SÍNDROME DE DOWN E MUSICOTERAPIA
por Maria Inês Couto Augusto (Brasil)
As possibilidades de estimulação de portadores da síndrome de Down em Musicoterapia
RESUMO
Esta monografia tem por objetivo um aprofundamento teórico sobre a estimulação de pessoas portadoras de síndrome de Down. Descrevem-se, nela, os conceitos de estimulação e analisa-se o trabalho em musicoterapia através de entrevistas com profissionais experientes neste campo. Foram levantadas diversas possibilidades técnicas de utilização da estimulação em musicoterapia.
INTRODUÇÃO
Decidi estudar o trabalho de estimulação de crianças portadoras da síndrome de Down pela musicoterapia por estar pessoalmente envolvida com estas crianças especiais e ter pouco conhecimento sobre todas as patologias que as envolvem. Queria, através desta investigação, saber mais sobre elas, para poder trabalhar melhor, de forma mais correta e, deste modo, poder ajudá-las com os seus problemas.
Assim, a escolha do tema foi uma oportunidade para aprofundar mais os meus conhecimentos e procurar as bases teóricas e técnicas para desenvolver o trabalho de estimulação de crianças portadoras da síndrome de Down.
Essa atividade é constituída por um conjunto de técnicas que devem ser aprendidas pelos pais para que possam dar continuidade ao trabalho em casa.
Apesar existirem inúmeras iniciativas nesse campo, poucas referências bibliográficas sobre o assunto foram encontradas. Por isto, esta pesquisa é fundamentada em referências bibliográficas (principalmente Lefèvre, 1981) e também em entrevistas, realizadas com musicoterapeutas, escolhidos pelo seu trabalho com pacientes desta área.
Partindo das experiências profissionais relatadas nas gravações, foi feita a formalização de diversas possibilidades técnicas de estimulação à criança portadora de síndrome de Down.
No início do trabalho abordarei o Down de uma forma geral, desde o momento de seu nascimento até à idade adulta. Na parte dois, passarei à estimulação essencial, em todos os estágios do desenvolvimento do portador Down, e também nas diferentes modalidades de estimulação, como as de funções motoras, sensoriais, da fala, da inteligência e atenção.
Na parte três, a estimulação musicoterápica do portador será formalizada nas possibilidades técnicas, sistematizadas a partir das entrevistas com musicoterapeutas que trabalham com pacientes desta área.
1 — A SÍNDROME DE DOWN
1.1 — CARACTERÍSTICAS
A síndrome de Down ou Trissomia 21 resulta de um distúrbio da divisão dos cromossomas que influencia regularmente a formação do corpo das crianças afetadas. Explica-se, assim, por que as crianças Down possuem tantas características em comum e até são um pouco parecidas entre si. Estas características são geralmente típicas e, por isto, desde o nascimento, as dúvidas quanto ao diagnóstico das crianças com síndrome de Down são mínimas.
Algumas delas apresentam outras características, porém possuem muitas ou todas as típicas. Como características mais marcantes vamos encontrar: na boca, dentes pequenos, língua sulcada e protusa (para fora da boca); abertura das pálpebras inclinada, com a parte externa mais elevada, e uma prega no canto interno dos olhos; mãos grossas e curtas, com dedo mínimo arqueado e prega palmar única, incluindo os quatro dedos maiores; dedos dos pés com disposição semelhante à do polegar e do indicador da mão normal; rebaixamento intelectual e estatura baixa; cardiopatias em quarenta por cento dos portadores; hipotonia (moleza e flexibilidade exageradas) nos músculos e articulações; retardo variável no desenvolvimento psicomotor.
Para o diagnóstico, Lefèvre (1981) destaca do quadro clínico geral o aspecto da face, a hipotonia, as mãos e um retardo variável no desenvolvimento psicomotor.
1.2 — NASCE UM BEBÉ PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN
Ao nascer um bebé Down, a síndrome de que é portador é facilmente reconhecida pelas características marcantes já mencionadas. Por isto, desde os primeiros instantes de vida, esta criança coloca os seus pais diante de um problema que não pode ser resolvido e que precisará de ser aceite, o que provoca diferentes reações, como estado de ansiedade aguda, profunda tristeza, confusão mental ou enorme revolta contra o mundo. Estes sentimentos quase sempre vêm acompanhados de uma certa rejeição, o que completa a descrição de um quadro de muito sofrimento e insegurança.
O momento de transmitir aos pais a notícia de que tiveram um bebé portador da síndrome de Down é, por tudo o que já foi exposto, muito especial. Muitas queixas têm sido feitas pelos pais destes bebés a respeito dessa comunicação. Frequentemente, nessa ocasião, voltam-se agressivamente contra os portadores da notícia.
O senhor Francisco de Assis O. da Cruz e sua esposa, Regina Celi de Souza Fernandes da Cruz, são pais de Tiago Fernandes Oliveira da Cruz, que atualmente tem oito anos e é uma criança portadora da síndrome de Down. O casal foi vítima desta má forma de comunicação compreende que não se trata de uma tarefa fácil, já que mexe com emoções intensas. Eles conhecem esta dor bem de perto, no fundo da alma: o amor por um filho. O senhor Francisco conseguiu transformar a sua dor e revolta em um bem para a comunidade ao idealizar e fundar o Projeto Rio Down, que tem como finalidade “dar boas-vindas” a bebés Down. O projeto tem sempre alguém disponível para conversar e visitar os familiares dos bebés recém-nascidos ou recém diagnosticados. Os seus membros acreditam poder trazer a notícia até estes casais com mais amor, maior franqueza e algumas perspetivas de futuro, tão importantes e necessárias no momento da notícia .
Parafraseando Lefèvre (1981), devemos estar atentos à ternura que esta criança pode fazer nascer à sua volta. Este bebé vai sorrir para a mãe, estender os seus bracinhos quando ela o convidar para o seu colo, vai agarrar-se a ela quando pedir proteção. Vai abraçar com carinho a mãe, o amiguinho ou a boneca. Esse bebé vai desenvolver-se lentamente, sendo muito mais dependente que os outros no seu desenvolvimento, mas passará pelos mesmos caminhos, semelhantes aos das outras crianças.
1.3 – O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DOWN
Ao observar com atenção esta criança, veremos que o seu desenvolvimento é bem mais lento que o do bebé normal; porém, apesar de mais dependente, este bebé estará, também, trilhando no seu dia-a-dia, ainda que bem mais devagar que uma criança com desenvolvimento normal, as diversas fases e etapas do seu desenvolvimento.
Devido ao amadurecimento constante do seu Sistema Nervoso Central (Lefévre A., 1981), esta criança desenvolver-se-á diariamente e, mesmo que este caminhar seja bem mais vagaroso, evoluirá claramente em inteligência e habilidades até à idade adulta. Apesar de o desenvolvimento lento ser comum em todas as crianças Down, existem diferenças marcantes entre elas: cada uma terá as suas graças, a sua maneira de ser, de brincar, de se comunicar e também o seu tempo de aprendizagem, ficando a nosso encargo perceber a hora e a forma mais carinhosa de nos aproximarmos dela.
1.4 — A CRIANÇA DOWN EM IDADE ESCOLAR
Quando a criança Down se torna mais independente, conseguindo comunicar, andar bem e integrar-se num grupo, está pronta para frequentar uma escola. Em alguns casos, isto pode acontecer entre três e quatro anos, em outros um pouco depois. Os pais devem estar seguros de que uma turma, mesmo com crianças mais novas do que ela, só lhe fará bem. A partir dessa mudança, o seu desempenho linguístico e a sua independência nas atividades da vida diária terão grandes progressos. Notamos um benefício significativo para as que puderam participar de uma turma totalmente normal no início da sua aprendizagem, especialmente no Jardim de Infância. A realidade mostrou que, apesar de lento, o progresso das crianças foi evidente.
Aprendizagem e desenvolvimento não entram em contacto pela primeira vez na idade escolar (…), mas estão ligados entre si desde os primeiros dias de vida da criança. (Lev Vygotsky, 1988).
1.5 — O ADOLESCENTE DOWN E A SEXUALIDADE
A compreensão do adolescente Down sobre o sexo é muito importante para a sua evolução, pois a sexualidade destes portadores ainda é motivo de preocupação para alguns e um tema pouco explorado para outros, talvez pelo fato de se ignorar ou de se considerar inexistente a sexualidade nestes indivíduos.
Diálogos esclarecedores sobre namoro e sexo, geralmente já difíceis entre pais e filhos, nesses casos são inexistentes.
A frequente atribuição de uma natureza assexuada ao deficiente mental resulta da visão deste indivíduo como sendo um ser incompleto. Mesmo que a deficiência se anteponha à possibilidade de desenvolvimento pleno destes indivíduos, a eles deve ser dada a oportunidade de serem ouvidos sobre o que querem, pensam e sentem acerca da sua sexualidade. Eles mesmos manifestam desejos de namorar, trabalhar, casar e ter uma vida sexual ativa (Glat, 1996).
Independentemente da deficiência mental, os adolescentes nesta condição são pessoas únicas e, como tais, têm necessidade e direito de experienciar e partilhar afeto como todos nós.
Por isso, uma orientação sexual adequada é necessária, através de informações claras e sem preconceitos, para que estes jovens consigam abrir-se sobre as suas dúvidas. Eles têm desejos, sentimentos e necessidades sexuais como todo ser humano; é importante que se verifique se as pessoas que tratam do jovem (pais, irmãos, terapeutas, amigos) têm consciência destes factos.
Na medida em que o adolescente ou adulto Down participou de uma vida normal em comunidade, ele criou possibilidades de defesa contra agressões sexuais, aprendeu a defender-se e agir adequadamente diante das dificuldades da sua vida diária. O seu comportamento será tanto mais normal quanto mais se procurou respeitar suas capacidades básicas, colocando-o sempre em atividades adequadas ao seu nível de compreensão. Se ele entende os problemas, é capaz de tomar iniciativas. Há muitos momentos simples nos quais ele deve ser solicitado a tomar decisões próprias.
Aos poucos a sociedade vai percebendo o erro de segregar aqueles rotulados como “débeis mentais”. Vai, assim, aceitando no seu convívio essa minoria capaz de trabalho e amor. As famílias lutam para que seu filho tenha um lugar ao sol na comunidade a que pertence e aos poucos vemos surgir uma atitude social recetiva e diferente relativamente ao assunto.
1.6 — O DOWN NA IDADE ADULTA
Uma preocupação constante dos pais de indivíduos Down diz respeito a quem, no caso da sua morte, ficaria responsável pelos seus filhos. Se não há irmãos ou parentes que assumam tal responsabilidade, o problema complica-se. Há, também, a possibilidade do(s) parente(s) não ter(em) condição económica para assumir a tutela do filho.
Em muitos países desenvolvidos, como Suécia, Inglaterra e Estados Unidos, há centros residenciais para adultos com deficiência mental. A internação, entretanto, ainda é um problema muito debatido e pesquisado: a institucionalização nem sempre é o mais indicado, pois as habilidades sociais dos adultos Down são geralmente muito boas; eles conseguem participar da comunidade como profissionais e podem viver normalmente com suas famílias.
1.7 — AS OFICINAS PROTEGIDAS
Estas oficinas profissionalizantes com condições especiais de trabalho dão ao adulto Down a oportunidade de se sentir capaz de realizar algo útil à sociedade, enquanto atesta aos pais a possibilidade de o seu filho agir com independência, indo e voltando em horários fixos, cumprindo a rotina de um trabalhador comum e recebendo orientação técnica constante de um educador.
Em São Paulo, o Centro de Habilitação da APAE construiu uma exemplar oficina protegida (onde o trabalho é protegido, supervisionado e remunerado) que serve de modelo para outras espalhadas pelo país (Lefévre, 1981).
2 — A ESTIMULAÇÃO ESSENCIAL
Várias terminologias são usadas para uma mesma prática: estimulação essencial, intervenção precoce, solicitação ao desenvolvimento, estimulação precoce. Nos últimos anos, esta última expressão foi muito utilizada, pretendendo-se dar ênfase ao treino que deve ser iniciado o mais cedo possível nas crianças com atraso no desenvolvimento. Ela, entretanto, me parece incorreta por não traduzir bem o espírito do programa. Precoce significa ‘prematuro, antecipado’ de acordo com o Dicionário Brasileiro – O Globo (Francisco Fernandes, 1993). Não se deseja proceder a um treino prematuro, mas sim estimular, à custa de numerosos expedientes, o desenvolvimento das estruturas cerebrais que responderão por atividades psicomotoras cada vez mais complexas.
O atendimento em estimulação não é feito antes do tempo certo. A sua aplicação dá-se antes que os problemas no desenvolvimento da criança se tornem irreversíveis. Por isso, ele é essencial ao desenvolvimento e, feito no momento oportuno, faz jus ao nome estimulação essencial.
A sua aplicação é terapêutica, pois atua tanto no campo da prevenção como da intervenção, tendo como bases teóricas fundamentos da neurologia infantil, fisioterapia e psicologia do desenvolvimento infantil.
…é uma técnica terapêutica exercida sobre a criança, que busca garantir e/ou resgatar um crescimento mais harmonioso, pleno e natural possível, baseada no princípio que cada indivíduo possui uma competência interna de desenvolvimento nos âmbitos físico, motor, mental, social e da linguagem. (Benatti & Carvalho, 1990).
2.1 — A ESTIMULAÇÃO DE UMA CRIANÇA PORTADORA DA SÍNDROME DE DOWN
O cérebro funciona como um todo e sempre que estivermos estimulando uma área específica afetaremos toda a função cerebral; daí a grande importância da estimulação de uma criança portadora da síndrome.
A estimulação, quando feita com estas crianças, deve ter início o mais cedo possível.
Muitas mães queixam-se de terem sido encaminhadas muito tarde para o tratamento dos seus filhos e sentem-se culpadas pelo atraso que se verifica, considerando que o tempo perdido nunca mais será recuperado. (Lefèvre 1981).
As crianças Down ficam rapidamente fatigadas; com o cansaço, falta a energia necessária para manter a concentração. Sempre se deve verificar se o trabalho é interessante para elas, pois o desinteresse surge tanto como resultado de pedidos complicados, como de com pedidos fáceis demais. As tarefas e ordens precisam ser dadas com calma, preparando a exigência final.
O mesmo deve acontecer em casa, quando os pais desejarem que a criança mude de atividade: se estiverem sempre apressados não conseguirão uma boa atenção da criança.
Neste estudo, enfocarei prioritariamente as estimulações das funções motoras e das funções sensoriais.
2.2 – A ESTIMULAÇÃO DAS FUNÇÕES MOTORAS
L. Coriat sugere as seguintes etapas de estimulação para controle postural nos primeiros meses de vida do bebé Down: se a criança está deitada de costas, dobrar e encostar uma na outra as suas perninhas; se está deitada de bruços, colocá-la com a cabeça virada para o lado. Ao segurá-la no colo, evitar a posição horizontal e sustentá-la verticalmente. Faça-se o que for, sempre se deve lembrar que falar com a criança e acariciá-la são ações básicas para despertar o seu interesse de responder aos apelos do estimulador.
Na estimulação motora, ao rolar e movimentar braços e pernas, a criança sente e experimenta livremente o seu corpo no espaço, disposto em várias posições. A sua movimentação espontânea é, portanto, enriquecida com um número maior de experiências sensitivas e sensoriais; quando pequena, a criança delicia-se com estas experiências, interessando-se em explorar todo o corpo quando livre das vestes.
Ela, então, percebe e olha as suas mãos e os seus pés e sente a sua barriguinha e os seus órgãos genitais. Melhora, desta forma, a sua perceção de onde estão as partes do seu próprio corpo.
É importante estar atento aos movimentos estereotipados (repetitivos); a partir dessa observação, intervenções deverão ser feitas, chamando-se a atenção com outra solicitação, distraindo a criança para um objeto oferecido ou mudando-a de posição para, assim, não deixar que persista nesses movimentos.
Várias solicitações para o estímulo motor poderão ser feitas conforme a posição corporal da criança. Se estiver deitada de bruços, pode-se usar bolas de diferentes tamanhos e que correm em diversas direções, começando pelas maiores e depois usando outras menores, que exigem maior atenção visual.
No início da estimulação, a criança acompanhará por pouco tempo o rolar das bolas mas, com a sequência das sessões, será capaz de acompanhar as diversas direções para as quais rolam, assim como a sua visão de perto ou de longe.
Ao ser deitada de costas, os objetos deverão ser apresentados no alto, em movimentos em cruz, verticais, horizontais ou circulares.
Quando estiver sentada numa cadeirinha, a criança experimentará os movimentos dos braços, procurando alcançar os objetos que estiverem perto ou longe.
Quando ela já souber andar, os movimentos estimulados serão o de se abaixar para pegar uma infinidade de brinquedos simples que poderão ser oferecidos. Os estímulos de locomoção, firmando os pés no chão e pedalando, poderão ser feitos através de um velocípede de três rodas.
Os estímulos para o desenvolvimento destes movimentos devem ser cuidadosamente seguidos, respeitando-se as etapas do movimento da criança, sequência esta que torna mais fácil superar as diferentes fases.
Deve-se estar atento, lembrando-se que antes de ser estimulada para que ande, a criança deve ser estimulada para sentar com apoio e, depois, sem apoio.
É importante que se observe constantemente o estado de desenvolvimento da criança para que se verifiquem os seus progressos e se analisem as suas possibilidades, verificando-se quando é a hora de seguir para a etapa seguinte. Se a criança já consegue sentar-se na cadeira com encosto e já é capaz de se inclinar para a frente, pegando algum objeto sozinha, isto mostra-nos que já pode sentar-se sem apoio; por conseguinte, poderá ser solicitada a ir empurrando a cadeira e estará apta para os seus primeiros passinhos. Deve-se ter o cuidado de observar se estes movimentos são espontâneos: forçar um exercício, queimando uma etapa, é um grande erro.
2.3 — ESTIMULAÇÃO SENSORIAL
Os estímulos das funções sensoriais certamente facilitarão a compreensão pelas crianças do que ocorre ao seu redor. É preciso que o bebé tenha oportunidade de olhar o mundo que o rodeia; como já citei, o chão é o lugar mais estimulante para isso e a melhor posição é deitado de bruços. É importante para os pais saber que a postura de bruços na cama ou no chão é muito útil para reforçar os músculos da coluna e facilitar o levantamento da cabeça. Nessas condições, o bebé será solicitado pelo movimento dos familiares, pelos objetos que rolam, se distanciam e se aproximam. Todos os sentidos devem der solicitados: pelo tato, experimentam-se as consistências diferentes de um pedaço de algodão, de um brinquedo de borracha e de outros materiais; a visão seguirá os movimentos de familiares e objetos; a audição discriminará objetos que emitem sons variados, como um sino, um chocalho, latinhas com objetos dentro ou uma caixinha de música. É importante uma associação consciente despertando a atenção para brincar, pegar no objeto, olhá-lo e senti-lo.
Além dos movimentos das bolas em direções variadas, também se pode despertar o interesse e a atenção infantil para uma lanterna; quando a criança consegue segurá-la pode, por conta própria, variar a direção do facho de luz e segui-lo pelas paredes ou pelo chão. Com olhos e mãos em conjunto, estará exercitando a coordenação visual-manual. O tipo de objeto pode variar, mas deve ser deixado com ela, à medida que desperte o seu interesse e curiosidade. Querer brincar é uma condição fundamental para o progresso de um bebé.
2.4 — A ESTIMULAÇÃO AUDITIVA
As estimulações auditivas terão o objetivo de fazer a criança virar a cabeça para o lado de onde vem o som. Com a introdução de sons diferentes, estaremos exercitando a sua atenção, deixando que escolha e reproduza ou repita alguns destes sons. No início, ela só perceberá os ruídos mais fortes mas, aos poucos, começará a distinguir os mais familiares, como a porta que se abre para a mãe entrar, a buzina do carro do pai, o som da voz do irmão. A seguir, passará a perceber os sons vindos de longe, como a chuva caindo na rua, o cachorro latindo no quintal, o som do avião passando. Será preciso, nestas ocasiões, chamar a atenção, procurando despertar o seu interesse com imitações, usando sons onomatopaicos, pois estes podem lembrar o evento sonoro passado: a criança pode tentar imitar o “au-au” do cachorro, o “piu-piu” do passarinho, num jogo que será importante para a futura articulação da fala. A audição começa a se apurar e os lábios começam a querer trabalhar.
2.5 — A ESTIMULAÇÃO DA FALA
A estimulação da fala é muito importante, mas é preciso lembrar aos pais da criança Down que em alguns casos ela processa-se muito lentamente e isto não quer dizer que a estimulação esteja a ser deficiente; indica apenas que aquela criança, por motivos ainda não explicados, tem mais dificuldade do que as outras para a fala expressiva. Mesmo que a criança não tenha problemas de audição, pode haver dificuldade em articular os sons, como frequentemente se vê.
O trabalho de estimulação da fala é longo e muitas vezes os pais sentem-se frustrados ao perceber o desfasamento entre a linguagem expressiva e o desenvolvimento de outras áreas, como as motoras, perceptivas e sociais. É bastante comum o desenvolvimento melhor e mais rápido da compreensão da linguagem falada, havendo atraso maior na expressão. Por um bom tempo a criança compreende o que lhe dizem, mas demora a atingir a capacidade de falar o que deseja.
Luria considera importante uma boa evolução da linguagem falada para o surgimento da capacidade de abstração e generalização.
Os movimentos com a boca, face e lábios, como já vimos acima, podem ser exercitados com jogos que interessem as crianças.
Algumas crianças têm tendência a deixar a língua para fora da boca. Exercícios podem ser feitos para retificar isso, de preferência sem ansiedade e sem que a criança perceba que a língua para fora significa olhares e atenção para ela. Convém assinalar que atividades exigem que a língua fique dentro da boca: todo movimento de coordenação, como mastigar, soprar ou fazer caretas engraçadas requer que os lábios se juntem, levando, assim, a língua para o seu lugar.
O uso exclusivo de alimentos moles evita a mastigação, que é um exercício muito necessário às crianças com síndrome de Down.
Os jogos em que se provam diferentes alimentos costumam provocar exercícios espontâneos da língua: experimenta-se o doce, o salgado, o melado, o duro, obrigando a língua a fazer movimentos de lamber o que foi colocado num canto ou noutro da boca.
É importante prestar atenção para a hora de parar, para não deixar a criança cansada ou irritada, sabendo deixar para o dia seguinte partes do exercício que tenham faltado.
2.6 — A ESTIMULAÇÃO DA CRIANÇA EM IDADE ESCOLAR
À medida que a criança Down consiga comunicar, andar e se integrar num grupo, poderá frequentar um jardim de infância, onde a presença de crianças normais será de grande benefício, auxiliando no seu desenvolvimento. Por outro lado, a frequência das escolas comuns não será benéfica somente para as crianças portadoras, mas também para as crianças normais, que se habituarão a conviver com crianças com deficiência de desenvolvimento e a compreendê-las.
A professora poderá desfazer os preconceitos das famílias conversando e mostrando aos seus alunos que um trabalho livre e criativo não é prejudicado pela presença desta criança mais lenta na aprendizagem. É importante para ela estar presente naquela turma e, apesar da lentidão, o seu progresso será evidente.
As escolas especiais no Brasil são poucas e raras; normalmente nem existem em cidades pequenas. As grandes cidades contam com mais recursos escolares, apesar de ainda insuficientes para este tipo de atendimento. Essa escassez de escolas especiais torna um pouco mais lenta e difícil a aprendizagem das crianças portadoras de síndrome de Down, pois no momento em que se inicia o ensino da escrita, da leitura e do cálculo, ou seja, o Curso de Alfabetização (C.A.), a grande maioria dessas crianças tem necessidade de uma aprendizagem muito mais lenta e individualizada, que deve ser acompanhado em turmas menores, nas quais se pode suprir a dificuldade de atenção e aplicar tarefas onde não haja competição.
Nestas turmas, os estímulos distrativos podem ser controlados. É preciso que ruídos acidentais (como buzina de carros, barulho da rua, avião passando) não se tornem mais importantes do que a ação iniciada.
De uma forma geral, comprova-se que a criança Down que frequenta escola com pequeno número de alunos e professores especializados tem o mais rápido progresso na aprendizagem da leitura, do cálculo e da escrita.
2.7 — A ESTIMULAÇÃO DA ATENÇÃO
Luria considera o estado de alerta imprescindível como substrato da aprendizagem e entende que o cérebro em ação é o que torna o homem capaz de pensar e de agir.
Todos os estímulos sensitivos, visuais ou auditivos são programados e organizados para que a atenção consiga desprezar o que é acidental e selecionar o que é importante. A seleção e a discriminação são intimamente ligadas ao estado de alerta.
Por isso, toda a criança precisa de estar atenta e vigilante para aprender coisas novas. Quando consegue esta capacidade de atenção, se concentra no problema proposto e tenta resolvê-lo. É preciso lembrar que crianças menores têm dificuldade para manter a atenção em um problema proposto, pois a função cerebral responsável pelo alerta evolui lentamente e a duração do tempo de atenção, à medida que estas crianças crescem, vai aumentado.
Os exercícios visam aumentar a duração desse tempo, mas lentamente, respeitando a capacidade individual de cada criança. Todas as técnicas de estimulação mencionadas anteriormente conduzirão a criança a uma maior capacidade de atenção. Luria (1963), entretanto, ressalva que a criança Down apresenta uma fadiga muito rápida: a sua atenção naturalmente se mantém por menos tempo.
Lourenço (1952), organizou uma série de testes para crianças Down de diversos meios sócio-económicos, com o intuito de estudar as funções mais necessárias ao aprendizado da escrita e da leitura. Em seu estudo, a partir de uma adaptação da linha de abordagens do autor, encontram-se sugestões de exercícios, comentadas na seção seguinte, que solicitem todas as seguintes funções: atenção e memória visual; atenção auditiva; noções de espaço e esquema corporal.
2.7.1 — Exercícios estimuladores
Algumas pesquisas comprovaram que há um défice de “memória visual” na criança Down, pois ela tem mais dificuldade para guardar imagens vistas do que uma série de palavras ouvidas. A atenção e memória visual constituem a capacidade de reter informações recebidas pela visão. Como a criança Down tem dificuldades relacionadas a essa habilidade, há necessidade de exercícios para que guarde, lembre e reconheça mais prontamente o que já foi visto.
Para o estímulo da “atenção auditiva” podemos usar jogos, pois essas atividades melhoram a concentração no som repetido. Junto ao trabalho de esquema corporal, deve ser introduzido o ritmo de uma forma bem atraente, o que auxiliará a memória e a atenção da criança. Pode-se, por exemplo, variar o ritmo, usando batidas fortes e fracas, rápidas e lentas no tambor, para que a criança marche devagar ou depressa; com outro tambor, ela pode, ainda, imitar o ritmo das batidas.
As canções infantis, pela sua simplicidade, devem ser usadas, em andamento lento, com as palavras bem articuladas, para que sejam bem compreendidas. Este tipo de música geralmente atrai as crianças, estimulando a sua atenção e sua discriminação auditiva.
Devemos lembrar que é o nosso corpo, nas suas “relações com o espaço” e com os objetos, que vai proporcionar as condições para a aprendizagem da leitura e da escrita (Lefèvre, 1981).
Os exercícios com o objetivo de amadurecer a consciência do “esquema corporal” auxiliarão no aprendizado escolar e também em todo o trabalho posterior à escola, na profissionalização, independência e socialização.
A criança que participar dessas atividades estará aprendendo a agir de forma adequada e madura pela sua fala e pelo seu corpo, com gestos e movimentos em sequência harmoniosa no tempo e no espaço. Também Sampaio (1969) propõe uma programação para jogos de expressão livre, preparando a criança para a consciencialização do seu esquema corporal e para as possibilidades dos seus movimentos. Ela planifica essas atividades em etapas sucessivas, a introduzir progressivamente na estimulação.
O objetivo de tais exercícios é fazer a criança movimentar-se, trabalhar o corpo globalmente, sentindo a sua postura e equilíbrio e movimentado todos os membros.
Em sequência, Sampaio (1969) sugere jogos dramáticos: histórias inventadas, no faz-de-conta – fingir que se ganhou um presente, que se está triste porque um brinquedo quebrou, imitar soldados, robôs, bailarinas etc.
3 — A MUSICOTERAPIA E A ESTIMULAÇÃO DO PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN
Embora exista um trabalho significativo de musicoterapeutas brasileiros com crianças portadoras de síndrome de Down, encontrei poucas referências bibliográficas sobre esse trabalho. Dentre o material bibliográfico encontrado, destaco dois trabalhos: Lopez (1998), no seu artigo As influências das Músicas Infantis no Desenvolvimento Psicomotor da Criança, realça a importância da linguagem musical e dos seus elementos no desenvolvimento psicomotor infantil de uma maneira geral; Ana Sheila Uricoechea (1997) investiga a possibilidade de criação de uma ampliação do “setting” musicoterapêutico através da construção de objetos sonoros e da exploração de seus sons.
Constatada a pouca disponibilidade de estudos sobre trabalhos musicoterápicos com crianças Down, optei por entrevistar musicoterapeutas com prática nesta área para, partindo da experiência profissional relatada, formular propostas e possibilidades formais para a estimulação de crianças portadoras de síndrome de Down.
3.1 — QUANDO COMEÇAR
O melhor momento para se iniciar a estimulação com um portador desta síndrome é logo após o nascimento; nesse momento já há indícios de que o bebé será portador da síndrome de Down e, portanto, o perinatologista já pode fazer um diagnóstico prescritivo. Na síndrome de Down, esta estimulação deve começar cedo, envolvendo sempre as mães, porque elas serão responsáveis pela continuação da estimulação.
Sabemos que já existe uma estimulação sonora desta mãe com seu bebé, mas a musicoterapeuta vai incentivar mais ainda esta relação sonora; conhecemos a importância do estímulo sonoro, do som, durante todo o desenvolvimento destas crianças. (Ana Sheila Uricoechea, 2003).
Eis a apreciação da importância da ajuda da mãe neste processo; este envolvimento favorecerá a terapia pois, desse modo, a criança, será conduzida pelo terapeuta e apoiada pela família, o que com certeza muito ajudará para que atinja os objetivos traçados com mais segurança.
Orientar a família é fundamental para que esta possa dar uma continuidade aos estímulos em casa. (Guerra, 2003).
3.2 — A FICHA MUSICOTERAPÊUTICA
Segundo Norma Landrino (2003), a parte mais importante do trabalho de estimulação é fazer uma boa ficha musicoterapêutica, para que se pesquise e conheça bem a vida do paciente:
O ambiente familiar, a experiência musical, os contactos musicais que esta pessoa tem, a bagagem musical deste indivíduo. Se ele ouve discos em casa, se ele gosta de rádio, se gosta de música, que tipo de música o atrai.
Deve-se saber de que música ele gosta e estimulá-lo, fazendo com que comunique esta música, lhe mostre esta preferência, se é que ele consegue falar sobre isto, porque muitas vezes o paciente com síndrome de Down não tem um vocabulário muito bom.
Apesar de não mencionar a ficha musicoterapêutica, Guerra (2003) acrescenta a importância da família falar um pouco de como é o dia deste paciente e de qual é a vivência sonora desse grupo: o musicoterapeuta precisa estudar o processo desta criança, buscar entender as necessidades que ela tem, as suas prioridades e preferências.
3.3 — A RELAÇÃO TERAPEUTA — PACIENTE
Um dos objetivos primordiais de uma terapia é estabelecer a relação terapeuta—paciente, para que este tenha confiança no trabalho e se desenvolva com prazer (Norma Landrino, 2003).
Denise Guerra (2003), que concorda com essa assertiva, acrescenta que, no trabalho com crianças, é importante estender este vínculo terapêutico também à família.
Nós, musicoterapeutas, precisamos manter este contato bem forte e afetuoso. No primeiro momento, isto não acontece; o terapeuta precisa de construir essa relação, essa troca, para que se tenham mais tarde outras respostas, outros pontos. Sem a relação terapêutica fortalecida, não se consegue trabalhar com esta criança. (Guerra, 2003).
3.4 — AVALIAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DE GRUPOS
Ao iniciar-se o trabalho de musicoterapia numa instituição, faz-se uma classificação geral das crianças com síndrome de Down, pois existe uma série de níveis de desenvolvimento mental afetando, segundo o seu grau, a capacidade cognitiva.
…nós temos casos de síndrome de Down que consideramos moderados, casos que não chegam a ser leves, mas moderados, com um bom prognóstico, e temos casos severos ou profundos. (Uricoechea, 2003).
Guerra (2003) ratifica esses níveis de desenvolvimento: leve, moderado e severo.
Os pacientes com quadro leve normalmente têm um desenvolvimento escolar interessante, chegando a passar por escolas inclusivas e a concluir o primeiro grau.
Os pacientes com quadro moderado aprendem a ler e a escrever, podendo, eventualmente, chegar ao quarto ano.
Os pacientes com quadro severo não conseguem participar do processo escolar. Podem aprender ofícios simples e, então, entrar no mercado de trabalho. Os que aprendem a ler podem fazer assumir tarefas mais elaboradas.
Relatos recentes (…), negam dados anteriores, que estabeleciam que as crianças com síndromes de Down geralmente apresentam atraso mental severo ou profundo. Esses estudos contemporâneos têm mostrado que a maioria das crianças com síndrome de Down tem um desempenho na faixa entre leve e moderada do atraso mental. (Pueschel, 1993).
3.5 — FORMANDO E MESCLANDO OS GRUPOS
Após a classificação geral por nível de desenvolvimento, teremos a avaliação cognitiva para poder organizar os grupos segundo o tempo mental de cada um; a partir dessa organização, devem ser feitos subgrupos para que se observe como esta criança está afetivamente.
Um grupo com mais dificuldade, outro com menos, até mesclando um pouco, para não colocar só quem está muito bem com quem está com muita dificuldade. A razão de mesclar um pouco é fazer com que o grupo puxe melhor o que está com mais dificuldade, mas com o cuidado de nunca juntar um grupo muito prejudicado com outro que esteja muito bem. (Guerra, 2003).
Outra forma de mesclar os grupos dos portadores desta síndrome, seria agrupar esses pacientes com outros, que tenham outros tipos de deficiência mental.
Não há necessidade de formar grupos só com portadores Down pois, na prática da musicoterapia, eles podem conviver, com outras deficiências, com outros tipos de patologias dentro da deficiência mental. (Uricoechea, 2003).
3.6 — FORMULANDO OS OBJETIVOS
Guerra faz-nos lembrar da importância de ter sempre claramente formulados objetivos no trabalho com estas crianças. Estes objetivos têm que ser sempre progressivos, pois não adianta estimular “uma coisa lá na frente” se, “aqui atrás”, a criança ainda não avançou. É complicado querer que a criança ande, se ela ainda não se senta. Apesar de algumas pularem fases, é importante que haja a possibilidade de progressão. Devem ter-se sempre claros os objetivos, pois assim se poderá estimular os potenciais de cada criança. Se já está quase a andar, pode estimular-se essa atividade, sempre respeitando o tempo individual, sem cobrar da criança o que ela não está conseguindo fazer.
O espaço terapêutico é da criança; por ela nós estamos ali, em função dela deveremos pensar as propostas, direcionar o atendimento, o tratamento, sempre para ela. (Guerra, 2003).
O objetivo primordial de Landrino (2003) é fazer uma boa ficha musicoterápica. Em seguida é estabelecer a relação terapêutica, pois, como já foi dito, sem ela fortalecida o terapeuta não consegue trabalhar com a criança.
Outros objetivos surgem no decorrer das sessões, com a progressão do trabalho com o paciente. Você poderá, assim, ter vários objetivos, uns subjetivos, outros mais concretos e mais diretos. (Landrino, 2003).
3.7 — TÉCNICAS
As técnicas sugeridas por Guerra (2003) começam a ser aplicadas com a criança Down ainda bebé, fase em que o M.T. deve trabalhar os sons primitivos e guturais (sons da garganta). O M.T. também estará estimulando o bebé a experimentar diferentes tipos de sons, como vibrações dos instrumentos e da própria voz, pondo a sua mão na garganta e também no peito enquanto fala ou canta. O M.T. deve, ainda, chamar a sua atenção para as vibrações dos instrumentos sonoros, para as suas texturas (como a do afoxé com bolinhas), colocando a sua mão sobre o instrumento para que o experimente, trabalhando, assim, a coordenação e a perceção dos materiais do meio. Também é importante que se explore a temperatura dos instrumentos de metal, de madeira, de palha, de plástico; suas diferenças estimulam a percepção do bebê.
Ao cantar, é importante massajar o corpo da criança sempre, dando-lhe um continente afetivo; ela precisa de colo, de aconchego e de afeto. (Guerra, 2003).
Papéis que produzem som, como os que embalam ovos de Páscoa, bem coloridos, dão bons brinquedos sonoros: as crianças gostam do colorido e dos sons que fazem.
Com crianças em fase ou idade cronológica mais adiantada, o musicoterapeuta poderá trabalhar da mesma forma, usando o mesmo material, os mesmos estímulos, mas prestando mais atenção nas especificidades da criança: as suas preferências. Mesmo com o desenvolvimento mental não organizado, ela expressa o que está trocando com o meio.
Estimular a expressão do paciente é de suma importância numa sessão de musicoterapia. Se ele tem problema de comunicação e fala mal, que o musicoterapeuta faça com que se expresse através da música, corporalmente, sonoramente e pelas canções de sua preferência; que trabalhe as palavras da letra dessas canções.
Ele poderá, também, trabalhar o aspecto afetivo, funcional e o rítmico desta música; assim, estimulará este paciente para uma expressão corporal, como a dança, conseguindo, desta forma, que ele se movimente. (Landrino, 2003).
Poderá, ainda, ampliar o seu vocabulário, fazendo com que articule palavras novas, como as da letra de uma música conhecida, (…) de que, geralmente, o adolescente Down gosta muito.
O musicoterapeuta pode usar esta música e, assim, terá um repertório de atividades para trabalhar estímulos com o seu paciente: usando o conteúdo da mesma música, ele também poderá motivá-lo a criar outras músicas. Estas criações podem ter por tema a sua própria família, num exercício de afetividade. O desenvolvimento dessas cognições é muito benéfico para esses pacientes.
Os portadores da síndrome de Down, têm uma relação muito interessante com o som. Podemos ver a importância da música nesses grupos, para os quais ela traz amplas condições de melhoras.
É maravilhoso ver que a música como estímulo, no momento certo e adequado, tem a capacidade de retirar estas pessoas deste mundo de incapacidades onde eles estão rotulados; neste momento, eles ficam livres deste estigma da deficiência mental. (Uricoechea, 2003).
O seu desempenho é muito satisfatório, na maioria das vezes muito bom. Eles pegam instrumentos de percussão e tocam, dançam, cantam, manifestam-se de uma maneira muito normal. Os resultados são muito favoráveis, os prognósticos, positivos e satisfatórios; realmente muito bons.
3.8 — LIMITES
Guerra (2003) afirma que o “setting” como um todo deve fonte de prazer, mas também precisa de oferecer os limites necessários para esta criança; não só o que é muito legal, bom e prazeroso há de funcionar. A criança está ali porque gosta de música, gosta do espaço, da troca com os amigos, da relação com o terapeuta, mas também é necessário que sejam estabelecidos limites. Falar das coisas que não se deve fazer, do que se deve, ou mesmo do que não se deve aprender. O musicoterapeuta tem de estabelecer limites, muito importantes para o amadurecimento da criança.
“Mãe suficientemente boa” (Winnicott, 1990) é exatamente aquela que dá o continente, o aconchego, o afeto e também o limite.
3.9 — UMA ESTIMULAÇÃO ESPECÍFICA
Vimos que existe uma série de níveis de desenvolvimento mental afetando o desempenho cognitivo; por isto, a estimulação sonora deve ser específica: esse desenvolvimento é muito estimulado e favorecido pelas atividades musicais, sejam elas de cunho rítmico, melódico ou de conscientização e coordenação corporal. Quanto mais específicas para as necessidades de cada um, melhor.
A estimulação deve ser muito específica para cada caso. (Uricoechea, 2003).
Precisamos de considerar que cada indivíduo é único e que, como tal, deve ser tratado com respeito à sua subjetividade; só assim estaremos praticando uma musicoterapia que invoque o sujeito como centro do trabalho.
A criança, com um pouco de vivência, mesmo não estando com seu desenvolvimento mental organizado, já consegue mostrar aquilo que ela está trocando com o meio; assim, é importante que o estímulo usado seja compatível com esta idade mental e com o interesse e a história desta criança. (Guerra, 2003).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho e, mais especificamente, a investigação do seu tema, foi de suma importância para mim. Apesar de já saber algumas coisas sobre ele, as minhas dúvidas eram inúmeras; algumas coisas eu apenas pensava que sabia…
Como primeiro passo, pesquisei esta síndrome e constatei a importância de se conhecer as suas dificuldades, os problemas de saúde que estas crianças enfrentam. Entretanto, mesmo não desconsiderando a importância dessa pesquisa bibliográfica, entendo que devo as principais descobertas sobre a aplicação da musicoterapia para estas crianças às entrevistas com profissionais musicoterapeutas.
As três entrevistas, foram indispensáveis para a compreensão do assunto: mesmo sem perguntas formalmente elaboradas, as três profissionais falaram de pontos importantes da sessão musicoterápica, abrangendo o portador Down nas etapas do seu desenvolvimento.
A musicoterapia aparece no discurso desses profissionais, como importante fator de estimulação para o portador de Síndrome de Down. Tocar, cantar, dançar com estas crianças e também com seus pais revelam-se potentes recursos a ser utilizados pelos profissionais de saúde. Os musicoterapeutas podem se beneficiar destes conhecimentos para alcançarem maior eficiência no seu trabalho clínico.
Apesar da satisfação pelos resultados obtidos, reconheço que esta primeira abordagem que não esgota o tema, que ainda merece estudos mais detidos para que se obtenham contribuições ainda mais ricas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENATTI, Raquel Candido. A estimulação essencial ao desenvolvimento infantil. Rio de Janeiro: 1992. Monografia final do Curso de Formação de Musicoterapeutas do Conservatório Brasileiro de Música.
FERREIRA, E. A. de Barros & FLEURY. Atividade Criadora em crianças com Síndrome de Down: Uma nova perspectiva da Musicoterapia. Goiânia: 1995. Monografia final do Curso de Especialização em Musicoterapia e Arteterapia em Educação Especial a Universidade Federal de Goiás.
LEFÈVRE, Beatriz Helena. Mongolismo: orientação para famílias. São Paulo: Almed, 1981.
LOPEZ, A.L.L. “A influência das músicas infantis no desenvolvimento psicomotor da criança”. in Revista Brasileira da Musicoterapia. Rio de Janeiro: UBAM, ano III, nº 4, 1998, pp. 5-26.
MARTINS, K.; ANTUNES, J.P. & FRASSON, L. Deficiência Mental e sexualidade. “superando tabus”, in FERREIRA, S.L. (org.). Teatro e Deficiência Mental: a arte na superação de nossos limites. São Paulo: Memnon, 2002, pp. 43-76.
PROJETO RIO DOWN – MOMENTO DA NOTÍCIA. Primeiro website sobre síndrome de Down do Rio de Janeiro: www.novanet.com.br/riodown.
URICOECHEA, A.S. Construindo sons e suas ressonâncias: uma ampliação do “setting” musicoterápico, in Revista Brasileira de Musicoterapia. Rio de Janeiro: UBAM, ano II, nº 3, 1997, pp. 35-40.
MUSICOTERAPEUTAS ENTREVISTADOS
GUERRA, Denise. Musicoterapeuta da APAE. Data da entrevista: 05/07/03.
LANDRINO, Norma. Professor 1 da Secretaria Municipal de Educação da Escola Municipal Especial Marly Fróes Peixoto, na área de Educação Musical Especial, e Musicoterapeuta da Clínica da Casa Gerontológica da Aeronáutica Brigadeiro Eduardo Gomes. Data da entrevista: 12/06/03.
URICOECHEA, Ana Sheila. Musicoterapeuta do IPICEP e coordenadora do curso de formação de MT. do Conservatório Brasileiro de Música. Data da entrevista: 06/10/03.
Criança com síndrome de Down