinidade da criança com eles. Passo a passo, Marcos foi vivenciando que o brincar poderia ser uma imitação da realidade.

Em termos vygotskianos, a aprendizagem de Marcos ocorreu por assimilações de ações exteriores e interiorizações desenvolvidas através do que ele nomeia de linguagem interna, o que lhe permitiu formar abstrações. Para Vygotsky, a “finalidade da aprendizagem é a assimilação consciente do mundo físico mediante a interiorização gradual de atos externos e suas transformações em ações mentais”.

A abordagem utilizada no caso de Marcos termina voltada para a discriminação auditiva com o objetivo de estimular a linguagem expressiva que é definida como habilidade de emitir mensagens verbalmente e não verbalmente, com a finalidade de facilitar ao máximo a integração de Marcos na escola.

Discriminação auditiva

Nesta faixa etária o prazer sensorial do som por si mesmo e os diferentes aspectos psicológicos e motivacionais do envolvimento com a música pela música nessa etapa estão relacionadas não somente com a idade, mas são altamente dependentes do enriquecimento do meio ambiente na aquisição de habilidades musicais. Este facto é fundamental no ensino da criança portadora de deficiência.

É recomendado, nos primeiros ensinamentos, o uso de uma discriminação ou diferenciação maior nas tarefas com instrumentos sonoros, usando-se o corpo ou a voz. Essa diferenciação é feita através da apresentação sucessiva de sons contrastantes como graves/agudos; fortes/fracos; som/silêncio; depressa/devagar. Esse procedimento, de acordo com Bunting, faz com que o impacto neurológico da música “avance”. Este “avanço” provocado pela música auxilia no desenvolvimento do tempo de reação lento desses alunos em termos perceptuais, motores e de tomada de decisões.

Swanwick e Tillman observaram que crianças nessa faixa etária são levadas pelo puro prazer ou medo a interessarem-se em ouvir sons de tambores graves de uma banda. Apresentam também preferência pelos sons de um chocalho ou por pratos indianos e têm um interesse por sons leves e fortes.

Como vemos, o timbre, duração e dinâmica são os primeiros elementos da música a fazer parte do repertório de todas as crianças desta idade.

Entretanto, na educação musical especial a sucessividade e imediatismo na apresentação dessas diferenciações entre os sons são brincadeiras exploratórias importantes, pois despertam a atenção e tempo de reação da criança.

Exploração instrumental e de objetos sonoros

Instrumentos cuja vibração em termos aurais e tácteis dê à criança mais tempo para perceber propiciam um maior envolvimento com o objeto. Entre eles podemos CITAR, por exemplo, tambores, sinos e pratos.

Outro fator a ser considerado é o esforço físico e cognitivo que a criança terá que fazer para poder manipular os objetos. Farnan e Johnson categorizam-nos em três níveis de dificuldade: esforço mínimo, médio e máximo.

Os instrumentos de esforço mínimo têm como resultado máximo som incluem entre eles guizos, tambores e maracas e são os mais utilizados nesse estágio do desenvolvimento. Os de esforço médio incluem o tamborim, bloco de madeira e afoxé, e os de esforço máximo são o xilofone, o piano, e as claves.

Os instrumentos de esforço mínimo necessitam de um pequeno esforço motor e cognitivo mínimo para produzir o máximo de som. Mas é necessário se observar os vários movimentos envolvidos na sua execução. A maraca, por exemplo, utiliza principalmente o movimento flexo extensor do cotovelo e o da preensão e soltura do objeto, isto é, a maneira como a criança pega ou larga o instrumento da mão.

Esses movimentos podem exigir coordenação motora fina, como movimento dos dedos e mãos e ou grossa, envolvendo uma movimentação do braço e antebraço. Devido ao comprometimento físico que muitas dessas crianças apresentam esses movimentos que podem dificultar a participação do aluno em músicas cujo andamento seja muito rápido para ele.

O tambor, um dos instrumentos preferidos, estimula a coordenação motora grossa e que possui uma área muito grande como alvo para a criança, facilitando a realização do movimento.

Podem ser usadas espessuras média ou grossa de baquetas, no entanto, o uso dos dedos e punho ao tocar a superfície do instrumento é o recomendado para auxílio à estimulação táctil e motora. O uso de sons curtos ou longos, ou movimentos devagar e rápido ao sacudir uma maraca já podem ser praticados. Como vemos, tocar um instrumento musical envolve uma série de funções que devem ser observadas antes e durante a execução da criança.

Trabalhando o movimento “através” e “com” da música

O conceito de movimento “através” da música refere-se a tocar instrumentos musicais que irão auxiliar o desenvolvimento das funções físicas como movimentação dos dedos, das mãos, dos braços, joelhos, pernas e músculos motores orais.

A criança poderá precisar de ajuda para associar a execução instrumental na pulsação da música. Percutir livremente algum objeto sonoro ao ritmo da música trabalha o senso de duração, sem necessariamente haver precisão. São utilizadas também músicas bem distintas em velocidade e variação rítmica, pois estimulam e tranquilizam a criança pelas suas qualidades formais.

Em atividades de movimento “com” a música, esta é usada como um acompanhamento do movimento, fornecendo marcação do tempo e ou sequência e direção. Alguns exemplos de movimento incluem gatinhar ao som de uma flauta usando-se sons longos e curtos; subir, descer ou agachar e levantar, usando-se sons ascendentes e descendentes.

Deve-se propiciar uma movimentação natural, criativa e imaginativa em diferentes géneros musicais e estilos de peças conhecidas. Essa é uma das atividades preferidas dessas crianças. Como exemplo, podemos CITAR a música Maria Fumaça em “Poemas Musicais – ondas, meninas, estrelas e bichos”, onde a sequência de sons ascendentes e descendentes em cinco notas cria a ideia de movimento, porém para algumas dessas crianças os movimentos ainda são imitativos, necessitando serem demonstrados.

Quando praticamos as cantigas de roda e as canções de ninar, estamos contribuindo para o desenvolvimento das preferências musicais dessas crianças dentro do seu contexto social-cultural, contribuindo assim para a sua normalização, ou o que podemos chamar de inclusão musical. Este recurso é um instrumento facilitador de sua integração nas atividades escolares e sociais.

De acordo com Vygotsky, nessa fase o desenvolvimento da criança dá-se a partir da experiência social, onde os conceitos são internalizados permitindo à construção da identidade do sujeito. Afirma que desde muito cedo, a criança reage à voz humana. Essa reação é demonstrada através de sons inarticulados, risadas, movimentos que ela utiliza como meios de contacto social.

Bebé tocando

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Criança tocando

MÚSICA E ATRASO ENTRE OS 9 E OS 13

por Cibelle Loureiro

Excerto de Musicoterapia na Educação Musical Especial de Portadores de Atraso do Desenvolvimento Leve e Moderado na Rede Regular de Ensino, por Cybelle Maria Veiga Loureiro. Minas Gerais 2010.

No estádio operatório-concreto, o portador de atraso do desenvolvimento entre nove e treze anos estará com um desenvolvimento aproximadamente correspondente a de seus colegas de sete a onze anos de idade. De acordo com Piaget, a criança nesse estádio desenvolve as suas noções de tempo, espaço, velocidade, ordem e casualidade. Já é capaz de relacionar diferentes aspectos da realidade, mas ainda depende do mundo concreto para chegar à abstração.

Um dos objetivos principais nesse estádio é trabalhar o que Piaget denominou realidade imediata. Esse é o momento na educação musical especial onde a intensificação nos exercícios que envolvem prontidão de resposta tocando, cantando e no movimento corporal farão uma grande diferença no desenvolvimento do tempo de reação do aluno portador de atraso do desenvolvimento.

Nesta idade temos a nosso favor o facto de que essas crianças já apresentam alguma preferência instrumental estabelecida o que facilita a prática. Os instrumentos de percussão parece serem os preferidos não somente na nossa, mas em diversas culturas.

Trabalham através da música as noções de tempo, espaço, velocidade, ordem e casualidade que, de acordo com a sequência dos estádios são necessárias ao seu desenvolvimento global nessa idade. Uma técnica musicoterapêutica muito utilizada para esse fim é chamada espaço aberto, onde o silêncio ou pausa na música é utilizado como um sinal e estímulo à ação da criança, como por exemplo, a verbalização de uma palavra completando uma frase de uma canção. O mesmo acontece com as atividades instrumentais, onde além do espaço aberto o exercício em ritmos sincopados, típicos das músicas brasileiras, são um auxílio ao estabelecimento da prontidão das respostas.

O musicoterapeuta compõe especialmente músicas na forma de pergunta/resposta, onde linhas melódicas somente serão completadas se a criança executar o seu final. Outra forma bastante comum é a de eco, onde a criança repete a frase tocada pelo professor ou colega. Nessa idade são capazes de estabelecer relações entre diferentes aspectos da música, como sons graves e tambores grandes, uma música rápida a movimentos corporais rápidos, staccato a movimentos corporais de saltar, etc.

Elas não se limitam mais a uma representação imediata, mas ainda são altamente dependentes do mundo concreto para chegar a qualquer tipo de abstração.

Sabemos que essas habilidades são resultadas de uma prática musical desde o período sensório-motor. Mas, de acordo com Piaget, “a criança em qualquer idade faz o que é capaz praticando, isto é exercitando qualquer tipo de interação que lhe for acessível”.

Sabemos da importância da prática e número de repetições que são necessárias para a assimilação e acomodação do material a ser apreendido. Neurologicamente falando, todos nós precisamos de três a cinco repetições para alcançar a acomodação de uma informação. Esses jovens talvez necessitem de mais vezes ainda.

É crucial para o professor compreender o progresso musical que é esperado do portador de deficiência nessa idade. Para Swanwick e Tillman, se ficarmos privados da música por um pequeno período de tempo que seja a primeira e a mais chamativa impressão da música que teremos é ao nível sensorial.

Sabemos que muitas das nossas crianças que frequentam as escolas públicas talvez sofram esse tipo de privação cultural o que dificulta a atuação dos professores e a integração dos alunos junto aos demais colegas.
As salas de recursos, onde aulas particulares possam ser oferecidas por um musicoterapeuta, poderiam minimizar os efeitos dessa privação, normalizando o processo de integração à sala de aula de música.

MÚSICA NO AUXÍLIO À COMUNICAÇÃO, LINGUAGEM E SOCIALIZAÇÃO

A comunicação é um conceito abrangente. De acordo com Lathom e Eagle, comunicação é um conceito mais amplo que a linguagem ou fala. Só existe uma relação significativa entre as pessoas se existir comunicação entre elas. Para que a comunicação se estabeleça é necessário que haja troca de experiências.

Sabemos o que é cor vermelha, mas como a podemos descrevê-la a um deficiente visual? Para as pessoas em geral nós a mostramos. Portanto, existem elementos na nossa comunicação que são indescritíveis. Ao contrário, conceitos como o leve, o forte, o rápido e o lento podem ser vivenciados através da música no auxilio ao desenvolvimento perceptual desses conceitos.

Para Gfeller, o relacionamento humano é único por causa dos nossos sentimentos, emoções, experiências, ideias e conhecimentos que trocamos com as pessoas. Essa troca poderia não existir sem a comunicação.

Na nossa sociedade a palavra é o meio predominante de comunicação; porém vimos no estudo do caso de Lucas, que elas são apenas uma parte do
processo de nossa comunicação. Existem várias formas de comunicação não verbal como gestos, ruídos, sinais, ícones, pintura, dança e a música. Elas são uma quantidade tão grande da comunicação não verbal do nosso dia a dia que passamos a não estar atentos a ela.

Na educação especial ela é parte funcional e valiosa. É importante estar atento a ela e aprender um bom número de estratégias que acompanham características pessoais, como nos casos de portadores de autismo que se comunicam através da linguagem não verbal.

Para Vygotsky a linguagem é toda e qualquer forma de expressão. Ele coloca que:

O homem é um ser social e a linguagem, o instrumento das interações sociais que possibilita ao sujeito pertencer a uma cultura. A linguagem, aqui, não é compreendida como sendo um sistema abstrato de normas ou, apenas, atividade verbal. A linguagem vai muito além: é toda e qualquer forma de expressão. E está presente na arte, na pintura, na música, no cinema, no folclore, nos gestos, no olhar, na emoção, na respiração e, inclusive, no silêncio.

É comum se dizer que a música é uma forma de comunicação. Mas, para o portador de atraso do desenvolvimento ela vai além. Ela pode ajudar o indivíduo a comunicar seus sentimentos, o que é necessário para o equilíbrio da nossa saúde.

Outro tipo de comunicação que aprendemos na escola é a escrita. A notação musical tradicional é ensinada com sucesso para os alunos portadores de atraso do desenvolvimento leve. Já a notação simplificada na forma de representações gráficas de sons curtos, sons longos, palmas e outros, são comumente utilizados com sucesso para alunos com atraso moderado.

Todas essas formas de comunicação através da música talvez sejam a única maneira que muitos dos portadores de atraso do desenvolvimento tenham de se socializar musicalmente.

Envolvimento social

A participação dessas crianças em atividades musicais em grupo para cantar ou tocar são a preferência desses alunos. Nessas atividades eles podem exercitar e desenvolver vários níveis de capacidade física e intelectual.

Davis sugere que podemos organizar grupos que possam unir crianças que podem andar com aqueles que estão na cadeira de rodas. Aquelas com habilidades manuais com as que têm algum comprometimento no uso das mãos e dedos e agrupa ainda os com ou sem alterações sensoriais, fazendo-os participar na interação social através da música. Se podemos unir jovens que apresentam tais dificuldades em um espaço de ações partilhadas, com certeza de acordo com o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky a instauração desses grupos junto a alunos mais capacitados seria ideal ou até mesmo necessária.

Várias são as habilidades que podem ser alcançadas em atividades de grupo de música, entre elas, saber esperar, dar a vez, trocar, colaborar e inter-relacionar-se com os colegas, para muitas desses jovens elas podem ser difíceis de serem alcançadas se não forem praticadas desde a pré-escola.

Estudos em musicoterapia demonstram os benefícios da integração precoce em programas de música na inter-relação das crianças deficientes com os demais colegas na sala de aula. Já em outros estudos são levantadas as questões referentes aos possíveis reações comportamentais do jovem nessa idade diante de uma dificuldade na prática da música.

Comportamentos impróprios ou mal adaptados como, falar alto ou gritar quando o professor corrige algo errado, auto-agressão, levantar e sair da sala e chorar são problemas que alguns portadores de atraso do desenvolvimento podem apresentar quando estão frustrados diante de uma dificuldade.

Comentários e brincadeiras dos colegas podem também desencadear esses comportamentos. Com a ajuda de algumas técnicas podemos alcançar um maior envolvimento do aluno com os colegas. Entre elas esta a disposição dos alunos em sala. Atividades em círculo ou semicírculo facilitam o contato entre os alunos.

Exercícios de improvisação são uma das atividades preferidas e onde podemos ter como objetivo desenvolver o contacto visual com os colegas e saber ouvir os outros, desenvolvendo com isso a noção de dar e esperar a vez de cada um.

A composição coletiva é outra forma de cooperação, onde todos dão ideias para os versos de uma canção ou ainda para os temas musicais. O mais importante nas atividades de grupo é a variedade de habilidades que são adquiridas em experiências onde esses jovens podem praticar e melhorar sua competência social. Isso motiva o aluno em direção ao próximo estádio do seu desenvolvimento que o acompanhará até a idade adulta.

Muitas de nossas crianças somente terão oportunidade de adquirir tais habilidades sociais se, ao invés delas irem à escola, lhes forem oferecidos atendimentos individualizados e especializados. Residem em instituições até hoje desde a primeira infância por vários motivos. Muitas foram abandonadas pelos pais ou levados a esses locais devido ao seu estado de pobreza.

Caso ilustrativo

Este trabalho foi realizado em uma instituição filantrópica, o Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus, com o objetivo principal de proporcionar aos seus participantes residentes um contacto mais concreto com o mundo exterior, através de sua inclusão no 24º Festival de Inverno da UFMG realizado em 1992. Ao invés dos alunos irem até o festival, o festival foi até aos alunos que participaram da oficina intitulada Música: Possibilidades Expressivas. O objetivo principal desse trabalho foi o de levar aos residentes uma assistência beneficente que procurou estimular o interesse pela música como forma de cultura, lazer, socialização e comunicação, fortalecendo a auto-estima, habilidades e vocações dos alunos.
O curso teve a duração de quatro semanas, com aulas de educação musical especial de cinquenta minutos cada. Participaram 24 adultos e idosos residentes no local e 54 crianças e adolescentes portadores de paralisia cerebral sendo a maioria dos casos associados ao atraso do desenvolvimento.
Incluiu uma orientação aos professores e terapeutas da instituição, mais cinco estagiários, alunos dos cursos de graduação de psicologia, educação e fisioterapia da UFMG.

As atividades musicais foram voltadas essencialmente para a socialização e a comunicação entre os participantes, tendo a música como elemento estimulador.

Resumidamente, a avaliação dos alunos foi composta de um estudo do registo vocal por idade, habilidades motoras, de comunicação e preferências musicais das crianças. As atividades incluíram basicamente todas as estratégias e adaptações descritas até então nesse estudo. As aulas eram previamente planificadas mantendo durante as quatro semanas uma estrutura composta de 3 momentos.

Primeiro, a atividades de abertura, onde foi criada uma música especialmente para facilitar a memorização do nome de cada participante e um maior contacto entre eles, facilitando a comunicação e socialização.

Num segundo momento, foram criadas ou adaptadas canções contendo movimento “com” a música e movimento “através” da música onde foram utilizados instrumentos musicais selecionados por nível de dificuldade e idade dos participantes. A comunicação foi trabalhada através do uso da técnica de terapia de entonação melódica modificada, espaço aberto, eco e pergunta/resposta.

No terceiro e último momento da aula, uma atividade de encerramento era utilizada, onde através do uso de uma canção especialmente composta para o grupo, descrevia-se de forma resumida tudo o que fora feito naquele dia e logo a seguir alunos e professores se despediam.

Essa é uma estratégia de auxílio à noção espaço temporal, isto é a noção de duração da aula e generalização.

Vale ressaltar o caso de Filipe, com 11 anos de idade que além de apresentar um atraso do desenvolvimento, possuía as características acima descritas como comportamentos impróprios ou mal adaptados, caracterizados por gritos e auto-agressão que perduraram por duas semanas. No entanto, era visível a sua observação ao que estava sendo feito nas aulas e, repentinamente, após uma abordagem mais individual ele envolveu-se tanto com o objeto sonoro como com a musicoterapeuta, surpreendendo toda a equipa de trabalho. Trazia sempre para a aula um pano que esfregava nas mãos e boca que era utilizado para controlar seus gritos.

Após três semanas de aula, o musicoterapeuta retirou esse pano de suas mãos e introduziu o instrumento que observou ser sua preferência. Portanto, nesse caso a preferência instrumental foi o veículo para o estabelecimento do contacto social. Passou a interagir não somente com o musicoterapeuta, mas com os outros membros da equipa que já até tinham pensado em não levá-lo mais para as aulas devido aos seus gritos.

Filipe é um caso típico de atraso do desenvolvimento por privação sóciocultural. Após orientação ele demonstrou a sua capacidade de desenvolvimento cognitivo e adaptativo.

Criança tocando

Criança tocando

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Criança tocando, foto Newman Aaronson Vanaman

MÚSICA E ATRASO ENTRE OS 4 E OS 9 ANOS

por Cibelle Loureiro

Excerto de Musicoterapia na Educação Musical Especial de Portadores de Atraso do Desenvolvimento Leve e Moderado na Rede Regular de Ensino, por Cybelle Maria Veiga Loureiro. Minas Gerais 2010.

Uma criança portadora de atraso do desenvolvimento na idade de quatro a nove anos, talvez esteja com um desenvolvimento intelectual de uma criança de aproximadamente dois a sete anos. Em termos piagetianos esse estádio do desenvolvimento da criança caracteriza-se principalmente, pela interiorização de esquemas de ação construídos no estádio anterior o sensório-motor.

Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo é um processo de sucessivas mudanças qualitativas e quantitativas das estruturas cognitivas. Cada estrutura é derivada da estrutura anterior. A construção e reconstrução dessas estruturas seguem um padrão cognitivo e de idade cronológica mais ou menos determinada.

Somados ao objetivo principal de desenvolvimento do tempo de atenção, que continua sendo um dos mais relevantes, a auto identificação ou reconhecimento do eu, a verbalização, e o desenvolvimento da auto-estima e socialização passam a fazer parte dos objetivos das atividades de ensino. Para Vygotsky, nessa faixa etária a fase pré-verbal é substituída pela fase préintelectual da fala. “É uma nova forma de funcionamento psicológico, onde o pensamento torna-se verbal e passa a ter função simbólica e social” (Vygotsky).

Numa sala de recursos, num ambiente musicoterapêutico, técnicas multimodais acústicas são utilizadas no auxílio à verbalização. Estas incluem, basicamente, o uso de sons vocalizados ritmicamente, a discriminação de timbre e frequências em duas técnicas específicas.

A primeira a ser utilizada é a técnica de terapia de entonação melódica, onde é estabelecida a comunicação intencional verbal ou não verbal através da vocalização livre de sons e do uso do ritmo e da melodia no auxílio à comunicação básica, com ênfase nas proposições, sílabas e palavras simples.

Num segundo momento é utilizada a terapia de entonação melódica modificada, onde canções de preferência da criança são selecionadas pelo terapeuta e utilizadas no auxílio à fala e domínio do vocabulário. Muito do trabalho realizado na sala de recursos no auxílio à verbalização, somente se generalizará se os resultados obtidos forem praticados também no dia a dia da criança, e isso inclui a escola, onde nada seria melhor do à sala de aula de música, onde através das canções preferidas das crianças um vasto vocabulário pode ser exercitado.

Outros esforços devem ser dirigidos para o desenvolvimento do ritmo motor das crianças. Trabalhar música associada ao movimento é essencial para essas crianças. Os dois conceitos básicos de movimento “com” a música e movimento “através” da música utilizados em musicoterapia podem auxiliar os professores na escolha e implementação de objetivos específicos a serem alcançados por cada um dos alunos.

Nessa faixa etária, os movimentos com a música incluem um trabalho voltado para a consciência corporal e coordenação motora. Limitações na consciência corporal, ou seja, o posicionamento ou reconhecimento de partes do corpo ou de movimentação do corpo no meio ambiente são alguns dos motivos dessas
crianças se tornarem inseguras e inativas.

Comumente, o medo e a insegurança são gerados pela percepção distorcida ou ausente que a criança tem de seu próprio corpo. Atividades que incluem imitar movimentos ou nomear partes do corpo ou ainda mover-se livremente com a música podem ser árduas e difíceis dependendo do nível do comprometimento cognitivo e motor. Atividades rítmicas motoras deveriam estar incluídas na rotina das planificações de aula.

Movimento através do uso de instrumento musical é uma das atividades prediletas dessas crianças, porém a seleção dos instrumentos deve ser cautelosamente observada. Os instrumentos são selecionados de acordo o diâmetro, peso, timbre, posicionamento adequado e nível de esforço para execução.

Existem os instrumentos que exigem esforço mínimo, médio e máximo do desenvolvimento físico e cognitivo da criança. Um instrumento simples como as clavas, por exemplo, são executados aos pares, apresentam tamanhos, peso e espessuras diversas e a criança deverá batê-los fazendo um trabalho bi-manual de grande precisão. Exige uma boa coordenação viso-motora e de movimento na linha média do corpo, exigindo da criança atenção, organização corporal, e precisão rítmica.

Portanto, a utilização de um instrumento aparentemente simples como esse deve antes ser avaliada. Quando oferecemos um instrumento a essas crianças, devemos ter certeza que elas serão capazes de utilizá-los. O posicionamento da criança diante do instrumento e a tentativa de realizar os movimentos dentro de padrões normais são de suma importância.

Alguns instrumentos devem sofrer adaptações para que tenhamos a certeza de que as crianças vão poder executá-los. Uma orientação musicoterapêutica é recomendável. O uso de velcros, luvas e borrachas aderentes como adaptações são recursos normalmente utilizadas pelos musicoterapeutas.

O desenvolvimento do senso de previsibilidade também é um dos fatores de instabilidade emocional e pode ser trabalhado através do estabelecimento de uma rotina especifica. Manter uma estrutura fixa, no início, meio e fim de cada aula auxiliam a aproximação, estabelecimento de contacto, aumento do nível de participação e socialização.

Esses objetivos podem ser alcançados se forem utilizadas estratégias e adaptações específicas na prática e no processo de aprendizagem em exercícios individuais e em grupo que exercitem o contacto do professor com a criança e das crianças entre si.

APROXIMAÇÃO TRABALHANDO A COMUNICAÇÃO E O RITMO MOTOR

Trabalhando a Rotina

Para trabalhar a auto identificação da criança, pode ser útil o uso do nome da criança introduzido nos versos das canções, bem como na simples aproximação do professor, tocando ou vocalizando, enfatizando o contacto com cada criança em particular.

O trabalho inicialmente pode ser feito na forma de eco (o professor canta o nome de cada criança e todos repetem), para depois passar para pergunta/resposta. Ambas as formas auxiliam no desenvolvimento da prontidão ou tempo de resposta da criança, pois despertam a percepção do momento exato de agir.

A marcação rítmica silábica do nome da criança, bem como a marcação da sílaba tónica em um instrumento de percussão, é um grande auxílio ao desenvolvimento da verbalização e consequentemente do desempenho da criança nas atividades de canto.

Além de facilitar o desenvolvimento da verbalização, essa pode ser uma maneira de facilitar a comunicação. Quando cantamos ou dizemos o nosso nome a uma pessoa, mostramos que estamos dando um pouco de nós mesmos a ela; quando identificamos uma pessoa falando o nome dela, mostramos o nosso desejo de estar com ela.

Muitas dessas crianças necessitam de apoio para poderem comunicar-se. Alguns só conseguirão utilizar uma comunicação não verbal desenvolvendo a habilidade de indicar, isto é apontar objetos, pessoas e lugares, ou através de ícones ou sons significativos como o de negação e afirmação. A comunicação é um processo amplo, no qual as pessoas interagem e se relacionam, afetando ambas as pessoas envolvidas.

A comunicação é definida como o uso da troca de informações que precedem e auxiliam o desenvolvimento da linguagem. A habilidade de usar eficientemente a linguagem é vital para o desenvolvimento cognitivo e sucesso do indivíduo na sociedade. O resultado de um atraso no desenvolvimento da linguagem pode se refletir também no desenvolvimento adaptativo da criança. A música pode ser um meio de comunicação de sentimentos efetiva em varias situações.

Trabalhando o Ritmo Motor

O movimento é descrito pelas pessoas em geral como uma resposta natural à música. Porem, para algumas dessas crianças, a dificuldade de manter a atenção, de memória imediata e organização de informações auditivas, reduzem a precisão e capacidade de manter ritmicamente organizados os seus movimentos.

O grupo mais comum de portadores de disfunções motoras são os casos de paralisia cerebral, patologia de origem neurológica, ou nos problemas ortopédicos que acompanham as deficiências físicas, como os casos de paraplegia ou hemiplegia, onde o atraso do desenvolvimento pode ou não estar associado.

Existem quatro categorias de habilidades motoras que podem ser trabalhas em atividades rítmico-motoras: (1) habilidade motora fina, (2) habilidade motora grossa, (3) precisão motora e (4) força e resistência.

Habilidade motora fina consiste de movimentos que requerem o controle de músculos pequenos, como por exemplo, pegar uma baqueta ou tocar as teclas do piano.

Habilidade motora grossa envolve músculos maiores ou um grupo de músculos, como por exemplo, os que utilizamos para correr, marchar, pular, tocar um tambor, bater palmas ou balançar uma maraca. A extensão qualitativa e quantitativa no uso de habilidades motoras finas ou grossas que a criança está usando é determinada pela precisão, força e resistência que ela necessitara para atingir um alvo como tocar do piano, manter a sequência e velocidade de uma música ou sustentar um instrumento numa determinada posição como segurar um triângulo.

Trabalhando o desenho rítmico em instrumentos musicais

É recomendável o uso de músicas curtas, com não mais do que 8 compassos e com estruturas rítmicas simples. Os compassos 4/4 e 2/4 são utilizados inicialmente, pois essas crianças podem apresentar dificuldade em perceber compasso 3/4. Apresentam essa dificuldade e também com frequência pouca regularidade rítmica provavelmente devido a problemas de origem neurológica, que afetam a ritmicidade motora, que significa a capacidade biológica que possuímos de manter o ritmo ao executar várias funções como, andar e falar e mais recentemente pesquisada também em musicoterapia na neurologia.

Os instrumentos musicais devem ser criteriosamente selecionados desde o estádio sensório-motor. Se utilizados com critérios, eles serão os indicadores do desenvolvimento cognitivo e em especial do desenvolvimento motor da criança. Uma consultoria de um musicoterapeuta é aconselhável, pois ele seleciona os instrumentos de acordo com o diagnóstico e as habilidades e dificuldades de cada criança individualmente. Os instrumentos devem seguir certa sequência em sua utilização num processo educacional.

Por exemplo, quando se quer atingir uma coordenação motora fina e a criança não domina nem a motora grossa, deve-se começar utilizando primeiro instrumentos que exijam uma coordenação motora grossa e gradualmente introduzir materiais com os quais a criança atingirá o desenvolvimento nesse tipo de movimento.

Trabalhando o canto e uso de canções

Nesta fase, as canções já passam a ser selecionadas pelas crianças de acordo com a preferência e significado pessoal, ou seja, o desenvolvimento da identidade musical do indivíduo. O uso de canções curtas, mais ou menos com um minuto de duração, são as recomendadas, pois essas crianças podem apresentar défices na frequência e amplitude respiratória.

É importante ter em mente que o registo vocal dessas crianças é mais baixo, como nos casos da síndrome de Down e em alguns casos de paralisia cerebral. Os intervalos recomendados são Sib2 – Sol#3 (466.16 Hz – 830.61Hz) ou Si2 – Fá#3 (493.98Hz-739.99Hz) ou ainda La2 – La3 (440.00Hz – 880.00Hz) e de Dó3 – Sol3 (523.25Hz a 783.99Hz)23 (Zinar, 1987).

Talvez muitas dessas crianças só venham a cantar os refrões de muitas das canções, pois de todas as situações referentes ao uso de instrumentos musicais, o canto, que utiliza o próprio corpo. Assim, requer uma atenção ainda maior por parte dos professores e terapeutas, pois abrange vários fatores psiconeurofisiológicos, termo que remete à extensão do conhecimento multidisciplinar que nos é possível alcançar na ciência de hoje.

As causas da ausência de verbalização ou fala podem ser várias desde problemas neurológicos, como nos casos de autismo ou complexo autístico, associado ao atraso do desenvolvimento. Podem existir também problemas fisiológicos, como na síndrome de Down, onde além da frequência da voz, a articulação e formação das palavras talvez sejam as duas maiores dificuldades. Algumas dessas crianças não são verbais, mas utilizam à comunicação não verbal ou gestos e sons significativos.

Em todas as situações, existem opções que auxiliam o trabalho, como, por exemplo, facilitar a participação dos alunos ensinando-os a vocalizar sons em uma só vogal ou sílaba, tendo-se em mente a questão referente à extensão vocal.

Uma consultoria de um fonoaudiólogo ou musicoterapeuta especializado é necessária a fim de minimizar o problema da criança antes de aleatoriamente incluí-la em atividades de canto que possam agravar os problemas.

Criança tocando, foto Newman Aaronson Vanaman

Criança tocando, foto Newman Aaronson Vanaman

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