O PAPEL DO PROFESSOR
Excerto de A Música como Veículo Promotor de Ensino e Aprendizagens, por Paula Cristina Viveiros da Silva. Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Universidade dos Açores, Ponta Delgada 2012.
A música é uma arte com características muito próprias. Os discursos a que chamamos música não são uma das formas de discurso simbólico que o professor deverá encontrar nas suas crianças aquando do seu processo de ensino aprendizagem. Para tal, o professor deverá ter patente pelo menos quatro linhas de pensamento musical, iniciando pelo valor que a música poderá ter não só para si como para quem a escuta, deverá ter em conta a dinâmica, o modo como realiza o seu processo de ensino aprendizagem, terá de possuir um caráter expressivo no modo como transmite o conhecimento ao aprendiz, e por fim conhecer, construir, ter uma sensibilidade sonora perante os instrumentos musicais de modo a que se promova um discurso musical entre aluno e professor.
Tal como Alberto Sousa defende: “Não interessa o ensino do saber, mas a formação do ser”.
Deste modo, o professor deverá preocupar-se com a música como discurso, ou seja, o seu principal objetivo é trazer a música para a plena consciência do ser humano, fazer com que o aluno descubra por si mesmo as possibilidades que a música tem em transformar sons em melodias, melodias em formas e formas em acontecimentos significantes de vida.
Outra tarefa do professor é preocupar-se com o discurso musical dos seus alunos, transformando este discurso numa conversa musical e nunca num monólogo.
Cabe ao professor despertar a curiosidade dos seus alunos, estimulando-os com questões de discernimento artístico, como por exemplo, criando e acompanhando canções com gestos rítmicos, jogos de entoação, entre outros variados acompanhamentos musicais, que tornará possível o reconhecimento do valor da interação social, promovendo assim agrupamentos musicais organizados e confiantes na sua própria composição musical.
Segundo Edwin Gordon, “A verdadeira apreciação musical exige compreensão. Aprender música é ser guiado de forma a conseguir dar significado àquilo que se ouve.”
Seguindo esta linha de pensamento, podemos dizer que na música a imaginação é mais importante que o conhecimento, embora através da música e de outras artes, a imaginação e as emoções podem ser despertadas e desenvolvidas, porque a música interligada com outras artes constitui também sólidos fundamentos da educação, como o ler, o escrever, o contar, o jogar, entre outros.
Desta forma, quando o professor observa as crianças a brincar, este pode constatar o quanto é importante para elas o jogo musical, onde a improvisação é uma constante.
Esta forma livre e espontânea de expressão é uma necessidade interior, uma expressão vital para as crianças, pois através da improvisação torna-se possível o despertar e o libertar de capacidades criativas das mesmas, desenvolvendo assim a autoestima, contribuindo de uma certa forma para uma melhor relação entre professor e alunos e destes entre si.
Deste modo, “pela música a criança desenvolve a sua criatividade, espontaneidade, imaginação e sensibilidade para com o mundo que a rodeia. A música tem também esse “poder mágico” de estimular a capacidade criadora, promovendo nas crianças o prazer da descoberta de novas emoções…”
Assim, as crianças vão-se familiarizando com a linguagem musical que nunca deverá ser conseguida unicamente através da imitação. O sucesso de uma improvisação depende essencialmente do professor, no sentido em que professores alegres e criativos terão alunos alegres e criativos, encorajando-as a conversar, cantando, introduzindo estratégias expressivas em que os próprios alunos consigam decifrar e acompanhar de forma genuína o bom discursar da música entre professor e aluno e vice-versa.
Ainda neste sentido, e segundo Sousa, o objetivo do professor relativamente ao ensino aprendizagem da música é a criança e não a música, ou seja,
“Não é necessário o professor ter conhecimento de escrita musical nem saber tocar qualquer instrumento para se poder proporcionar a crianças meios e motivações para desenvolver o seu sentido musical e satisfazerem neste domínio as suas necessidades de expressão e criação.”
O mesmo autor acrescenta ainda que “É apenas necessário que se goste de crianças, de música e que se tenham alguns conhecimentos psicopedagógicos (para evitar cair em erros que em nada ajudem a criança).”
Deste modo, poder-se-á dizer que o contributo do professor relativamente ao ensino aprendizagem da música nas crianças tem um caráter dinamizador, isto é, este terá de ensinar a música de modo a que as crianças tenham de ir ao encontro da música, e que esta também possa ir ao encontro das crianças.
Não é só as crianças que ficam mais ricas com este ensino aprendizagem, nós, adultos/professores também nos sentir-nos-emos largamente compensados, porque a música para além de ser um bom instrumento relaxante na vida de um indivíduo, é também uma excelente ferramenta de comunicação e de interação social.
“O professor deve ser pluridisciplinar, no sentido em que (…) a sua verdadeira especialidade é ser um educador, isto é, ser capaz, ainda que seja um especialista, de manejar o conjunto dos meios (instrumentos pedagógicos) que lhe oferece o conjunto das matérias com o fito de servir objectivos gerais e comuns” (Fontanel-Brassart & Rouquet).
Importa referir ainda, que “O papel dos educadores consiste, essencialmente, em apoiar a criança, utilizando estratégias que lhe permitam experimentar situações desafiadoras (a nível cognitivo, social, físico e afectivo), interiorizar os significados das experiências, aumentar a confiança em si próprios e desejo de aprender” (Pinheiro), pois só assim as aprendizagens poderão tornar-se para ambos não só significativas mas ao mesmo tempo desafiadoras.
Embora haja algumas crianças mais desinibidas do que outras, não significa que as menos desinibidas não tenham aptidão para o discurso musical para com os outros, nomeadamente para com o professor ou para os colegas. Para Émile Jaques-Dalcroze, “A música nasce em nós da necessidade de fugir ao stress, de exteriorizar as nossas emoções, de satisfazer a nossa vontade, de dar um corpo às nossas aspirações imperiosas, embora por vezes se possa desordenar e confundir-nos (…) a sensibilidade significa possuir o próprio corpo em toda a sua relação com o espírito, bem como o expressar, ultrapassando o que paralisa a nossa insegura capacidade de imaginar e de criar”.
Além disso, o professor terá de compreender a criança, dialogar com ela, entrar no seu mundo como se fosse também uma criança, tentando entender os seus gostos, as suas necessidades, aquilo que ela é e sente que é capaz de fazer.
Se uma criança se sente pressionada em concretizar algo, esta acaba por não realizar nada daquilo que se pretendia fazer. A música neste tipo de situações funciona como uma terapia, como um instrumento que deverá ser utilizado pelo professor como algo que cative a criança à participação de determinadas atividades e que a partir destas possa sentir-se realizada, motivada pelos seus gostos e interesses.
Deste modo, a música passa a ser uma ferramenta essencial para alfabetizar, resgatar a cultura e ajudar na construção do conhecimento pela criança, porque a música além de atrair a criança, serve de motivação, deixa-a mais atenta àquilo que o professor pretende com ela, torna-se um instrumento de cidadania, contribuindo assim para a elevação da sua autoestima.
Neste âmbito, a música poderá funcionar como o barro, ou seja, deverá ser moldada pelo professor, no modo como ensina, no modo como interage com as crianças, no modo como decorre a aprendizagem das mesmas, fazendo chegar a estas a tal melodia pretendida, a tal moldagem de ensino e professor criativo, expressivo e dinâmico, para que a música chegue à criança e entre no seu consciente de forma, a que se sinta motivada à participação de novos desafios em sua vida.
(…)
Criança (Blomingdale School of Music)