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Dança Circular

cantigas E BRINCADEIRAS DE RODA

por Benita Michahelles (Brasil)

Monografia apresentada ao Curso de Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música sob a orientação de Marly Chagas.

Cantar, dançar, sentir, pensar, compartilhar, transformar… Quantos não são os movimentos vitais contidos nas cirandas infantis? E logo: quantos não são os motivos que as tornam valiosos elementos terapêuticos também? São diversas as razões que justificam a sua força e reincidência na Musicoterapia.

Primeiramente, devemos ressaltar que elas integram o conjunto das manifestações musicais do folclore – o que por si só já lhes confere um caráter de autenticidade e simplicidade, além de um grande poder de comunicação e uma ressonância imediata no espírito das gentes que as ouvem, praticam e recriam.

Há uma alta expressão simbólica da marcha descrevendo um círculo, que participa há milénios da liturgia popular de quase todo o mundo. Constituindo-se como formações circulares dançadas e cantadas, as brincadeiras-de-roda podem ser consideradas “mandalas vivas”.

Isto significa que, ao cantar e brincar de roda cada participante pode viver e compartilhar com os demais da experiência de “estruturar o que ocorre na psique”; “representar a junção de opostos aparentemente incompatíveis”; “expressar a ideia de refúgio seguro e de reconciliação interior”; “compensar a desordem e a confusão psíquicas”, num clima de “concentração e de meditação”.

Também já uma mera procura ou tentativa espontânea de cantar ou ouvir uma cantiga-de-roda, ou de formar a brincadeira propriamente estaria indicando a necessidade de viver estes aspetos mandalares, constituindo-se como um movimento compensatório e instintivo de grande valor terapêutico.

As cantigas e brincadeiras-de-roda têm as suas raízes nas relações primárias do desenvolvimento humano. Do ponto de vista musical, a simplicidade e a especificidade dos seus caminhos rítmicos e melódicos refletem os traços bio-psico-musicais típicos da etapa infantil.

Brincar à roda constitui como uma atividade que dá prazer e integra harmoniosamente as linguagens sonora, corporal e verbal. Assim, música, corpo, emoção e pensamento atuam conjuntamente, impulsionando-se entre si e possibilitando a ampliação da própria expressão. Emergem personagens e tramas que são vividos pelos participantes do seu interior, num processo dinâmico que implica num constante relacionar-se com os próprios conteúdos, elaborá-los e ressignificá-los.

Qual seria então o papel do musicoterapeuta diante de tudo isto?
Acredito que, em primeiro lugar, a própria consciência da riqueza dos recursos que ele tem disponíveis como instrumentos de trabalho. Não para se instaurar a obrigatoriedade do uso das cantigas e brincadeiras-de-roda, não para utilizá-las de maneira impositiva ou didática, muito menos como uma muleta nos procedimentos em sessão.

Mas sim, para poder lançar mão delas, (ou mesmo para poder recebê-las quando trazidas espontaneamente por seus clientes) nos momentos exatos em que podem ser verdadeiramente frutíferas enquanto objeto terapêutico. Sejam como pontes cliente-terapeuta, sejam como estímulos ao movimento ou a expressão corporal e vocal, sejam como mobilizadoras do contacto com sentimentos guardados, sejam como viabilizadoras do contacto prazeroso com o outro, sejam para propiciar um clima de concentração e de reconciliação interior… ou simplesmente pela alegria de cantar e de brincar em conjunto. As possibilidades são múltiplas e não terminam por aí. Devem, cada vez, ser reinventadas…

Alçando vôos para além dos settings de Musicoterapia, não nos esqueçamos da importância da atuação dos musicoterapeutas em reavivar estas manifestações lúdico-musicais nas escolas, nas instituições de forma geral, em encontros interdisciplinares e na própria comunidade. Esta certamente constitui-se como uma contribuição para a efetivação da política preventiva na área da saúde.

Por fim, gostaria de lembrar, que como facilitadores destes legados culturais, estamos também a contribuir para a recostura de um processo a nível social. Fazendo pontes e replantando sementes que, em forma de som, movimentos e símbolos, religam gerações e, sempre novamente, fecundam a vida subjetiva.

Dança Circular

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Criança com síndrome de Down

SÍNDROME DE DOWN E MUSICOTERAPIA

por Maria Inês Couto Augusto (Brasil)

As possibilidades de estimulação de portadores da síndrome de Down em Musicoterapia

RESUMO

Esta monografia tem por objetivo um aprofundamento teórico sobre a estimulação de pessoas portadoras de síndrome de Down. Descrevem-se, nela, os conceitos de estimulação e analisa-se o trabalho em musicoterapia através de entrevistas com profissionais experientes neste campo. Foram levantadas diversas possibilidades técnicas de utilização da estimulação em musicoterapia.

INTRODUÇÃO

Decidi estudar o trabalho de estimulação de crianças portadoras da síndrome de Down pela musicoterapia por estar pessoalmente envolvida com estas crianças especiais e ter pouco conhecimento sobre todas as patologias que as envolvem. Queria, através desta investigação, saber mais sobre elas, para poder trabalhar melhor, de forma mais correta e, deste modo, poder ajudá-las com os seus problemas.

Assim, a escolha do tema foi uma oportunidade para aprofundar mais os meus conhecimentos e procurar as bases teóricas e técnicas para desenvolver o trabalho de estimulação de crianças portadoras da síndrome de Down.

Essa atividade é constituída por um conjunto de técnicas que devem ser aprendidas pelos pais para que possam dar continuidade ao trabalho em casa.

Apesar existirem inúmeras iniciativas nesse campo, poucas referências bibliográficas sobre o assunto foram encontradas. Por isto, esta pesquisa é fundamentada em referências bibliográficas (principalmente Lefèvre, 1981) e também em entrevistas, realizadas com musicoterapeutas, escolhidos pelo seu trabalho com pacientes desta área.

Partindo das experiências profissionais relatadas nas gravações, foi feita a formalização de diversas possibilidades técnicas de estimulação à criança portadora de síndrome de Down.

No início do trabalho abordarei o Down de uma forma geral, desde o momento de seu nascimento até à idade adulta. Na parte dois, passarei à estimulação essencial, em todos os estágios do desenvolvimento do portador Down, e também nas diferentes modalidades de estimulação, como as de funções motoras, sensoriais, da fala, da inteligência e atenção.

Na parte três, a estimulação musicoterápica do portador será formalizada nas possibilidades técnicas, sistematizadas a partir das entrevistas com musicoterapeutas que trabalham com pacientes desta área.

1 — A SÍNDROME DE DOWN

1.1 — CARACTERÍSTICAS

A síndrome de Down ou Trissomia 21 resulta de um distúrbio da divisão dos cromossomas que influencia regularmente a formação do corpo das crianças afetadas. Explica-se, assim, por que as crianças Down possuem tantas características em comum e até são um pouco parecidas entre si. Estas características são geralmente típicas e, por isto, desde o nascimento, as dúvidas quanto ao diagnóstico das crianças com síndrome de Down são mínimas.

Algumas delas apresentam outras características, porém possuem muitas ou todas as típicas. Como características mais marcantes vamos encontrar: na boca, dentes pequenos, língua sulcada e protusa (para fora da boca); abertura das pálpebras inclinada, com a parte externa mais elevada, e uma prega no canto interno dos olhos; mãos grossas e curtas, com dedo mínimo arqueado e prega palmar única, incluindo os quatro dedos maiores; dedos dos pés com disposição semelhante à do polegar e do indicador da mão normal; rebaixamento intelectual e estatura baixa; cardiopatias em quarenta por cento dos portadores; hipotonia (moleza e flexibilidade exageradas) nos músculos e articulações; retardo variável no desenvolvimento psicomotor.

Para o diagnóstico, Lefèvre (1981) destaca do quadro clínico geral o aspecto da face, a hipotonia, as mãos e um retardo variável no desenvolvimento psicomotor.

1.2 — NASCE UM BEBÉ PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN

Ao nascer um bebé Down, a síndrome de que é portador é facilmente reconhecida pelas características marcantes já mencionadas. Por isto, desde os primeiros instantes de vida, esta criança coloca os seus pais diante de um problema que não pode ser resolvido e que precisará de ser aceite, o que provoca diferentes reações, como estado de ansiedade aguda, profunda tristeza, confusão mental ou enorme revolta contra o mundo. Estes sentimentos quase sempre vêm acompanhados de uma certa rejeição, o que completa a descrição de um quadro de muito sofrimento e insegurança.

O momento de transmitir aos pais a notícia de que tiveram um bebé portador da síndrome de Down é, por tudo o que já foi exposto, muito especial. Muitas queixas têm sido feitas pelos pais destes bebés a respeito dessa comunicação. Frequentemente, nessa ocasião, voltam-se agressivamente contra os portadores da notícia.

O senhor Francisco de Assis O. da Cruz e sua esposa, Regina Celi de Souza Fernandes da Cruz, são pais de Tiago Fernandes Oliveira da Cruz, que atualmente tem oito anos e é uma criança portadora da síndrome de Down. O casal foi vítima desta má forma de comunicação compreende que não se trata de uma tarefa fácil, já que mexe com emoções intensas. Eles conhecem esta dor bem de perto, no fundo da alma: o amor por um filho. O senhor Francisco conseguiu transformar a sua dor e revolta em um bem para a comunidade ao idealizar e fundar o Projeto Rio Down, que tem como finalidade “dar boas-vindas” a bebés Down. O projeto tem sempre alguém disponível para conversar e visitar os familiares dos bebés recém-nascidos ou recém diagnosticados. Os seus membros acreditam poder trazer a notícia até estes casais com mais amor, maior franqueza e algumas perspetivas de futuro, tão importantes e necessárias no momento da notícia .

Parafraseando Lefèvre (1981), devemos estar atentos à ternura que esta criança pode fazer nascer à sua volta. Este bebé vai sorrir para a mãe, estender os seus bracinhos quando ela o convidar para o seu colo, vai agarrar-se a ela quando pedir proteção. Vai abraçar com carinho a mãe, o amiguinho ou a boneca. Esse bebé vai desenvolver-se lentamente, sendo muito mais dependente que os outros no seu desenvolvimento, mas passará pelos mesmos caminhos, semelhantes aos das outras crianças.

1.3 – O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DOWN

Ao observar com atenção esta criança, veremos que o seu desenvolvimento é bem mais lento que o do bebé normal; porém, apesar de mais dependente, este bebé estará, também, trilhando no seu dia-a-dia, ainda que bem mais devagar que uma criança com desenvolvimento normal, as diversas fases e etapas do seu desenvolvimento.

Devido ao amadurecimento constante do seu Sistema Nervoso Central (Lefévre A., 1981), esta criança desenvolver-se-á diariamente e, mesmo que este caminhar seja bem mais vagaroso, evoluirá claramente em inteligência e habilidades até à idade adulta. Apesar de o desenvolvimento lento ser comum em todas as crianças Down, existem diferenças marcantes entre elas: cada uma terá as suas graças, a sua maneira de ser, de brincar, de se comunicar e também o seu tempo de aprendizagem, ficando a nosso encargo perceber a hora e a forma mais carinhosa de nos aproximarmos dela.

1.4 — A CRIANÇA DOWN EM IDADE ESCOLAR

Quando a criança Down se torna mais independente, conseguindo comunicar, andar bem e integrar-se num grupo, está pronta para frequentar uma escola. Em alguns casos, isto pode acontecer entre três e quatro anos, em outros um pouco depois. Os pais devem estar seguros de que uma turma, mesmo com crianças mais novas do que ela, só lhe fará bem. A partir dessa mudança, o seu desempenho linguístico e a sua independência nas atividades da vida diária terão grandes progressos. Notamos um benefício significativo para as que puderam participar de uma turma totalmente normal no início da sua aprendizagem, especialmente no Jardim de Infância. A realidade mostrou que, apesar de lento, o progresso das crianças foi evidente.

Aprendizagem e desenvolvimento não entram em contacto pela primeira vez na idade escolar (…), mas estão ligados entre si desde os primeiros dias de vida da criança. (Lev Vygotsky, 1988).

1.5 — O ADOLESCENTE DOWN E A SEXUALIDADE

A compreensão do adolescente Down sobre o sexo é muito importante para a sua evolução, pois a sexualidade destes portadores ainda é motivo de preocupação para alguns e um tema pouco explorado para outros, talvez pelo fato de se ignorar ou de se considerar inexistente a sexualidade nestes indivíduos.

Diálogos esclarecedores sobre namoro e sexo, geralmente já difíceis entre pais e filhos, nesses casos são inexistentes.

A frequente atribuição de uma natureza assexuada ao deficiente mental resulta da visão deste indivíduo como sendo um ser incompleto. Mesmo que a deficiência se anteponha à possibilidade de desenvolvimento pleno destes indivíduos, a eles deve ser dada a oportunidade de serem ouvidos sobre o que querem, pensam e sentem acerca da sua sexualidade. Eles mesmos manifestam desejos de namorar, trabalhar, casar e ter uma vida sexual ativa (Glat, 1996).

Independentemente da deficiência mental, os adolescentes nesta condição são pessoas únicas e, como tais, têm necessidade e direito de experienciar e partilhar afeto como todos nós.

Por isso, uma orientação sexual adequada é necessária, através de informações claras e sem preconceitos, para que estes jovens consigam abrir-se sobre as suas dúvidas. Eles têm desejos, sentimentos e necessidades sexuais como todo ser humano; é importante que se verifique se as pessoas que tratam do jovem (pais, irmãos, terapeutas, amigos) têm consciência destes factos.

Na medida em que o adolescente ou adulto Down participou de uma vida normal em comunidade, ele criou possibilidades de defesa contra agressões sexuais, aprendeu a defender-se e agir adequadamente diante das dificuldades da sua vida diária. O seu comportamento será tanto mais normal quanto mais se procurou respeitar suas capacidades básicas, colocando-o sempre em atividades adequadas ao seu nível de compreensão. Se ele entende os problemas, é capaz de tomar iniciativas. Há muitos momentos simples nos quais ele deve ser solicitado a tomar decisões próprias.

Aos poucos a sociedade vai percebendo o erro de segregar aqueles rotulados como “débeis mentais”. Vai, assim, aceitando no seu convívio essa minoria capaz de trabalho e amor. As famílias lutam para que seu filho tenha um lugar ao sol na comunidade a que pertence e aos poucos vemos surgir uma atitude social recetiva e diferente relativamente ao assunto.

1.6 — O DOWN NA IDADE ADULTA

Uma preocupação constante dos pais de indivíduos Down diz respeito a quem, no caso da sua morte, ficaria responsável pelos seus filhos. Se não há irmãos ou parentes que assumam tal responsabilidade, o problema complica-se. Há, também, a possibilidade do(s) parente(s) não ter(em) condição económica para assumir a tutela do filho.

Em muitos países desenvolvidos, como Suécia, Inglaterra e Estados Unidos, há centros residenciais para adultos com deficiência mental. A internação, entretanto, ainda é um problema muito debatido e pesquisado: a institucionalização nem sempre é o mais indicado, pois as habilidades sociais dos adultos Down são geralmente muito boas; eles conseguem participar da comunidade como profissionais e podem viver normalmente com suas famílias.

1.7 — AS OFICINAS PROTEGIDAS

Estas oficinas profissionalizantes com condições especiais de trabalho dão ao adulto Down a oportunidade de se sentir capaz de realizar algo útil à sociedade, enquanto atesta aos pais a possibilidade de o seu filho agir com independência, indo e voltando em horários fixos, cumprindo a rotina de um trabalhador comum e recebendo orientação técnica constante de um educador.

Em São Paulo, o Centro de Habilitação da APAE construiu uma exemplar oficina protegida (onde o trabalho é protegido, supervisionado e remunerado) que serve de modelo para outras espalhadas pelo país (Lefévre, 1981).

2 — A ESTIMULAÇÃO ESSENCIAL

Várias terminologias são usadas para uma mesma prática: estimulação essencial, intervenção precoce, solicitação ao desenvolvimento, estimulação precoce. Nos últimos anos, esta última expressão foi muito utilizada, pretendendo-se dar ênfase ao treino que deve ser iniciado o mais cedo possível nas crianças com atraso no desenvolvimento. Ela, entretanto, me parece incorreta por não traduzir bem o espírito do programa. Precoce significa ‘prematuro, antecipado’ de acordo com o Dicionário Brasileiro – O Globo (Francisco Fernandes, 1993). Não se deseja proceder a um treino prematuro, mas sim estimular, à custa de numerosos expedientes, o desenvolvimento das estruturas cerebrais que responderão por atividades psicomotoras cada vez mais complexas.

O atendimento em estimulação não é feito antes do tempo certo. A sua aplicação dá-se antes que os problemas no desenvolvimento da criança se tornem irreversíveis. Por isso, ele é essencial ao desenvolvimento e, feito no momento oportuno, faz jus ao nome estimulação essencial.

A sua aplicação é terapêutica, pois atua tanto no campo da prevenção como da intervenção, tendo como bases teóricas fundamentos da neurologia infantil, fisioterapia e psicologia do desenvolvimento infantil.

…é uma técnica terapêutica exercida sobre a criança, que busca garantir e/ou resgatar um crescimento mais harmonioso, pleno e natural possível, baseada no princípio que cada indivíduo possui uma competência interna de desenvolvimento nos âmbitos físico, motor, mental, social e da linguagem. (Benatti & Carvalho, 1990).

2.1 — A ESTIMULAÇÃO DE UMA CRIANÇA PORTADORA DA SÍNDROME DE DOWN

O cérebro funciona como um todo e sempre que estivermos estimulando uma área específica afetaremos toda a função cerebral; daí a grande importância da estimulação de uma criança portadora da síndrome.

A estimulação, quando feita com estas crianças, deve ter início o mais cedo possível.

Muitas mães queixam-se de terem sido encaminhadas muito tarde para o tratamento dos seus filhos e sentem-se culpadas pelo atraso que se verifica, considerando que o tempo perdido nunca mais será recuperado. (Lefèvre 1981).

As crianças Down ficam rapidamente fatigadas; com o cansaço, falta a energia necessária para manter a concentração. Sempre se deve verificar se o trabalho é interessante para elas, pois o desinteresse surge tanto como resultado de pedidos complicados, como de com pedidos fáceis demais. As tarefas e ordens precisam ser dadas com calma, preparando a exigência final.

O mesmo deve acontecer em casa, quando os pais desejarem que a criança mude de atividade: se estiverem sempre apressados não conseguirão uma boa atenção da criança.

Neste estudo, enfocarei prioritariamente as estimulações das funções motoras e das funções sensoriais.

2.2 – A ESTIMULAÇÃO DAS FUNÇÕES MOTORAS

L. Coriat sugere as seguintes etapas de estimulação para controle postural nos primeiros meses de vida do bebé Down: se a criança está deitada de costas, dobrar e encostar uma na outra as suas perninhas; se está deitada de bruços, colocá-la com a cabeça virada para o lado. Ao segurá-la no colo, evitar a posição horizontal e sustentá-la verticalmente. Faça-se o que for, sempre se deve lembrar que falar com a criança e acariciá-la são ações básicas para despertar o seu interesse de responder aos apelos do estimulador.

Na estimulação motora, ao rolar e movimentar braços e pernas, a criança sente e experimenta livremente o seu corpo no espaço, disposto em várias posições. A sua movimentação espontânea é, portanto, enriquecida com um número maior de experiências sensitivas e sensoriais; quando pequena, a criança delicia-se com estas experiências, interessando-se em explorar todo o corpo quando livre das vestes.

Ela, então, percebe e olha as suas mãos e os seus pés e sente a sua barriguinha e os seus órgãos genitais. Melhora, desta forma, a sua perceção de onde estão as partes do seu próprio corpo.

É importante estar atento aos movimentos estereotipados (repetitivos); a partir dessa observação, intervenções deverão ser feitas, chamando-se a atenção com outra solicitação, distraindo a criança para um objeto oferecido ou mudando-a de posição para, assim, não deixar que persista nesses movimentos.

Várias solicitações para o estímulo motor poderão ser feitas conforme a posição corporal da criança. Se estiver deitada de bruços, pode-se usar bolas de diferentes tamanhos e que correm em diversas direções, começando pelas maiores e depois usando outras menores, que exigem maior atenção visual.

No início da estimulação, a criança acompanhará por pouco tempo o rolar das bolas mas, com a sequência das sessões, será capaz de acompanhar as diversas direções para as quais rolam, assim como a sua visão de perto ou de longe.

Ao ser deitada de costas, os objetos deverão ser apresentados no alto, em movimentos em cruz, verticais, horizontais ou circulares.

Quando estiver sentada numa cadeirinha, a criança experimentará os movimentos dos braços, procurando alcançar os objetos que estiverem perto ou longe.

Quando ela já souber andar, os movimentos estimulados serão o de se abaixar para pegar uma infinidade de brinquedos simples que poderão ser oferecidos. Os estímulos de locomoção, firmando os pés no chão e pedalando, poderão ser feitos através de um velocípede de três rodas.

Os estímulos para o desenvolvimento destes movimentos devem ser cuidadosamente seguidos, respeitando-se as etapas do movimento da criança, sequência esta que torna mais fácil superar as diferentes fases.

Deve-se estar atento, lembrando-se que antes de ser estimulada para que ande, a criança deve ser estimulada para sentar com apoio e, depois, sem apoio.

É importante que se observe constantemente o estado de desenvolvimento da criança para que se verifiquem os seus progressos e se analisem as suas possibilidades, verificando-se quando é a hora de seguir para a etapa seguinte. Se a criança já consegue sentar-se na cadeira com encosto e já é capaz de se inclinar para a frente, pegando algum objeto sozinha, isto mostra-nos que já pode sentar-se sem apoio; por conseguinte, poderá ser solicitada a ir empurrando a cadeira e estará apta para os seus primeiros passinhos. Deve-se ter o cuidado de observar se estes movimentos são espontâneos: forçar um exercício, queimando uma etapa, é um grande erro.

2.3 — ESTIMULAÇÃO SENSORIAL

Os estímulos das funções sensoriais certamente facilitarão a compreensão pelas crianças do que ocorre ao seu redor. É preciso que o bebé tenha oportunidade de olhar o mundo que o rodeia; como já citei, o chão é o lugar mais estimulante para isso e a melhor posição é deitado de bruços. É importante para os pais saber que a postura de bruços na cama ou no chão é muito útil para reforçar os músculos da coluna e facilitar o levantamento da cabeça. Nessas condições, o bebé será solicitado pelo movimento dos familiares, pelos objetos que rolam, se distanciam e se aproximam. Todos os sentidos devem der solicitados: pelo tato, experimentam-se as consistências diferentes de um pedaço de algodão, de um brinquedo de borracha e de outros materiais; a visão seguirá os movimentos de familiares e objetos; a audição discriminará objetos que emitem sons variados, como um sino, um chocalho, latinhas com objetos dentro ou uma caixinha de música. É importante uma associação consciente despertando a atenção para brincar, pegar no objeto, olhá-lo e senti-lo.

Além dos movimentos das bolas em direções variadas, também se pode despertar o interesse e a atenção infantil para uma lanterna; quando a criança consegue segurá-la pode, por conta própria, variar a direção do facho de luz e segui-lo pelas paredes ou pelo chão. Com olhos e mãos em conjunto, estará exercitando a coordenação visual-manual. O tipo de objeto pode variar, mas deve ser deixado com ela, à medida que desperte o seu interesse e curiosidade. Querer brincar é uma condição fundamental para o progresso de um bebé.

2.4 — A ESTIMULAÇÃO AUDITIVA

As estimulações auditivas terão o objetivo de fazer a criança virar a cabeça para o lado de onde vem o som. Com a introdução de sons diferentes, estaremos exercitando a sua atenção, deixando que escolha e reproduza ou repita alguns destes sons. No início, ela só perceberá os ruídos mais fortes mas, aos poucos, começará a distinguir os mais familiares, como a porta que se abre para a mãe entrar, a buzina do carro do pai, o som da voz do irmão. A seguir, passará a perceber os sons vindos de longe, como a chuva caindo na rua, o cachorro latindo no quintal, o som do avião passando. Será preciso, nestas ocasiões, chamar a atenção, procurando despertar o seu interesse com imitações, usando sons onomatopaicos, pois estes podem lembrar o evento sonoro passado: a criança pode tentar imitar o “au-au” do cachorro, o “piu-piu” do passarinho, num jogo que será importante para a futura articulação da fala. A audição começa a se apurar e os lábios começam a querer trabalhar.

2.5 — A ESTIMULAÇÃO DA FALA

A estimulação da fala é muito importante, mas é preciso lembrar aos pais da criança Down que em alguns casos ela processa-se muito lentamente e isto não quer dizer que a estimulação esteja a ser deficiente; indica apenas que aquela criança, por motivos ainda não explicados, tem mais dificuldade do que as outras para a fala expressiva. Mesmo que a criança não tenha problemas de audição, pode haver dificuldade em articular os sons, como frequentemente se vê.

O trabalho de estimulação da fala é longo e muitas vezes os pais sentem-se frustrados ao perceber o desfasamento entre a linguagem expressiva e o desenvolvimento de outras áreas, como as motoras, perceptivas e sociais. É bastante comum o desenvolvimento melhor e mais rápido da compreensão da linguagem falada, havendo atraso maior na expressão. Por um bom tempo a criança compreende o que lhe dizem, mas demora a atingir a capacidade de falar o que deseja.

Luria considera importante uma boa evolução da linguagem falada para o surgimento da capacidade de abstração e generalização.

Os movimentos com a boca, face e lábios, como já vimos acima, podem ser exercitados com jogos que interessem as crianças.

Algumas crianças têm tendência a deixar a língua para fora da boca. Exercícios podem ser feitos para retificar isso, de preferência sem ansiedade e sem que a criança perceba que a língua para fora significa olhares e atenção para ela. Convém assinalar que atividades exigem que a língua fique dentro da boca: todo movimento de coordenação, como mastigar, soprar ou fazer caretas engraçadas requer que os lábios se juntem, levando, assim, a língua para o seu lugar.

O uso exclusivo de alimentos moles evita a mastigação, que é um exercício muito necessário às crianças com síndrome de Down.

Os jogos em que se provam diferentes alimentos costumam provocar exercícios espontâneos da língua: experimenta-se o doce, o salgado, o melado, o duro, obrigando a língua a fazer movimentos de lamber o que foi colocado num canto ou noutro da boca.

É importante prestar atenção para a hora de parar, para não deixar a criança cansada ou irritada, sabendo deixar para o dia seguinte partes do exercício que tenham faltado.

2.6 — A ESTIMULAÇÃO DA CRIANÇA EM IDADE ESCOLAR

À medida que a criança Down consiga comunicar, andar e se integrar num grupo, poderá frequentar um jardim de infância, onde a presença de crianças normais será de grande benefício, auxiliando no seu desenvolvimento. Por outro lado, a frequência das escolas comuns não será benéfica somente para as crianças portadoras, mas também para as crianças normais, que se habituarão a conviver com crianças com deficiência de desenvolvimento e a compreendê-las.

A professora poderá desfazer os preconceitos das famílias conversando e mostrando aos seus alunos que um trabalho livre e criativo não é prejudicado pela presença desta criança mais lenta na aprendizagem. É importante para ela estar presente naquela turma e, apesar da lentidão, o seu progresso será evidente.

As escolas especiais no Brasil são poucas e raras; normalmente nem existem em cidades pequenas. As grandes cidades contam com mais recursos escolares, apesar de ainda insuficientes para este tipo de atendimento. Essa escassez de escolas especiais torna um pouco mais lenta e difícil a aprendizagem das crianças portadoras de síndrome de Down, pois no momento em que se inicia o ensino da escrita, da leitura e do cálculo, ou seja, o Curso de Alfabetização (C.A.), a grande maioria dessas crianças tem necessidade de uma aprendizagem muito mais lenta e individualizada, que deve ser acompanhado em turmas menores, nas quais se pode suprir a dificuldade de atenção e aplicar tarefas onde não haja competição.

Nestas turmas, os estímulos distrativos podem ser controlados. É preciso que ruídos acidentais (como buzina de carros, barulho da rua, avião passando) não se tornem mais importantes do que a ação iniciada.

De uma forma geral, comprova-se que a criança Down que frequenta escola com pequeno número de alunos e professores especializados tem o mais rápido progresso na aprendizagem da leitura, do cálculo e da escrita.

2.7 — A ESTIMULAÇÃO DA ATENÇÃO

Luria considera o estado de alerta imprescindível como substrato da aprendizagem e entende que o cérebro em ação é o que torna o homem capaz de pensar e de agir.

Todos os estímulos sensitivos, visuais ou auditivos são programados e organizados para que a atenção consiga desprezar o que é acidental e selecionar o que é importante. A seleção e a discriminação são intimamente ligadas ao estado de alerta.

Por isso, toda a criança precisa de estar atenta e vigilante para aprender coisas novas. Quando consegue esta capacidade de atenção, se concentra no problema proposto e tenta resolvê-lo. É preciso lembrar que crianças menores têm dificuldade para manter a atenção em um problema proposto, pois a função cerebral responsável pelo alerta evolui lentamente e a duração do tempo de atenção, à medida que estas crianças crescem, vai aumentado.

Os exercícios visam aumentar a duração desse tempo, mas lentamente, respeitando a capacidade individual de cada criança. Todas as técnicas de estimulação mencionadas anteriormente conduzirão a criança a uma maior capacidade de atenção. Luria (1963), entretanto, ressalva que a criança Down apresenta uma fadiga muito rápida: a sua atenção naturalmente se mantém por menos tempo.

Lourenço (1952), organizou uma série de testes para crianças Down de diversos meios sócio-económicos, com o intuito de estudar as funções mais necessárias ao aprendizado da escrita e da leitura. Em seu estudo, a partir de uma adaptação da linha de abordagens do autor, encontram-se sugestões de exercícios, comentadas na seção seguinte, que solicitem todas as seguintes funções: atenção e memória visual; atenção auditiva; noções de espaço e esquema corporal.

2.7.1 — Exercícios estimuladores

Algumas pesquisas comprovaram que há um défice de “memória visual” na criança Down, pois ela tem mais dificuldade para guardar imagens vistas do que uma série de palavras ouvidas. A atenção e memória visual constituem a capacidade de reter informações recebidas pela visão. Como a criança Down tem dificuldades relacionadas a essa habilidade, há necessidade de exercícios para que guarde, lembre e reconheça mais prontamente o que já foi visto.

Para o estímulo da “atenção auditiva” podemos usar jogos, pois essas atividades melhoram a concentração no som repetido. Junto ao trabalho de esquema corporal, deve ser introduzido o ritmo de uma forma bem atraente, o que auxiliará a memória e a atenção da criança. Pode-se, por exemplo, variar o ritmo, usando batidas fortes e fracas, rápidas e lentas no tambor, para que a criança marche devagar ou depressa; com outro tambor, ela pode, ainda, imitar o ritmo das batidas.

As canções infantis, pela sua simplicidade, devem ser usadas, em andamento lento, com as palavras bem articuladas, para que sejam bem compreendidas. Este tipo de música geralmente atrai as crianças, estimulando a sua atenção e sua discriminação auditiva.

Devemos lembrar que é o nosso corpo, nas suas “relações com o espaço” e com os objetos, que vai proporcionar as condições para a aprendizagem da leitura e da escrita (Lefèvre, 1981).

Os exercícios com o objetivo de amadurecer a consciência do “esquema corporal” auxiliarão no aprendizado escolar e também em todo o trabalho posterior à escola, na profissionalização, independência e socialização.

A criança que participar dessas atividades estará aprendendo a agir de forma adequada e madura pela sua fala e pelo seu corpo, com gestos e movimentos em sequência harmoniosa no tempo e no espaço. Também Sampaio (1969) propõe uma programação para jogos de expressão livre, preparando a criança para a consciencialização do seu esquema corporal e para as possibilidades dos seus movimentos. Ela planifica essas atividades em etapas sucessivas, a introduzir progressivamente na estimulação.

O objetivo de tais exercícios é fazer a criança movimentar-se, trabalhar o corpo globalmente, sentindo a sua postura e equilíbrio e movimentado todos os membros.

Em sequência, Sampaio (1969) sugere jogos dramáticos: histórias inventadas, no faz-de-conta – fingir que se ganhou um presente, que se está triste porque um brinquedo quebrou, imitar soldados, robôs, bailarinas etc.

3 — A MUSICOTERAPIA E A ESTIMULAÇÃO DO PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN

Embora exista um trabalho significativo de musicoterapeutas brasileiros com crianças portadoras de síndrome de Down, encontrei poucas referências bibliográficas sobre esse trabalho. Dentre o material bibliográfico encontrado, destaco dois trabalhos: Lopez (1998), no seu artigo As influências das Músicas Infantis no Desenvolvimento Psicomotor da Criança, realça a importância da linguagem musical e dos seus elementos no desenvolvimento psicomotor infantil de uma maneira geral; Ana Sheila Uricoechea (1997) investiga a possibilidade de criação de uma ampliação do “setting” musicoterapêutico através da construção de objetos sonoros e da exploração de seus sons.

Constatada a pouca disponibilidade de estudos sobre trabalhos musicoterápicos com crianças Down, optei por entrevistar musicoterapeutas com prática nesta área para, partindo da experiência profissional relatada, formular propostas e possibilidades formais para a estimulação de crianças portadoras de síndrome de Down.

3.1 — QUANDO COMEÇAR

O melhor momento para se iniciar a estimulação com um portador desta síndrome é logo após o nascimento; nesse momento já há indícios de que o bebé será portador da síndrome de Down e, portanto, o perinatologista já pode fazer um diagnóstico prescritivo. Na síndrome de Down, esta estimulação deve começar cedo, envolvendo sempre as mães, porque elas serão responsáveis pela continuação da estimulação.

Sabemos que já existe uma estimulação sonora desta mãe com seu bebé, mas a musicoterapeuta vai incentivar mais ainda esta relação sonora; conhecemos a importância do estímulo sonoro, do som, durante todo o desenvolvimento destas crianças. (Ana Sheila Uricoechea, 2003).

Eis a apreciação da importância da ajuda da mãe neste processo; este envolvimento favorecerá a terapia pois, desse modo, a criança, será conduzida pelo terapeuta e apoiada pela família, o que com certeza muito ajudará para que atinja os objetivos traçados com mais segurança.

Orientar a família é fundamental para que esta possa dar uma continuidade aos estímulos em casa. (Guerra, 2003).

3.2 — A FICHA MUSICOTERAPÊUTICA

Segundo Norma Landrino (2003), a parte mais importante do trabalho de estimulação é fazer uma boa ficha musicoterapêutica, para que se pesquise e conheça bem a vida do paciente:

O ambiente familiar, a experiência musical, os contactos musicais que esta pessoa tem, a bagagem musical deste indivíduo. Se ele ouve discos em casa, se ele gosta de rádio, se gosta de música, que tipo de música o atrai.

Deve-se saber de que música ele gosta e estimulá-lo, fazendo com que comunique esta música, lhe mostre esta preferência, se é que ele consegue falar sobre isto, porque muitas vezes o paciente com síndrome de Down não tem um vocabulário muito bom.

Apesar de não mencionar a ficha musicoterapêutica, Guerra (2003) acrescenta a importância da família falar um pouco de como é o dia deste paciente e de qual é a vivência sonora desse grupo: o musicoterapeuta precisa estudar o processo desta criança, buscar entender as necessidades que ela tem, as suas prioridades e preferências.

3.3 — A RELAÇÃO TERAPEUTA — PACIENTE

Um dos objetivos primordiais de uma terapia é estabelecer a relação terapeuta—paciente, para que este tenha confiança no trabalho e se desenvolva com prazer (Norma Landrino, 2003).

Denise Guerra (2003), que concorda com essa assertiva, acrescenta que, no trabalho com crianças, é importante estender este vínculo terapêutico também à família.

Nós, musicoterapeutas, precisamos manter este contato bem forte e afetuoso. No primeiro momento, isto não acontece; o terapeuta precisa de construir essa relação, essa troca, para que se tenham mais tarde outras respostas, outros pontos. Sem a relação terapêutica fortalecida, não se consegue trabalhar com esta criança. (Guerra, 2003).

3.4 — AVALIAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DE GRUPOS

Ao iniciar-se o trabalho de musicoterapia numa instituição, faz-se uma classificação geral das crianças com síndrome de Down, pois existe uma série de níveis de desenvolvimento mental afetando, segundo o seu grau, a capacidade cognitiva.

…nós temos casos de síndrome de Down que consideramos moderados, casos que não chegam a ser leves, mas moderados, com um bom prognóstico, e temos casos severos ou profundos. (Uricoechea, 2003).

Guerra (2003) ratifica esses níveis de desenvolvimento: leve, moderado e severo.

Os pacientes com quadro leve normalmente têm um desenvolvimento escolar interessante, chegando a passar por escolas inclusivas e a concluir o primeiro grau.

Os pacientes com quadro moderado aprendem a ler e a escrever, podendo, eventualmente, chegar ao quarto ano.

Os pacientes com quadro severo não conseguem participar do processo escolar. Podem aprender ofícios simples e, então, entrar no mercado de trabalho. Os que aprendem a ler podem fazer assumir tarefas mais elaboradas.

Relatos recentes (…), negam dados anteriores, que estabeleciam que as crianças com síndromes de Down geralmente apresentam atraso mental severo ou profundo. Esses estudos contemporâneos têm mostrado que a maioria das crianças com síndrome de Down tem um desempenho na faixa entre leve e moderada do atraso mental. (Pueschel, 1993).

3.5 — FORMANDO E MESCLANDO OS GRUPOS

Após a classificação geral por nível de desenvolvimento, teremos a avaliação cognitiva para poder organizar os grupos segundo o tempo mental de cada um; a partir dessa organização, devem ser feitos subgrupos para que se observe como esta criança está afetivamente.

Um grupo com mais dificuldade, outro com menos, até mesclando um pouco, para não colocar só quem está muito bem com quem está com muita dificuldade. A razão de mesclar um pouco é fazer com que o grupo puxe melhor o que está com mais dificuldade, mas com o cuidado de nunca juntar um grupo muito prejudicado com outro que esteja muito bem. (Guerra, 2003).

Outra forma de mesclar os grupos dos portadores desta síndrome, seria agrupar esses pacientes com outros, que tenham outros tipos de deficiência mental.

Não há necessidade de formar grupos só com portadores Down pois, na prática da musicoterapia, eles podem conviver, com outras deficiências, com outros tipos de patologias dentro da deficiência mental. (Uricoechea, 2003).

3.6 — FORMULANDO OS OBJETIVOS

Guerra faz-nos lembrar da importância de ter sempre claramente formulados objetivos no trabalho com estas crianças. Estes objetivos têm que ser sempre progressivos, pois não adianta estimular “uma coisa lá na frente” se, “aqui atrás”, a criança ainda não avançou. É complicado querer que a criança ande, se ela ainda não se senta. Apesar de algumas pularem fases, é importante que haja a possibilidade de progressão. Devem ter-se sempre claros os objetivos, pois assim se poderá estimular os potenciais de cada criança. Se já está quase a andar, pode estimular-se essa atividade, sempre respeitando o tempo individual, sem cobrar da criança o que ela não está conseguindo fazer.

O espaço terapêutico é da criança; por ela nós estamos ali, em função dela deveremos pensar as propostas, direcionar o atendimento, o tratamento, sempre para ela. (Guerra, 2003).

O objetivo primordial de Landrino (2003) é fazer uma boa ficha musicoterápica. Em seguida é estabelecer a relação terapêutica, pois, como já foi dito, sem ela fortalecida o terapeuta não consegue trabalhar com a criança.

Outros objetivos surgem no decorrer das sessões, com a progressão do trabalho com o paciente. Você poderá, assim, ter vários objetivos, uns subjetivos, outros mais concretos e mais diretos. (Landrino, 2003).

3.7 — TÉCNICAS

As técnicas sugeridas por Guerra (2003) começam a ser aplicadas com a criança Down ainda bebé, fase em que o M.T. deve trabalhar os sons primitivos e guturais (sons da garganta). O M.T. também estará estimulando o bebé a experimentar diferentes tipos de sons, como vibrações dos instrumentos e da própria voz, pondo a sua mão na garganta e também no peito enquanto fala ou canta. O M.T. deve, ainda, chamar a sua atenção para as vibrações dos instrumentos sonoros, para as suas texturas (como a do afoxé com bolinhas), colocando a sua mão sobre o instrumento para que o experimente, trabalhando, assim, a coordenação e a perceção dos materiais do meio. Também é importante que se explore a temperatura dos instrumentos de metal, de madeira, de palha, de plástico; suas diferenças estimulam a percepção do bebê.

Ao cantar, é importante massajar o corpo da criança sempre, dando-lhe um continente afetivo; ela precisa de colo, de aconchego e de afeto. (Guerra, 2003).

Papéis que produzem som, como os que embalam ovos de Páscoa, bem coloridos, dão bons brinquedos sonoros: as crianças gostam do colorido e dos sons que fazem.

Com crianças em fase ou idade cronológica mais adiantada, o musicoterapeuta poderá trabalhar da mesma forma, usando o mesmo material, os mesmos estímulos, mas prestando mais atenção nas especificidades da criança: as suas preferências. Mesmo com o desenvolvimento mental não organizado, ela expressa o que está trocando com o meio.

Estimular a expressão do paciente é de suma importância numa sessão de musicoterapia. Se ele tem problema de comunicação e fala mal, que o musicoterapeuta faça com que se expresse através da música, corporalmente, sonoramente e pelas canções de sua preferência; que trabalhe as palavras da letra dessas canções.

Ele poderá, também, trabalhar o aspecto afetivo, funcional e o rítmico desta música; assim, estimulará este paciente para uma expressão corporal, como a dança, conseguindo, desta forma, que ele se movimente. (Landrino, 2003).

Poderá, ainda, ampliar o seu vocabulário, fazendo com que articule palavras novas, como as da letra de uma música conhecida, (…) de que, geralmente, o adolescente Down gosta muito.

O musicoterapeuta pode usar esta música e, assim, terá um repertório de atividades para trabalhar estímulos com o seu paciente: usando o conteúdo da mesma música, ele também poderá motivá-lo a criar outras músicas. Estas criações podem ter por tema a sua própria família, num exercício de afetividade. O desenvolvimento dessas cognições é muito benéfico para esses pacientes.

Os portadores da síndrome de Down, têm uma relação muito interessante com o som. Podemos ver a importância da música nesses grupos, para os quais ela traz amplas condições de melhoras.

É maravilhoso ver que a música como estímulo, no momento certo e adequado, tem a capacidade de retirar estas pessoas deste mundo de incapacidades onde eles estão rotulados; neste momento, eles ficam livres deste estigma da deficiência mental. (Uricoechea, 2003).

O seu desempenho é muito satisfatório, na maioria das vezes muito bom. Eles pegam instrumentos de percussão e tocam, dançam, cantam, manifestam-se de uma maneira muito normal. Os resultados são muito favoráveis, os prognósticos, positivos e satisfatórios; realmente muito bons.

3.8 — LIMITES

Guerra (2003) afirma que o “setting” como um todo deve fonte de prazer, mas também precisa de oferecer os limites necessários para esta criança; não só o que é muito legal, bom e prazeroso há de funcionar. A criança está ali porque gosta de música, gosta do espaço, da troca com os amigos, da relação com o terapeuta, mas também é necessário que sejam estabelecidos limites. Falar das coisas que não se deve fazer, do que se deve, ou mesmo do que não se deve aprender. O musicoterapeuta tem de estabelecer limites, muito importantes para o amadurecimento da criança.

“Mãe suficientemente boa” (Winnicott, 1990) é exatamente aquela que dá o continente, o aconchego, o afeto e também o limite.

3.9 — UMA ESTIMULAÇÃO ESPECÍFICA

Vimos que existe uma série de níveis de desenvolvimento mental afetando o desempenho cognitivo; por isto, a estimulação sonora deve ser específica: esse desenvolvimento é muito estimulado e favorecido pelas atividades musicais, sejam elas de cunho rítmico, melódico ou de conscientização e coordenação corporal. Quanto mais específicas para as necessidades de cada um, melhor.

A estimulação deve ser muito específica para cada caso. (Uricoechea, 2003).

Precisamos de considerar que cada indivíduo é único e que, como tal, deve ser tratado com respeito à sua subjetividade; só assim estaremos praticando uma musicoterapia que invoque o sujeito como centro do trabalho.

A criança, com um pouco de vivência, mesmo não estando com seu desenvolvimento mental organizado, já consegue mostrar aquilo que ela está trocando com o meio; assim, é importante que o estímulo usado seja compatível com esta idade mental e com o interesse e a história desta criança. (Guerra, 2003).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho e, mais especificamente, a investigação do seu tema, foi de suma importância para mim. Apesar de já saber algumas coisas sobre ele, as minhas dúvidas eram inúmeras; algumas coisas eu apenas pensava que sabia…

Como primeiro passo, pesquisei esta síndrome e constatei a importância de se conhecer as suas dificuldades, os problemas de saúde que estas crianças enfrentam. Entretanto, mesmo não desconsiderando a importância dessa pesquisa bibliográfica, entendo que devo as principais descobertas sobre a aplicação da musicoterapia para estas crianças às entrevistas com profissionais musicoterapeutas.

As três entrevistas, foram indispensáveis para a compreensão do assunto: mesmo sem perguntas formalmente elaboradas, as três profissionais falaram de pontos importantes da sessão musicoterápica, abrangendo o portador Down nas etapas do seu desenvolvimento.

A musicoterapia aparece no discurso desses profissionais, como importante fator de estimulação para o portador de Síndrome de Down. Tocar, cantar, dançar com estas crianças e também com seus pais revelam-se potentes recursos a ser utilizados pelos profissionais de saúde. Os musicoterapeutas podem se beneficiar destes conhecimentos para alcançarem maior eficiência no seu trabalho clínico.

Apesar da satisfação pelos resultados obtidos, reconheço que esta primeira abordagem que não esgota o tema, que ainda merece estudos mais detidos para que se obtenham contribuições ainda mais ricas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENATTI, Raquel Candido. A estimulação essencial ao desenvolvimento infantil. Rio de Janeiro: 1992. Monografia final do Curso de Formação de Musicoterapeutas do Conservatório Brasileiro de Música.

FERREIRA, E. A. de Barros & FLEURY. Atividade Criadora em crianças com Síndrome de Down: Uma nova perspectiva da Musicoterapia. Goiânia: 1995. Monografia final do Curso de Especialização em Musicoterapia e Arteterapia em Educação Especial a Universidade Federal de Goiás.

LEFÈVRE, Beatriz Helena. Mongolismo: orientação para famílias. São Paulo: Almed, 1981.

LOPEZ, A.L.L. “A influência das músicas infantis no desenvolvimento psicomotor da criança”. in Revista Brasileira da Musicoterapia. Rio de Janeiro: UBAM, ano III, nº 4, 1998, pp. 5-26.

MARTINS, K.; ANTUNES, J.P. & FRASSON, L. Deficiência Mental e sexualidade. “superando tabus”, in FERREIRA, S.L. (org.). Teatro e Deficiência Mental: a arte na superação de nossos limites. São Paulo: Memnon, 2002, pp. 43-76.

PROJETO RIO DOWN – MOMENTO DA NOTÍCIA. Primeiro website sobre síndrome de Down do Rio de Janeiro: www.novanet.com.br/riodown.

URICOECHEA, A.S. Construindo sons e suas ressonâncias: uma ampliação do “setting” musicoterápico, in Revista Brasileira de Musicoterapia. Rio de Janeiro: UBAM, ano II, nº 3, 1997, pp. 35-40.

MUSICOTERAPEUTAS ENTREVISTADOS

GUERRA, Denise. Musicoterapeuta da APAE. Data da entrevista: 05/07/03.

LANDRINO, Norma. Professor 1 da Secretaria Municipal de Educação da Escola Municipal Especial Marly Fróes Peixoto, na área de Educação Musical Especial, e Musicoterapeuta da Clínica da Casa Gerontológica da Aeronáutica Brigadeiro Eduardo Gomes. Data da entrevista: 12/06/03.

URICOECHEA, Ana Sheila. Musicoterapeuta do IPICEP e coordenadora do curso de formação de MT. do Conservatório Brasileiro de Música. Data da entrevista: 06/10/03.

Criança com síndrome de Down

Criança com síndrome de Down

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Criança com síndrome de Down tocando guitarra

MÚSICA E SÍNDROME DE DOWN

por Anahi Ravagnani

Excerto adaptado de A Educação Musical de Crianças com Síndrome de Down em um contexto de interação social, de Anahi Ravagnani, dissertação de mestrado. Curitiba 2009.

Em relação ao ambiente, é entendido por Ilza Joly não somente como espaço físico, mas o lugar onde convivem indivíduos diferentes e, por Lev Vigotski, como espaço onde ocorrem as interações sociais entre os indivíduos que o constituem.

No que diz respeito ao espaço físico, o ambiente da sala, arejado, limpo, bem iluminado e tranquilo, contribui para que as crianças se sintam seguras e confortáveis.

A existência de brinquedos na sala chama a atenção das crianças que, em alguns momentos, se distraem com os mesmos. Para o bom andamento de uma aula de música, sugere-se, portanto, que não existam brinquedos ou objetos que possam distrair.

Para que a criança participe numa aula de música, não é necessário que utilize apenas a linguagem falada como forma de se expressar. Conforme apontou Lev Vigotski, a linguagem não deve ser entendida como um sistema rígido de regras determinadas e, não depende necessariamente do som.

Ainda na visão de J. Russell, uma aula de música difere das demais aulas baseadas na conversação ou na fala. Numa aula de língua estrangeira, por exemplo, a maneira principal do discurso é a explanação e a discussão. A fala e a escrita, neste caso, são os principais canais de comunicação entre o professor e o aluno.

Nas aulas de música, as atividades são geralmente colaborativas, e os conteúdos musicais são realizados por meio de ações como cantar, bater ritmos, gesticular e movimentar-se, por exemplo.

Além disso, as respostas esperadas dos participantes, também são diferentes em um contexto de uma aula de música. Para as crianças com Síndrome de Down, este aspecto do fazer musical torna-se essencial, já que a maioria destas crianças possui dificuldades em comunicar-se verbalmente.

Contudo, as razões desta dificuldade podem ser entendidas também pelas diferenças entre as crianças, tenham elas necessidades especiais ou não. Lembremos que a participação de uma criança numa atividade depende também do seu nível de interesse pela mesma, assim como da personalidade de cada uma delas. Algumas são mais extrovertidas, outras mais reservadas, por exemplo, o que pode ter um impacto direto sobre o desenrolar das aulas.

As crianças utilizam constantemente canais não-verbais no decorrer das atividades, como gestos, olhares e posturas. Uma criança que no início não estabelece contato visual poderá vir a comunicar com todos. Não só pelo olhar, mas, também, por meio do contacto físico solicitado pela música, pela sua postura de atenção na atividade que exige mais concentração, pela alegria demonstrada na forma dos sorrisos que surgem ao longo das aulas e pela interação observada nos demais momentos. A criança que demora a exprimir-se nas atividades poderá vir a sentir prazer com as suas realizações musicais.

A utilização de um “canal musical” como forma de expressão, por meio do ato de cantar, gesticular, movimentar-se e bater os ritmos, vai-se transformando durante toda a experiência. No início de um processo, as crianças imitam os gestos do musicoterapeuta, formas de cantar e tocar. No final, cada criança tem o seu jeito próprio de participar na atividade.

Cada participante tem uma pulsação rítmica própria e constante, um modo de tocar diferente, uma maneira individual de responder ao canto de entrada, assim como uma resposta diferente. O musicoterapeuta conhece e respeita a forma de realização e empenho de cada criança, procurando propiciar um ambiente de interação e confiança mútua entre os participantes.

As atividades musicais oferecem às crianças que não têm uma linguagem verbal fluente uma possibilidade de expressão. Ao possibilitar às crianças a realização das atividades dentro de um ritmo próprio e individual, procura-se a valorização da autoestima de cada uma delas.

No que se refere à interação, constrói-se um relacionamento de confiança e afeto estabelecido entre o musicoterapeuta e o grupo, permitindo que ele se possa aproximar dos participantes e, por meio das atividades musicais possa agir como mediador da aprendizagem musical.

Este aspecto da aprendizagem mediada está de acordo com a concepção de Vigotski, na qual a aprendizagem ocorre num processo mediado pela interação com os outros, que, por sua vez, leva o indivíduo ao desenvolvimento cognitivo.

A mesma opinião é defendida por Mac Donald & Miell. Os autores ressaltam a importância da ação mediada na construção do conhecimento musical. Adicionalmente, os autores relatam que o estabelecimento de uma relação de confiança mútua entre os integrantes de um grupo, neste caso especificamente musical, contribui para que os indivíduos expressem suas próprias ideias, ouçam as ideias dos outros e, juntos, encontrem caminhos possíveis para solucionar um problema.

A importância do “outro social” no desenvolvimento do indivíduo também é ressaltada por Vigotski quando se refere ao contexto de interação social. Um indivíduo mais apto em interação com os demais, melhora e cria possibilidades de desenvolvimento da aprendizagem.

Partindo do pressuposto de que a deficiência é dada por determinadas condições orgânicas e históricas, que não se traduzem em impossibilidades, o musicoterapeuta oferece às crianças as mesmas oportunidades de vivência musical.

Cada criança difere da outra por meio de muitas características diferentes. O que as une, a Síndrome de Down, não as agrupa em um mesmo padrão de comportamento e aprendizagem. Ao invés disso, cada criança é diferente no modo como olha, fala, sente, responde e aprende.

Criança com síndrome de Down tocando guitarra

Criança com síndrome de Down tocando guitarra

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Criança hiperativa
MÚSICA E HIPERATIVIDADE

por Adriana Catarina de Carvalho de Paiva, Maria Bernadete Zagonel, Maria de Nazaré Vasconcelos Arouck, Silene Trópico e Silva

A Música Como Recurso para a Aprendizagem do Aluno Hiperativo: Relato de uma Experiência

Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na América Latina – 2007.

RESUMO

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H, catalogado sob CID-10) é um transtorno neurobiológico de origem genética e suas características são distração, impulsividade e hiperatividade.

A criança/adolescente em idade escolar com TDA/H é aquela que, além do normal para a idade, tumultua o ambiente, tem dificuldades em obedecer, tem problemas de auto-estima e é solitária. O seu rendimento escolar é baixo mesmo sendo inteligente, pois não consegue “parar” para aprender.

A música, por meio de técnicas da musicoterapia, tem sido usada como auxiliar nesses transtornos, por prescindir de palavras. A presente pesquisa realizou atividades musicais com 6 alunos portadores de TDA/H durante 6 meses, procurando levá-los a uma nova tomada de consciência por meio do fazer musical, com foco em: precisão rítmica, treino de melodias em grupo de modo a estimular a integração entre os alunos, atenção à diversidade de timbres dos instrumentos, audição orientada para musicas variadas.

Os encontros musicais serviam como terapia alternativa àquelas tradicionais para hiperativos e, além de sensibilizá-los musicalmente, procurou-se fazê-los perceber que a disciplina conseguida poderia ser estendida a outras situações da vida principalmente na escola, melhorando o seu rendimento escolar.

INTRODUÇÃO

Um dos desafios da vida escolar, tanto para quem ensina como para quem aprende, é a chamada hiperatividade: alunos que não conseguem ficar quietos e tumultuam o ambiente, prejudicando a sua aprendizagem e a da turma. A partir da vivência com alunos hiperativos, percebeu-se a possibilidade da utilização da música com fins terapêuticos, centrada no auxílio à aprendizagem.

As técnicas musicoterápicas utilizadas combinam o agir-fazer musical com a terapia, pois tal como é definido pela literatura, o campo de atuação da musicoterapia envolve a combinação dinâmica de muitas disciplinas destas duas áreas do conhecimento, que devem misturar-se para chegar-se a um objetivo profissional (BRUSCIA, 2000). Tem-se, de um lado, o fazer musical consciente e competente, com a devida noção do poder da música sobre os indivíduos, e por outro, técnicas de terapia.

1. A HIPERATIVIDADE EM CRIANÇAS

Os estudos apontam a hiperatividade como um transtorno neurobiológico de origem genética. Atualmente é catalogado na medicina sob o CID-10, com a denominação de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H). É mais comum entre crianças e adolescentes do sexo masculino, e os seus sintomas podem estender-se até à vida adulta, porém mais brandamente. As características principais são: impulsividade e desatenção. Há pessoas que apresentam apenas a desatenção (Transtorno do Déficit de Atenção: TDA) e outras, cerca de 50%, demonstram também agressividade, comportamento mentiroso e oposição.

Uma pessoa com TDA/H influencia o ambiente em que vive, geralmente negativamente: na família é sempre o responsável por situações embaraçosas; na escola é inicialmente bem aceite por ser agitado e brincalhão, porém, como também é competitivo e por não saber compartilhar, vai aos poucos perdendo as amizades (PHELAN, 2005). Algumas das consequências das citadas características é a baixa tolerância à frustração e a tendência ao isolamento, o que faz das pessoas com TDA/H seres humanos com baixa auto-estima.

No entanto, é importante ressaltar que uma criança considerada inadequada para trabalhos minuciosos, para estudos em grupo e outras atividades que exijam concentração, pode se mostrar ótima companheira de jogos, pois num local entediante, sem brinquedos, ela dá sempre um jeito de inventar mil brincadeiras (já que não consegue ficar parada).

Esta mesma capacidade inventiva pode manifestar-se em modos diferentes de resolver questões matemáticas (que nem sempre estarão corretas), ou sugestões originais para algum problema, visto que é impulsiva e geralmente falante. (SILVA, 2003). Isso tudo revela, sem dúvida, um alto índice de inteligência, grande capacidade criativa e potenciais que só esperam um modo ou forma para desenvolver-se.

O diagnóstico e tratamento para este transtorno devem ser feitos por uma equipa multidisciplinar que envolve a família, a escola, psicólogos, médicos e terapeutas.

Atualmente, combina-se o uso de medicação (psicoestimulantes, que paradoxalmente agem aumentando a atividade cerebral, mas criando condições para que o cérebro do hiperativo mantenha um controle sobre a impulsividade, vigilância e atenção) com terapias comportamentais, artes-terapias e a musicoterapia.

Partindo-se da verificação de que o aluno com TDA/H possui importante capacidade criativa e espontaneidade nas suas ações e que tais características são de grande valia no meio artístico, planeámos e desenvolvemos vivências musicais direcionadas à interação entre os participantes, à observação e avaliação de seus comportamentos, estimulando a sua participação e vibrando com os seus progressos, a fim de elevar a sua autoestima.

Tendo por base estas informações, atividades musicoterápicas foram desenvolvidas em ambiente escolar com alunos que apresentam problemas de aprendizagem, alguns portadores de TDA/H, e outros apenas com TDA, como se passa a relatar.

2. ATIVIDADES MUSICOTERAPÊUTICAS

Foram selecionados 6 meninos com idades entre 8 e 11 anos, estudantes de um colégio particular de Belém-PA, Brasil. A seleção ocorreu por meio de avaliação com os orientadores educacionais e através dos pais, que deram a anuência ao trabalho, assim como a direção do Colégio.

Foi feita uma entrevista com os pais, que na ocasião preencheram uma ficha de anamnese sobre seus filhos. Durante o desenvolvimento do trabalho de atividades musicais com fins terapêuticos a comunicação entre as pesquisadoras, pais, professores e orientadores educacionais foi constante.

No próprio colégio onde os alunos estudam, mas em dias e horários diferentes dos das aulas, as pesquisadoras dispuseram de uma sala com almofadas, aparelho de som, instrumentos musicais (violão, teclado e percussão variadas), material de desenho e pintura.

Formaram-se dois grupos com três alunos cada, trabalhando-se por uma hora com cada grupo, uma vez por semana. As atividades musicais foram realizadas visando a melhorar a atenção e a concentração dos alunos e promover a sua socialização.

De início percebeu-se a aptidão do grupo para batidas e chocalhos, apesar de terem à disposição instrumentos melódicos e orientação para extrair os sons destes instrumentos. Assim, foram realizados vários jogos com instrumentos de percussão onde se procurava despertar sincronia, pulsação, interatividade e leitura de partituras alternativas.

As combinações sonoras levaram à formação de parcerias entre instrumentos diferentes como forma de estimular a interação entre o grupo: chocalhos e tambores de diferentes timbres deveriam se comunicar entre si. Procurava-se a compreensão de que, tal como os instrumentos musicais, as pessoas também devem saber se comunicar. Foi promovida a escuta atenta e direcionada de trechos de músicas selecionadas, a fim de sensibilizá-los musicalmente. Em cada aula procurou-se focar um ponto, porém com atividades variadas de curta duração (10 a 15 minutos) respeitando a pouca tolerância que o portador de TDA/H tem para se concentrar.

A avaliação sobre estas atividades foi feita durante todo o processo em que os pais, professores e orientadores eram instados a manifestar-se sobre o desempenho e comportamento, além da observação das pesquisadoras feita com base nos trabalhos desenvolvidos por eles.

3. RESULTADOS

Após o período de 6 meses, verificou-se uma melhoria na auto-estima das crianças, que mostraram a sua alegria em participar nas atividades musicais. O facto de conseguirem seguir comandos e obedecer a regras foi um fator que lhes deu mais confiança em si mesmas, o que se refletiu em outros campos. E foi neste contexto que pudemos observar que:

a) se o aluno considera a atividade interessante, sua atenção é total;

b) a música vivenciada como prática de conjunto propicia a interação e a sociabilidade;

c) é possível fazer a relação entre uma individualidade timbrística e as diferenças entre as pessoas;

d) o trabalho com sons exige alta concentração, obtida com a escuta e a perceção musical de forma lúdica e agradável. Enfim, esta relação de intimidade com a música no manuseio dos instrumentos proporciona a ideia de liberdade, disciplina e organização, tão necessárias à aprendizagem na sala de aula, porém, às vezes, tão ausentes, principalmente tratando-se de alunos hiperativos.

CONCLUSÃO

Ao trabalhar com atividades musicoterapêuticas com essas crianças, verificámos o grande contributo destas dinâmicas para o desenvolvimento escolar: na medida em que o aluno se interessa pelas atividades ele fica entusiasmado, começa a seguir comandos, e a cada acerto torna-se mais motivado, e assim, como num espiral ascendente a sua auto-estima vai-se fortificando.

Os 6 alunos tinham em no seu histórico escolar a marca das notas baixas, e em alguns casos a aprovação mediante critérios diferenciados, já que não conseguiam fazer provas como as demais crianças.

Após o trabalho musical – com exceção de uma das crianças cuja família se mudou para outra cidade, tendo que interromper o trabalho – apenas um aluno ficou reprovado; 1 passou para o ano seguinte ainda por avaliação diferenciada e os demais foram avaliados normalmente e passaram de ano. Os pais reiteraram progressos no seu convívio social com a família e amigos.

Além disso, percebeu-se que o tratamento para este tipo de transtorno não está apenas em remédios, mas pode contar com o auxílio essencial de terapias alternativas e de formas não-convencionais de ensino para a busca de melhores resultados escolares.

Outras crianças juntaram-se ao grupo inicial no segundo semestre e, apesar de não fazerem parte do grupo de estudo, o trabalho realizado com elas serviu para confirmar os resultados satisfatórios alcançados com o primeiro grupo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENENZON, Rolando. Teoria da Musicoterapia. 3ª ed. São Paulo: Ed. Summus, 1988.

BRUSCIA, Kenneth E. Definindo Musicoterapia. 2ª ed. RJ: Enelivros.

CONDEMARIN, M.; GOROSTEGUI, M; MILICIC, N; TDA: Estratégias para o diagnóstico e a intervenção psico-educativa. 1ª ed. São Paulo: Ed. Planeta, 2006.

JEANDOT, Nicole. Explorando o universo da música. 2ª ed. SP: Editora Scipione, 1997.

LELONG, Jean-Jacques S. Guy. As Obras-Primas da Música. 1ª ed. SP: Martins Fontes, 1992.

NOVARTIS BIOCIÊNCIAS S.A. Com Desatenção e Hiperatividade não se Brinca. Livreto TDAH, SP.

PAIN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. 4ª ed. Porto Alegre, RS: Ed. Metrópole S.A, 1992.

PHELAN, Thomas W. TDAH, Sintomas, diagnósticos e tratamento. 1ª ed. SP: Ed. M. Brooks, 2005.

ROHDE, L. e BENCZIK, E. Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade: o que é, como ajudar. 1ª ed. Porto Alegre: Ed. Artmed, 1999.

SILVA, Ana Beatriz B. Mentes Inquietas: entendendo melhor o mundo das pessoas distraídas, impulsivas e hiperativas. 34ª ed. SP: Ed. Gente, 2003.

Criança hiperativa

Criança hiperativa

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Criança com Síndrome de Asperger

MÚSICA E ASPERGER

Excerto de Musicoterapia e Síndrome de Asperger: Relato de Experiência, Rosalina Gonçalves Abadia, Ivany Fabiano Medeiros, Fernando Gonçalves Abadia, Tereza Raquel M. Alcântara-Silva, Revista de Musicoterapia, Brasil.

A Síndrome de Asperger está inserida no espectro autista, todavia se diferencia do autismo clássico por não apresentar nenhum atraso ou retardo global no desenvolvimento cognitivo ou da linguagem do indivíduo (CÓDIGO CIE-9-MC, 2009).

Segundo Tânia Nogueira, quanto menor for o comprometimento do autista mais consciente ele será de sua situação, o que pode conduzir secundariamente a um quadro de depressão. A autora esclarece que os autistas mais comprometidos são considerados de “baixo funcionamento” e os menos comprometidos, de “alto funcionamento”; estes últimos são capazes de levar uma vida normal.

E continua dizendo que, na extremidade mais leve do espectro, os asperges falam perfeitamente bem e só apresentam dificuldade na linguagem quando esta precisa ser utilizada como meio de contato social.

Neste contexto acreditamos que a música, conforme afirma Bang, pode estabelecer contactos sem, necessariamente, recorrer à linguagem. Assim, na Musicoterapia, encontramos um potencial não utilizado em outros meios de comunicação que auxilia este paciente no desenvolvimento da linguagem.

A Musicoterapia, de acordo com a definição da World Federation of Music Therapy, utiliza a música e/ou seus elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia) produzidos pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupos, em um processo estruturado com o intuito de facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva).

Desse modo, é possível desenvolver potencialidades e/ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele alcance melhor integração intra e interpessoal e, consequentemente, conquiste melhor qualidade de vida.

Pode, ainda, ser definida como a utilização da música de forma científica com objetivos terapêuticos voltados para a prevenção e/ou a restauração da saúde física, mental e psíquica, com o intuito de melhorar a qualidade de vida do indivíduo. Portanto, a ação do musicoterapeuta faz parte da reabilitação do paciente como um todo (Tereza Alcântara-Silva, 2005).

Entre as técnicas utilizadas em Musicoterapia para se alcançar objetivos terapêuticos, encontra-se a Improvisação Musical, que consiste em conduzir o cliente na improvisação de letras, melodias e/ou o acompanhamento de uma canção.

Criança com Síndrome de Asperger

Criança com Síndrome de Asperger

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Criança com síndrome de Down, créditos Denys Kuvayev

Diferentes capacidades para a música

de www.musicaantigua.com

A música é fruível por todos, qualquer que seja a sua aptidão ou competência artística.

A música esconde numerosas propriedades terapêuticas e pedagógicas que se tornam muito benéficas para as pessoas com alguma discapacidade física ou, sobretudo, intelectual. Ajuda a retirar de cada um o que ele tem de melhor…

Ouvir música é um prazer e, em determinadas situações, um espetáculo. Esta finalidade lúdica não pode esconder, todavia, as múltiplas propriedades desta arte em muitos outros campos.

Assim, grande número de instituições de saúde corroboraram que a música tem efeitos terapêuticos de primeira ordem, o que contribuiu para consolidar a musicoterapia entre outras técnicas.

Do mesmo modo que as melodias ativam distintas estruturas do cérebro que produzem uma sensação profundamente prazerosa, estas mesmas vibrações atuam com um estímulo nos sistemas nervosos das pessoas intelectualmente discapacitadas.

Dado que em muitos destes casos há sérios problemas de comunicação e expressão, a música torna-se um recurso que favorece o desenvolvimento emocional e sensorial.

Recordemos que as vibrações podem ser percecionadas, inclusive, por surdomudos.

Em qualquer caso, a musicoterapia não se circunscreve apenas às suas possibilidades para estimular intelectualmente pessoas discapacitadas.

São cada vez mais as escolas que incorporam estas técnicas para promover um desenvolvimento integral da pessoa desde a mais tenra idade.

Fatores como o controlo da ansiedade ou a aquisição de uma maior sensibilidade são tidos em conta por muitos pedagogos.

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Ouvir e interpretar música com discapacidade

E se a musicoterapia é a expressão teórica da música terapêutica, a interpretação põe a nota na prática.

O contacto com um instrumento musical ajuda a potenciar as capacidades motoras e as reações corporais das crianças, especialmente na percussão.

Aspetos como o seguimento de um ritmo ou a coordenação na interpretação entre vários alunos treinam habilidades muito úteis em outros âmbitos do ensino e da vida.

A incorproração da audição e da interpretação musicais em planos de estudo gerais e em programas de atenção à diverdidade particulares é uma tendência verificável em Espanha. (…)

[ www.musicaantigua.com ]

Criança com síndrome de Down, créditos Denys Kuvayev

Criança com síndrome de Down, créditos Denys Kuvayev

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Criança com autismo, foto Thinkstock

MUSICOTERAPIA

por Levi Leonido

Departamento de Artes e Ofícios da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Portugal

«Porque a receptividade da música pelo homem é única, a musicoterapia dá uma contribuição única ao seu bem-estar» (Actas do International Symposium of New York (1982).

Historicamente, estão-nos reservadas muitas surpresas, no que diz respeito à Musicoterapia na sua base inicial, ainda desprovida de uma terminologia assente e definida.

Embora não seja nossa intenção entrar pelo lado da terapia clínica, nem pelos caminhos da criação de um ramo da ciência médica ligada à musicoterapia, é nosso dever estabelecer uma ligação entre a musicoterapia e a educação, e desenvolver na actividade docente estratégias de terapia ocupacional, com todas vantagens e desafios que esta prática constitui.

As canções de embalar são o mais banal exemplo de acalmia e consentimento do harmonioso da paz interior, constituindo um sedativo/efeito tranquilizante efectivo e eficaz. O próprio conceito de harmonia (ordem, medida, equilíbrio) já é um efeito em si, pois cria no ouvinte a sensação de estabilidade, serenidade e equilíbrio emocional.

Em tudo quanto é festa, comemoração (funeral, missa, ou outros rituais), a música marca presença como forma de alienar ou preparar emocionalmente o ser humano para um qualquer acontecimento. Na actualidade, até um simples noticiário obedece a regras de acompanhamento de música. O que dizer de um bom filme sem uma boa banda sonora, de uma peça de teatro sem um consistente suporte musical?

Desde a antiguidade à actualidade os exemplos são inúmeros:

  • A música foi utilizada por David para acalmar a angústia do Rei Saúl.
  • A música é usada em rituais de exorcismo e do espantar espíritos malévolos (com guizos, chocalhos, tambores, flautas e a voz).
  • Platão aconselhava, na educação musical do cidadão, a escolha dos modos dórico e frígio, os quais elevam a alma.
  • Aristóteles achava que a audição de algumas melodias que provocassem o êxtase poderiam resolver alguns problemas emocionais.
  • Os árabes exercitavam o “encantamento” do doente através da música (usando uma flauta).
  • No Renascimento, vários livros de medicina referem a importância do uso da música, como forma de distracção dos doentes em relação ao seu sofrimento.
  • No século XVI, constroem-se instrumentos musicais feitos de madeiras medicinais, pensando-se o som e o contacto com esses instrumentos, teriam o mesmo efeito curativo que as plantas medicinais.
  • Richard Brow afirma que a prática coral (canto) influencia o ritmo cardíaco, a digestão e a respiração, recomendando ainda o seu uso em casos de asma crónica periódica.
  • Tissot profere que a música é contra-indicada para as epilepsias.
  • Em 1820 e 1880, um grupo de famosos médicos inicia em França a aplicação sistematizada da musicoterapia.
  • Até ao século XX, a musicoterapia foi sempre ministrada por médicos, sem a presença de músicos, pois não os havia com formação a esse nível, mas em meados deste século aparecem os primeiros musicoterapeutas conhecedores de terapêuticas, patologias e técnicas musicoterapêuticas.
  • Em 1950, funda-se nos E.U.A. a primeira Associação de Musicoterapia (Licenciatura + Congresso Anual).
  • Cria-se em 1958, pelas mãos de J. Alvin, a Associação de Musicoterapia em Inglaterra (revista + pós-graduação + curso).
  • Inicia-se em 1958, na Academia de Música de Viena, um curso (semestral) de musicoterapia.
  • Em 1968 e 1972, aparecem novas associações de Musicoterapia na Argentina e França, respectivamente.
  • Novos cursos de Musicoterapia são criados nos países nórdicos, na Escola Aalborg, conjuntamente com o Real Colégio Dinamarquês das Ciências da Educação.
  • Em 1972, realiza-se o primeiro Seminário Internacional de Musicoterapia, em Paris.
  • Em 1970, Portugal dá os primeiros passos em direcção à musicoterapia, criando um grupo de trabalho integrado no curso de Educação pela Arte e da Associação Portuguesa de Educação Musical.
  • Em 1987, J. Alvin participa numa das muitas actividades ligadas à musicoterapia organizadas pela Fundação Calouste Gulbenkian.
  • A Divisão Regional de Educação Especial da Madeira, juntamente com a Universidade de Montpelier, criou o primeiro curso de formação de musicoterapeutas, donde saíram os fundadores da actual Associação Portuguesa de Musicoterapia.

O aparecimento destas acções com a designação de Musicoterapia terá como origem provável a Grécia Antiga. Os gregos entendiam a música como harmonia máxima, uma vez que estabeleciam uma relação privilegiada entre a saúde e a música, para além de verem a música como entidade possuidora de um valor terapêutico em si mesma, e não apenas como intermediário para comunicar com os espíritos causadores de doenças.

Desta feita, estava descoberto o conceito e a sua primeira utilização enquanto terapia e técnica, embora somente se referissem à audição e não à execução. A audição vulgarmente dita é responsável por uma das maiores fraquezas do ser humano, a capacidade de abstracção plena.

Segundo J. Alvin (1973), a música penetra-nos ouvido adentro. O seu poder de profunda penetração é imenso e contra ele parece não termos grandes defesas. Pode-se não ver, não tocar, não escutar; mas não ouvir, mesmo inconscientemente, parece impossível, exceptuando o caso extremo da surdez.

A música chega mesmo aos indivíduos que consideramos não musicais, embora de maneira diferente, mas chega e não deixa ninguém indiferente, pois tem uma força de associação e de evocação extraordinária. A música tem a capacidade inata de criar imagens mentais, fantasias de um mundo imaginário, pese embora com as suas leis físicas, lógicas e domínios variados.

A musicoterapia encerra sobre si própria um processo terapêutico, enquanto que a música em terapia, é um fundo musical utilizado em sessões terapêuticas (relaxamento com massagens). Em terapia, a música é um meio e não um fim.

O conceito de musicoterapia tem como qualquer outro, algumas vicissitudes óbvias. Para Juliette Alvin (1973), a música é uma das mais fantásticas e profundas experiências humanas. É produto humano, portanto da sua lavra, sendo desta maneira criada pelo homem e dirigida a ele. Tanto se dirige à criança como ao adulto e ao seu corpo, à sua inteligência e, entre outras, às suas emoções.

Para a Association Française de Musicothérapie (1985:6) no seu Dossier d’Observation du Vécu Sonore, Rev. e Musicothérapie, a par da definição Oficial da Federação Mundial de Musicoterapia, consideram que:

«A musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia), por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo destinado a facilitar e promover comunicação, relacionamento, aprendizagens, mobilização, expressão, organização e outros objectivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às suas necessidades físicas, mentais, sociais e cognitivas. O musicoterapia procura desenvolver potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo para que ele ou ela alcance uma melhor organização intra e/ou interpessoal e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida, através da prevenção, reabilitação ou tratamento».

Para Arquimedes Santos (1980), a definição de musicoterapia e os seus efeitos retem em si mesma outras considerações, sobre as quais estamos em consonância absoluta, pois não se deseja que se enfrente a musicoterapia como uma sustentada panaceia. Pretende-se, isso sim, estudar o mais concretamente exequível, os relativos efeitos das diversas vertentes do fenómeno extraordinário a que denominamos de música. Nela o som e o ritmo executam, como componentes básicos, um papel fundamental (biologicamente o ser humano afectado).

No que diz respeito à repercussão anímica, a tentativa de uma cientificação do fenómeno musical torna-se dificilmente objectável. Por exemplo, para evocar os mitos de Orfeu e Pan, quem não sentiu psiquicamente os efeitos da música? Para além de Orfeu e Pan, os mitos de Hermes e Anfion, são exemplos clássicos e dignos de nota sobre os efeitos transcendentes da música ao longo dos tempos.

No entender de E. Lecourt (1988), a musicoterapia pretende ser uma real aproximação sensorial sonora, essencialmente com fins terapêuticos, de alguns entraves psicológicos e de ligeiras patologias mentais. Os primeiros terapeutas a aplicar a musicoterapia em casos deste género foram: Fernanda Canelhas, Fernanda Prim e António de Oliveira. Esta prática é principalmente caracterizada pela experiência/experimentação sonora e experiência musical, sendo este o principal conteúdo das sessões de terapia em questão.

A relação terapêutica compreende, em Musicoterapia, as sinergias entre o paciente, a música e o terapeuta. Significando portanto, que a música não pode ser considerada como terapia em si mesma, pese embora como técnica preparatória, as técnicas musicoterapêuticas devem ser elaboradas com os olhos postos nesse objectivo. Por razões óbvias, não partilhamos da mesma ideia, pois consideramos a musicoterapia um potencial auxiliar do ensino ordinário, sem que para isso sejam imediatamente incorporadas doenças e patologias graves.

A Musicoterapia distingue-se do ensino da música, na medida em que a primeira tem por objectivo fins terapêuticos e a segunda transmissão de conhecimentos, de conceitos, de convenções e de técnicas instrumentais.

Achamos um pouco exagerada esta afirmação pois, em nosso entender, não se deve conferir à musicoterapia um papel curativo em absoluto. Para nós, é e será uma metodologia primordial para a ajuda a algo, nem que seja o ser humano a ter melhor qualidade de vida, ou até a saber apreciar melhor a sua vida e a musicalidade do mundo que o rodeia, e isso não quer dizer que essa pessoa seja um paciente. Caso seja aceite esta tendência, todo o ser humano é paciente em relação à música, pois é infinita a sua capacidade de surpreender, de emocionar, de fortalecer, de enfraquecer, de amenizar, de revoltar, de reforçar momentos, de alterar o nosso plano emocional e o nosso plano físico. Em suma, é capaz de modificar o homem.

Tudo poderá ser música e tudo poderá ser musicoterapia. Pois um aluno pode ter necessidade de ser submetido a experiências musicoterapêuticas, para desenvolver capacidades e fazer desabrochar outros talentos de apreciação do mundo ainda ocultos e, ao mesmo tempo, a um paciente da musicoterapia pode ser administrada a prática instrumental ou o canto de forma a recuperar caducidades adormecidas.

Para J. Calvin (1973), é notório o contributo da Musicoterapia no processo criativo tendente à auto-compreensão, ao aperfeiçoamento das capacidades e da intenção de empregar o potencial individual num ser humano, em domínios como a independência, a liberdade, a adaptabilidade, o equilíbrio e a integração.

Segundo o mesmo autor (1973), este conjunto de terapias desejam educar e reeducar o indivíduo no âmbito das suas reais possibilidades. Pretende ainda abrir ou reabrir portas na comunicação nunca abertas ou que, por uma ou outra razão, se foram fechando gradualmente. Sabemos que sem comunicação não há desenvolvimento, não há contacto físico e psicológico, enfim tudo é estático e ténue na consagração dos seus objectivos.

Para C. Bang (1973), os princípios básicos da actuação musicoterapêutica, estão presentes constantemente na comunicação e no contacto.: Primeiramente acha que a música pode estabelecer a ponte que faça o contacto com a ausência de palavras, pois na musicoterapia encontramos potencialidades pouco usadas noutras áreas de comunicação, sendo que estas interagem e ajudam profundamente o desenvolvimento de uma linguagem própria.

Em segundo plano, elege a música como meio de comunicação de carácter emocional, pois ela aplica-se onde a comunicação verbal não chega facilmente.

Por último, pretende desenvolver o que já existe na criança, pois é claro e sabido que o paciente descobre e desenvolve facilmente as suas potencialidades bem mais que as suas limitações.

É difícil definir com precisão onde começa a música e acaba a musicoterapia. Achamos que a música deveria ter em si mesma, integrada numas das suas áreas curriculares e conteúdos, a aprendizagem de técnicas e metodologias ligadas à musicoterapia, no sentido lato de prevenção e melhoramento da qualidade de vida do ser humano.

Concordamos com o que diz M. Geck (1973) quando se opõe ao uso exacerbado e directivo de matérias instrumentais para colmatar necessidades terapêuticas, pois esquece-se facilmente que o tronco comum da Musicoterapia se orienta sobretudo na senda da descoberta de possibilidades de comunicação entre seres humanos.

Quando se querem impor instrumentários rígidos e específicos para fins terapêuticos, dever-se-ia antes de mais facilitar o acesso das pessoas comuns a eles e, somente depois, tentar algum domínio técnico acompanhado do prazer da criação e da improvisação musical.

Para Lecourt (1988), o objectivo capital da musicoterapia não é a música, nas suas vertentes mais desenvolvidas, ou seja, saber, ensinar ou tocar. Em terapia, a música é um meio e não um fim. Pode também ser o alívio do sofrimento psíquico através de produções no mundo dos sons. Não interessa o tipo de sons, de música ou de ruídos que os pacientes produzem, mas que produzam, que os criem, que através deles expressem os seus sentimentos e emoções.

Criança com autismo, foto Thinkstock

Criança com autismo, foto Thinkstock

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Musicoterapia e autismo

AUTISMO, MUSICALIZAÇÃO E MUSICOTERAPIA

por Maiara Aparecida Bertoluchi

Maiara Aparecida Bertoluchi, pedagoga do CEDAP, Centro de Estudos e Desenvolvimento do Autismo e Patologias, Brasil

EDUCAÇÃO MUSICAL INFANTIL

O desenvolvimento da musicalidade nas crianças deve estar em conformidade com a sua vivência musical e os métodos utilizados. A educação musical, por si só, já se inicia no lar, com a oferta de ferramentas à criança para que ela descubra os sons e o seu universo (discos, canções, instrumentos, objetos sonoros variados, gravuras relacionadas, etc).

Na escola, no entanto, deverá se realizar o direcionamento deste interesse para o desenvolvimento de outros aspectos ligados à criança (criatividade, coordenação motora, lateralidade, lógica, estética etc).

A educação musical, além de transformar as crianças em indivíduos que usam os sons musicais, fazem e criam música, apreciam música, e finalmente se expandem por meio da música, ainda auxilia no desenvolvimento e aperfeiçoamento da socialização, alfabetização, capacidade inventiva, expressividade, coordenação motora e motricidade fina, perceção sonora, perceção espacial, raciocínio lógico e matemático e estética.

O objetivo central da estimulação musical é a educação pela música, que engloba vários aspectos do desenvolvimento humano. Entre estes, citamos:

1. DESENVOLVIMENTO DA MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA E EXPRESSIVA DA CRIANÇA

A educação musical pretende desenvolver na criança uma atitude positiva para este tipo de manifestação artística, capacitando-a para expressar os seus sentimentos de beleza e captar outros sentimentos, inerentes a toda a criação artística. Assim como utiliza a palavra ou gestos para manifestar as suas ideias, terá como meio de expressão mais uma boa ferramenta na construção dos seus argumentos – a música. As crianças tendem a pensar na música como sendo sobre “coisas”, isto é, como contando histórias, expressando ideias, vivendo situações.

Há estudos sobre crianças autistas (Gardner – As artes e o Desenvolvimento Humano), em que “estas crianças, extremamente perturbadas e que frequentemente evitam o contacto interpessoal e talvez nem falem, possuem capacidades musicais incomuns. Isto talvez, porque houvessem escolhido a música como principal canal de expressão e comunicação, ou também porque a música é tão primariamente hereditária e que precisa de tão pouca estimulação externa quanto o falar ou andar de uma criança normal.”

2. DESENVOLVIMENTO DO SENTIDO ESTÉTICO E ÉTICO

Durante o processo de criação e depuração dos elementos musicais, ou mesmo no processo de expressão, busca-se aí o equilíbrio e a crítica sobre o conceito do belo. Através da música, com os seus valores estéticos intrínsecos, e de atividades voltadas especialmente para o desenvolvimento do valor estético, pretende-se resgatar o sentido do belo e do justo em relação às coisas que nos rodeiam e também às nossas atitudes. O poder de escolha intermedia a busca da estética, e esta exteriorização é a base da ética.

3. DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA SOCIAL E COLETIVA/ÉTICA

Quando a criança canta, ou está envolvida com papéis de interpretação sonora em coletividade, sente-se integrada num grupo e adquire a consciência de que os seus componentes são igualmente importantes. Compreende a necessidade de cooperação frente aos outros, pois da conjunção de esforços dependerá o alcance do objetivo comum. Quando estuda música em conjunto, torna-se mais comunicativa e convive o tempo inteiro com regras de socialização. Existe a possibilidade de respeitar o tempo e a vontade do outro, criticar de forma construtiva, ter disciplina, ouvir e interagir com o grupo.

4. DESENVOLVIMENTO DA APTIDÃO INVENTIVA E CRIADORA

A educação através das artes proporciona à criança a descoberta das linguagens sensitivas e do seu próprio potencial criativo, tornando-a mais capaz de criar, inventar e reinventar o mundo que a circunda. E criatividade é importante em todas as situações.

Uma criança criativa raciocina melhor e inventa meios de resolver suas próprias dificuldades. A criança se envolve integralmente com a música e a modifica constantemente, exercitando sua criatividade, e transformando-a pouco a pouco numa resposta estruturada de acordo com seus objetivos.

5. BUSCA DO EQUILÍBRIO EMOCIONAL

Para os gregos, a educação musical aprimorava o caráter e tornava úteis os homens em palavras e ações, e os estudos de música começavam na infância e estendiam-se por toda a vida.

Também o jogo musical, que não se liga a interesses materiais ou competitivos, mas absorve a criança, estabelece limites próprios de tempo e espaço, cria a ordem e equilibra ritmo com harmonia.

6. RECONHECIMENTO DOS VALORES AFETIVOS

Para Piaget, o afeto é o principal impulso motivador dos processos de desenvolvimento mental da criança e, para Celso Antunes, a afetividade pode ser construída através de estímulos adequados e medidos. Através da música e de seu processo de criação, torna-se aqui a criança o criador, o gerador, formando um eterno vínculo com sua produção ou autoria. Este é fator positivo para o desenvolvimento de sua auto-estima e identificação de suas motivações.

O QUE É MUSICOTERAPIA?

Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos seus elementos constituintes, ritmo, melodia e harmonia, por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo destinado a facilitar e promover comunicação, relacionamento, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas.

O uso da música como método terapêutico vem desde o início da história humana. Alguns dos primeiros registos a esse respeito podem ser encontrados na obra de filósofos gregos pré-socráticos; porém, o seu reconhecimento como disciplina teve início no século 20, após as duas guerras mundiais, quando músicos amadores e profissionais passaram a tocar nos hospitais de vários países da Europa e Estados Unidos, para os soldados veteranos. Logo os médicos e enfermeiros puderam notar melhoras no bem-estar dos pacientes.

A musicoterapia procura desenvolver potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo para que ele alcance uma melhor qualidade de vida, através de prevenção, reabilitação ou tratamento. A música trabalha os hemisférios cerebrais, promovendo o equilíbrio entre o pensar e o sentir, resgatando a “afinação” do indivíduo, de maneira coerente com o seu diapasão interno. A melodia trabalha o emocional, a harmonia, o racional e a inteligência. A força organizadora do ritmo provoca respostas motoras e, através da pulsação dá suporte para a improvisação de movimentos, para a expressão corporal.

Sendo inerente ao ser humano, a música é capaz de estimular e despertar emoções, reações, sensações e sentimentos. Qualquer pessoa é suscetível de ser tratada com musicoterapia. Ela tanto pode ajudar crianças com deficiência mental, quanto pacientes com problemas motores, aqueles que tenham tido derrame, os portadores de doenças mentais, como o psicótico, ou ainda pessoas com esgotamento, deprimidas ou tensas. Tem servido também para cuidar de seropositivos e indivíduos com cancro. Não há restrição de idade: desde bebés com menos de um ano até pessoas bem idosas, todos podem ser beneficiados.

A MUSICOTERAPIA NO AUTISMO

Embora existam diversas correntes teóricas que procuram compreender as causas que levam ao quadro de Autismo, todas concordam na caracterização principal da síndroma: a inadequacidade vincular. Observa-se na prática educacional, em sala de aula, e na prática clínica, em consonância com a literatura, que o autista apresenta diferentes formas de inadequacidade vincular, ou seja, um défice apresentado na interação social (pessoa-pessoa), na interação lúdica (pessoa-objeto) e na interação perceptual (pessoa-música).

Segundo Lorna Wing, vários estudos sobre o desenvolvimento da capacidade biológica de interagir com os outros já foram realizados com bebés normais, evidenciando que a deficiência nestes aspectos é um dos défices considerado a causa dos problemas das pessoas autistas, ocasionada por uma “disfunção cerebral física”. Enfatiza que o “transtorno no reconhecimento social” manifesta-se de maneiras diversas em cada caso, desde “procurarem ativamente um contacto social de forma inadequada e unilateral (…) onde a sua tentativa de contacto é feita em função do próprio interesse, de uma ideia repetitiva e idiossincrática”, “não procurarem espontaneamente o contato social” ou, em casos mais graves, “não demonstrarem habilidade de reconhecer os outros seres humanos, tendendo ao isolamento e indiferença às pessoas e evitar ativamente o contato social ou físico com outros”.

Segundo ainda alguns teóricos, “o defeito original no desenvolvimento fetal do cérebro pode ser uma das causas de anormalidades neuroquímicas e é provavelmente o responsável pela resistência do bebé a ser tocado e reconfortado, evidenciando uma incapacidade que a criança autista tem de entregar-se a estímulos tácteis reconfortantes. A estimulação táctil, como carícias e abraços, pode promover um desenvolvimento mais normal, mesmo que o bebé se mostre indiferente aos carinhos. Por isso, mesmo frente à resistência ao toque, o bebé precisa de ser gradualmente “treinado” a tolerá-lo, pois quanto mais viver sem experimentar o sentimento de ser reconfortado, maior é a probabilidade de que os circuitos cerebrais envolvidos no desenvolvimento de contacto emocional com os outros sejam prejudicados”.

A inadequacidade vincular manifesta-se, no autismo, também na forma de comportamentos estereotipados, onde o indivíduo se auto-estimula gerando prazer para si mesmo.

As pesquisas no trabalho de musicoterapia aplicada ao autismo corroboram ser este o caminho como primeira maneira de aproximação ao autista possibilitando-lhe também a abertura de canais de comunicação. Desse modo, a musicoterapia é particularmente indicada para o autismo infantil, por poder ser a primeira técnica de aproximação e por promover, dessa forma a ampliação comunicativa da criança autista com seus pares.

A metodologia utilizada no processo musicoterápico, configura dois momentos:

1º Momento – FAZER MUSICAL

Possui como objetivo principal “abrir um canal de comunicação” com a criança, quer seja através do olhar, do toque (nos instrumentos) ou da escuta (perceção dos estímulos sonoros). Neste momento também se gera a possibilidade de canalizar estereotipias e/ou comportamentos inadequados, utilizando os instrumentos sonoro-musicais para re-significar ações e/ou condutas para atividades construtivas. Não se trata de inibir as estereotipias e/ou fixações, mas de canalizá-las para a auto-expressão, através dos diferentes tipos de interação. As interações podem ocorrer de diversas formas e em diversos âmbitos: interações com o instrumental, tendo o instrumento como objeto intermediário de uma relação, quer seja com o musicoterapeuta e/ou com seus pares; interação com o som/música, quer através de melodias ou ritmos conhecidos, quer através de sons novos ao seu universo sonoro, buscando oportunizar a percepção de novas fontes sonoras; interação com a atitude lúdica, tanto com o musicoterapeuta (que possibilitará a inserção dos elementos novos) como com os familiares e/ou grupo, oportunizando novos encontros e novas percepções sociais e sonoras, onde irão captar a atenção do seu bebê e desenvolver em si mesmos a confiança e naturalidade de que necessitam para se engajarem no processo interacional.

Esta oportunidade de vinculação lúdica com o filho proporciona aos pais a possibilidade de mudarem o paradigma sobre a síndrome, bem como das especificidades de inter-relações da mesma e suas consequências no sistema familiar, pois do isolamento será possível atingir níveis cada vez mais crescentes e variados de interação, da frustração chegaremos à aceitação.

2º Momento – ACALANTO

Busca-se, neste momento, possibilitar as trocas afetivas mãe/pai e bebé, através do toque, do afago, bem como elevar a capacidade da criança em manter a atenção concentrada na expressão sonora do musicoterapeuta possibilitando a ampliação da sua escuta ao perceber “mensagens cantadas” que expressam o momento vivido.

Nas atividades musicais é proporcionada aos alunos a inclusão numa atividade musical, oferecendo recursos, adaptando e criando métodos facilitadores para a aprendizagem de um instrumento. Podem ser utilizadas técnicas vocais para o canto, desenvolvimento rítmico, exercícios específicos para familiarização com a linguagem musical e com os próprios instrumentos a partir da produção de diferentes sons.

A música abrange não somente objetos sonoros e musicais, mas também uma variedade de outros signos. Dela emergem formas, cores, intensidades, temporalidades, gestos, movimentos, imagens, pensamentos, palavras… Assim, “o objeto da música não se restringe ao som, mas a uma cadeia sígnica que tem, entre outros, o som por motor”.

As vivências musicais estimulam a criatividade e a autoconfiança, mobilizando todo potencial de saúde mental do indivíduo com uma diversidade de opções de trabalho.

A música relaxa e tranquiliza as crianças. Além dos recursos da estimulação através da música serem úteis para trabalhar os processos de desenvolvimento da comunicação com crianças autistas, a percepção corporal através da dança também pode trazer benefícios, pois a criança passa a ter contacto consigo mesma e com o outro, ou seja, é uma forma de integrá-la ao meio.

A partir disso, conclui-se que a vivência musicoterápica proporciona resultados significativos: uma ampliação da percepção do indivíduo autista em relação ao outro, tanto física como sonoramente, quando se proporciona à escuta de algo novo; a diminuição do isolamento a partir do desenvolvimento da interação através dos diversos canais de comunicação: o olhar, o toque e a escuta, com possibilidades de reinserção social; uma elevação da afetividade estabelecendo relações vinculares fraternas (mãe/pai-bebé) positivas e a re-significação de comportamentos inadequados canalizados ao fazer musical.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FLOWERS, S.E.C.S.A., Musical sound perception in normal children and children with Down’s syndrome in GODELI, Maria Regina Conceição de Souza e GHIRELLO-PIRES, Carla Salati Almeida, Considerações a respeito da utilização da música na Comunicação não-verbal na díade mãe-bebé, Revista integrAÇÃO.

NASCIMENTO, Sandra Rocha do, Programa ABRICOM – Abrindo os Canais de Comunicação no Autismo Infantil, Goiânia: Sociedade Pestalozzi de Goiânia, (projeto), 1999.

WING, Lorna. O contínuo das características autísticas in GAUDERER, E.Christian., Autismo e outros atrasos do Desenvolvimento: uma atualização para os que atuam na área: do especialista aos pais (Trad. Angela Moura, Linda Lemos), Brasília: CORDE, 1993.

Musicoterapia e autismo

Musicoterapia e autismo

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Sessão de musicoterapia com crianças

MUSICOTERAPIA PARA CRIANÇAS

por Silvi Galostra

A Musicoterapia consiste na aplicação científica do som, da música e do movimento para facilitar a comunicação, promover a expressão individual e favorecer a integração social. A nível de estimulação, a sua utilização está a extender-se dentro dos programas educativos para facilitar a aprendizagem nas crianças.

A Musicoterapia é uma disciplina de caráter natural, complementária e não farmacológica cuja ferramenta de trabalho é a música e os seus componentes, utilizando-a como sons, estruturas rítmicas ou partes musicais. Usa-se cada vez mais para conseguir de uma forma natural resultados terapêuticos tanto a nivel psicomotor, como a nivel psicológico, energético ou orgânico.

Embora tenhamos referências do uso da música em praticamente todas as culturas da antiguidade, até ao séc. XX não se fundou a Musicoterapia como uma disciplina concreta. O primeiro Instituto de Musicoterapia foi criado em 1942 em Estocolmo (Suécia) e, em 1954, Thayer Gaston foi nomeado diretor de Musicoterapia da Universidade de Kansas (EUA), criando-se assim o primeiro título universitário nesta especialidade. Durante esta etapa, Gaston estabeleceu os princípios gerais em quais se baseia a musicoterapia atual.

Os programas desenhados para a utilização da música na Musicoterapia estimulam zonas do corpo humano que ajudam a equilibrar funções orgânicas ou psicológicas concretas. É recomendável trabalhar esta disciplina de uma maneira interdisciplinar, trabalhar em equipa o musicoterapeuta e os outros profissionais.

Benefícios da Musicoterapia

Tudo que é música, para uma criança, é positivo. Mas devemos ter em conta que este deve ser adaptada aos seus ouvidos, à sua capacidade de ouvir, à sua idade.

A Musicoterapia pode ajudar muito uma criança na sua aprendizagem, coordenação, controle de ansiedade e melhoria do estado de ânimo, entre outros. Mas, sobretudo ajudá-la a organizar-se a nível interno. A influência da música é muito maior do que acreditamos.

Quanto antes se exponha uma criança à música, mais benefícios existem, seja como terapia ou como uso lúdico. O uso de canções para ensinar habilidades académicas, sociais e motoras às crianças pequenas, tornou-se numa prática comum para alguns professores e educadores de música e claro, para muitos musicoterapeutas dos Estados Unidos.

Existem muitos estudos que demonstram que a música e os seus componentes produzem padrões de atividade cerebral. Isto leva a uma maior eficácia a nivel de funcionamento do cérebro não só como director dos processos cognitivos, mas também como regulador das funções vegetativas do organismo.

Quando se aplica uma destas alternativas a um paciente, como pode ser a Musicoterapia, é porque existe algo no seu sistema que não acaba de funcionar, seja em maior ou menor grau, mas é suficientemente importante para evitar desencadear outros problemas do tipo psicológico, social, motor, fisiológico… Por vezes, um problema que tem solução na Musicoterapia, evita futuros problemas no desenvolvimento tanto da criança como do adulto.

A música tem valores universais que afetam todas as pessoas e que se definem pelo ritmo, a harmonia, a melodia e o tom. Assim, o musicoterapeuta deve descobrir a personalidade musical de cada paciente para selecionar a música adequada, porque segundo a sua personalidade e o seu estado, pode ser mais benéfico um tipo de música ou outro.

Efeitos da Musicoterapia nas crianças

Os efeitos que Musicoterapia tem nos distintos âmbitos são muitos mas, se nos baseamos nos que influenciam as crianças, são os seguintes:

Fisiologia:

produz mudanças no ritmo cardíaco e respiratório, assim como na tensão muscular.

Comunicação:

estimula a expressão dos problemas das inquietudes.

Afectividade:

favorece o desenvolvimento emocional e afetivo.

Sensibilidade:

aguça a percepção auditiva e táctil.

Movimento:

estimula a atividade e melhora a coordenação motora.

Sociabilidade:

fomenta a inter-relação social.

Educativas:

ajuda na formação, desenvolvimento pessoal e na superação de dificuldades de aprendizagem.

Psicoterapêuticas:

ajuda a resolver problemas psicológicos e a mudar condutas estabelecidas.

Médica:

apoio psicológico e físico (pode reduzir a dor) a pacientes, médicos que enfrentam situações difíceis como a cirurgia, doenças terminais, cuidados intensivos…

Psiquiátrica:

melhora a autoestima e a capacidade de comunicação dos doentes.

MÉTODOS DE APLICAÇÃO

As sessões preparam-se e desenham-se segundo as características do paciente, combinando múltiplos fatores. É muito diferente se é uma criança ou um adulto.

O uso da música para ajudar crianças na aprendizagem e na memorização do material baseia-se no uso de uma pauta estrutural em que a música está simultaneamente com o material que tem de ser aprendido. A música torna-se desta maneira num meio pedagógico para transmitir informação, e veículo para memorizar palavras e/ou ações.

Silvi Gallostra, psicopedagoga da “Equipa Essential Minds”

[ Com ligeiras adaptações para Portugal ]

Sessão de musicoterapia com crianças

Sessão de musicoterapia com crianças

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Roda e musicoterapia

cantigas DE RODA NA MUSICOTERAPIA

por Benita Michahelles

Excerto da monografia apresentada por Benita Michahelles ao Curso de Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música sob a orientação de Marly Chagas.

Pode parecer curioso para alguns falar-se em “brincadeiras de roda” nos dias de hoje. Em tempos, em que estas manifestações da cultura popular espontânea estão com o seu espaço tão reduzido. Nas ruas, nas praças, nos quintais está mais raro ver ou ouvir-se das bocas infantis aquelas canções que, na simplicidade das suas melodias, ritmos e palavras, guardam séculos de sabedoria e a riqueza condensada do imaginário popular.

Porém, sem estarem em alta, também não estão extintas. E configurando uma situação contrastante e quase contraditória – é certo que muitas vezes tendo partes omitidas ou formas esquecidas e transformadas, elas sobrevivem à era do computador. Talvez como um reflexo da busca do contacto com a expressão genuína e ancestral que é, em última instância, insubstituível.

O facto é, que toda esta conjuntura não altera em nada o teor valoroso intrínseco às cantigas e brincadeiras de roda. Elas continuam contendo símbolos fecundadores de toda a vida subjetiva, e continuam a funcionar como pretextos maravilhosos para a criança experimentar o seu corpo, a linguagem, e para descobrir-se a si própria ao mesmo tempo que se revela ao outro e se insere no convívio social.

Na sua obra, Carl Jung já chamava atenção para a enorme importância das manifestações do folclore tradicional, apontando para a ‘perda irreparável’ que sofrem aqueles que descartam ou desprezam as suas imagens.

Observando um grupo de crianças brincando espontaneamente com estas canções, ou, mergulhando no tempo e recordando as brincadeiras de roda vivenciadas na nossa própria infância, percebemos que algo precioso se processa. Trata-se de um movimento de entrega, de alegria e de intensidade vital.

Do ponto de vista pedagógico, estes jogos infantis são considerados completos: brincando de roda a criança exercita naturalmente o seu corpo, desenvolve o raciocínio e a memória, estimula o gosto pelo canto. Poesia, música e dança unem-se numa síntese de elementos imprescindíveis à educação global. Vale a pena lembrar que a atividade lúdica constitui o aspeto mais autêntico do comportamento da criança.

Ao brincar, a criança está a corresponder a necessidades vitais suas, dando vazão a impulsos que lhe permitem desenvolver-se como ser pleno e afirmar a sua existência singular. É um movimento que faz parte dos seus esforços de compreender o mundo, e que a torna capaz de lidar com problemas até complexos e que muitas vezes tem dificuldade de compreender.

É inegável que as cantigas e brincadeiras de roda ocupam um lugar especial no contexto das canções e elementos que figuram em Musicoterapia. A começar pelas vivências no próprio “Curso de Musicoterapia”. Não foi apenas uma vez em que eu vivi, ou ouvi relatos com cenas similares a que agora se segue. Aula da cadeira de “Improvisação corpo e som” do Curso de Musicoterapia – a turma é composta por um grupo de estudantes adultos, com faixas etárias variadas e procedências diversas. Iniciam-se experiências com a voz e com os instrumentos. De repente, no meio a sons, trechos de ritmos e melodias, surge o tema de uma cantiga de roda, trazida por um aluno. Outra voz junta-se a ele, e mais uma, e outra… Aos poucos estas pessoas juntam-se, dão-se as mãos e formam uma roda. Inicia-se a brincadeira. No final da canção, a roda não pára de girar e outras canções se sucedem num movimento ininterrupto.

Trabalhando na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), com grupos de adultos e idosos apresentando comprometimento motor, mais de uma vez vivi, como musicoterapeuta, ou observei, como estagiária, a seguinte cena: o musicoterapeuta sugere que cada um lembre de uma canção a ser compartilhada pelo grupo. Surgem canções de seresta, de Carnaval, e… cantigas de roda. Juntamente com elas, lembranças, imagens e emoções de uma outra época e que, naquele momento, se tornam de alguma forma presentes de novo.

Outro episódio que vivi, também enquanto musicoterapeuta na ABBR. “Uma criança apresentando uma deficiência na marcha. É por isso vista como diferente, ficando diversas vezes isolada das atividades em grupo do cotidiano. Na sessão de Musicoterapia, juntamente comigo e com mais duas outras crianças, forma-se uma roda e todos cantam e dançam. Cada um à sua maneira, mas todos são, naquele momento, parte igualmente importante do conjunto. Movidos unicamente pelo prazer e pela alegria de brincar.

Estes relatos, são apenas alguns entre tantos outros que eu poderia CITAR. Não se trata de situações estranhas aos musicoterapeutas. São inúmeras as vezes em que verificamos a presença das cantigas e brincadeiras de roda na Musicoterapia. Tanto indiretamente através de relatos, como testemunhando a sua concretização sonora e corporal.

No interior dos settings de Musicoterapia, as maneiras como se desenvolvem estas pérolas da cultura popular são múltiplas e das mais variadas. A despeito de serem estas cantigas e brincadeiras pertencentes, por definição, ao universo lúdico-musical infantil, elas são também, com frequência, espontaneamente trazidas por adolescentes, adultos e idosos. Também são utilizadas como recurso interventivo pelos musicoterapeutas a partir de outros conteúdos apresentados pelos pacientes, de modo a irem ao encontro de determinados objetivos estabelecidos durante o processo musicoterapêutico.

Roda e musicoterapia

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