Noite de janeiras

Crianças cantando janeiras em Cinfães

Noite de janeiras, uma noite diferente

Uma história de António Mota

Saudações cantadas de porta em porta fazem da noite de Reis uma noite especial. Esta noite era diferente de todas as outras. Jantávamos à pressa, enfiávamos um gorro de lã na cabeça e corríamos para casa do velho Trindade. Pegávamos em castanholas, ferrinhos, pandeiretas e bombo. E o Jorge tirava do bolso da samarra do avô, que o agasalhava até aos pés, uma flauta de cana.

– Vamos ensaiar pela última vez? – perguntava o velho Trindade, com a viola amarantina muito bem afinada.

– Não há tempo para ensaios. Vamos embora, gente! – dizia eu.

Saíamos de casa do tio Trindade e começávamos a tropeçar nas pedras do caminho.

E ríamos muito com os tombos. É que era a noite de Reis, e nós íamos cantá-los!

Chegávamos à primeira casa e perguntávamos:
– Dá-nos os Reis, ou quer que lhos cante? Lá de dentro respondiam:

– Cantem-nos!

O tio Trindade dava os primeiros acordes na Viola. E a flauta do Jorge espantava a noite.

Lá ao longe os cães começavam a latir. E nós, todos certos, bem afinadinhos e encapotados, soltávamos as gargantas:

Quem diremos nós que viva
Na folhinha do loureiro?
Viva o senhor da casa
Que é um grande cavalheiro!

Quem diremos nós que viva
Na casquinha da cebola?
Viva a dona da casa
Que é uma grande senhora!

Boas-festas, boas-festas,
Boas-festas vimos dar
Para todos os senhores
Que estão dentro desse lar!

Depois calávamo-nos. E os cães continuavam a cantoria…

O dono da casa abria a porta e dava-nos maçãs, figos, nozes, rabanadas, moedas… do que tinha.

E nós lá íamos bater a outra porta.

Quando voltávamos a casa do velho Trindade, a cair de sono, roucos e felizes, fazíamos partilha de tudo o que nos tinham dado.

António Mota, Abada de Histórias, Desabrochar

Crianças cantando janeiras em Cinfães

Crianças cantando janeiras em Cinfães

Partilhe
Share on facebook
Facebook